Mia Couto, escritor moçambicano com várias obras publicadas, encanta o leitor ao tratar de temas universais como a saudade, a solidão, o sofrimento e a morte com uma linguagem extremamente poética. O autor também explora diversos recursos como metáforas, alegorias, comparações e neologismos para compor sua narrativa.
Antes de nascer o mundo (2009) ou Jesusalém trata da história de cinco homens, Silvestre Vitalício e seus dois filhos, Mwanito e Ntunzi, Tio Aproximado e o empregado Zacaria Kalash, isolados num lugar desabitado e devastado pela guerra, na savana de Moçambique, denominado Jesusalém. Essa reclusão motivada pelo patriarca Silvestre, após a morte da esposa, revela-se como uma tentativa de esquecer o passado. A história narrada na perspectiva de Mwanito traz à tona questões antigas mal resolvidas. Essas questões buscam esclarecer e compreender os fatos ocorridos e, de alguma forma, amenizar a saudade e a solidão.
É um daqueles livros para ler sem pressa e desfrutar de momentos repletos de poesia. As epígrafes Sophia de Mello Breyner Andersen, Hilda Hilst, Adélia Prado e Alejandra Pizarnik enriquecem ainda mais a obra.
Confira as melhores citações selecionadas pelo NotaTerapia:
Ninguém é de uma raça. As raças […] são fardas que vestimos.
Escrevo bem, silêncios, no plural. Sim, porque não há um único silêncio. E todo o silêncio é música em estado de gravidez.
A vida é demasiado preciosa para ser esbanjada num mundo desencantado.
Quem viveu pregado a um só chão não sabe sonhar com outros lugares.
Não é segurando nas asas que se ajuda um pássaro a voar. O pássaro voa simplesmente porque o deixam ser pássaro.
Mulheres são como as ilhas: sempre longe, mas ofuscando todo o mar em redor.
Os mortos não morrem quando deixam de viver, mas quando os votamos ao esquecimento.
Não viver é o que mais cansa.
[…] queres conhecer um homem, espreita-lhe as cicatrizes.
Não chegamos realmente a viver durante a maior parte da nossa vida. Desperdiçamo-nos numa espraiada letargia a que, para nosso próprio engano e consolo, chamamos existência. No resto, vamos vagalumeando, acesos apenas por breves intermitências.
Eu só sou na tua presença. E só me tenho na tua ausência. Agora, eu sei. Sou apenas um nome. Um nome que não acende senão em tua boca.
Se existe um sítio onde eu possa renascer é aqui onde o mais breve instante me sacia. Eu sou como a savana: ardo para viver. E morro afogada pela minha própria sede.
A dor de um fruto já tombado, é isso que eu sinto. O anúncio da semente, é isso que espero. Como vês eu me aprendo árvore e chão, tempo e eternidade.
E quando nos beijávamos e eu perdia respiração e, entre suspiros, perguntava: em que dia nasceste? E me respondias, voz trémula: estou nascendo agora. E a tua mão ascendia por entre o vão das minhas pernas e eu voltava a perguntar: onde nasceste? E tu, quase sem voz, respondias: estou nascendo em ti, meu amor.
[…] tu eras um poeta. Eu era a tua poesia. E quando me escrevias, era tão belo o que me contavas que me despia para ler as tuas cartas. Só nua eu te podia ler. Porque te recebia não em meus olhos, mas com todo o meu corpo, linha por linha, poro por poro.
Os homens não olham as mulheres que acabaram de amar porque têm medo. Têm medo do que podem encontrar no fundo dos olhos delas.
Uma terra é nossa como uma pessoa nos pode pertencer: sem nunca dela tomarmos posse.
Quem quer a eternidade olha o céu, quem quer o momento olha a nuvem.
Cada um de nós foi uma mentira, mas nós dois fomos verdade.
Metade do que fiz foi errado; o resto foi mentira.
Ao fim e ao cabo, só existe um verdadeiro suicídio: deixar de ter nome, perder entendimento de si e dos outros.
Porque ele tinha razão: o mundo termina quando já não somos capazes de o amar.
Nunca faças nada para sempre. Excepto amar.
O amor vicia mesmo antes de acontecer. Isso aprendi.
[…] o mundo não morreu. Afinal, o mundo nunca chegou a nascer.