“Seja como for. Voltar para trás é que é impossível. O meu relógio anda sempre para a frente. A história também.”
Oswald de Andrade, 1933
Serafim Ponte Grande é o protagonista de um dos principais romances de Oswald de Andrade, talvez o principal literato modernista brasileiro, ao lado de Mário de Andrade. O livro conta a aventura deste espécie de herói – ou anti-herói – na trajetória de sua vida, viajando e passando por diversos lugares do mundo. O grande poeta concreto Haroldo de Campos, em um grande e incrível posfácio, descreveu a obra assim:
O Serafim é um grande não-livro de fragmentos de livro. (…) Como o Tristam de Sterne, é um livro que, desde logo, põe em discussão a sua estrutura. Trata-se de um livro “compósito, híbrido, feito de pedaços ou “amostras” de vários livros possíveis, todos eles propondo e contestando uma certa modalidade do gênero narrativo ou da assim dita arte da prosa.”
O NotaTerapia separou os melhores trechos da obra. Confira:
Chove. Verdadeira neurastenia da natureza.
Cinema. Esta família é um peso.
Idéias de Pinto Calçudo.
– Para defender a liberdade de pensamento, eu iria às barricadas!
Eu também.
O fato é que minha vida está ficando um romance de Dostoievski.
Os paulistas vão e voltam, bonecos cheios de sangue.
Mas a revolução é uma porrada mestra nesta cidade do dinheiro a prêmio. São Paulo ficou nobre, com todas as virtudes das cidades bombardeadas.
A cidade é um mapa estratégico, fechada num canudo de luar.
A castidade é contra a natureza e vice-versa.
O Largo da Sé começou a ficar diferente por causa das Companhias Mútuas e das casas de Bombons que são umas verdadeiras roubalheiras mas que em compensação aí construíram os primeiros arranha-céus que nem chegam à metade dos últimos arranha-céus que não chegarão decerto à metade dos futuros arranha-céus. (…) Quando um estrangeiro saudoso regressa à pátria e procura o Largo da Sé, encontra no lugar a Praça da Sé. Mas é a mesma coisa.
Sonho que embeleza a adolescência trágica do poeta Carlos Florêncio. Se tivesse coração, se suicidava.
Os corações maratonam como sexos.
Periquitos, ursos, onças, avestruzes, a animal animalada. Rosáceas sobre aspargos da platéia. Condimentos. As partes pudendas nos refletores. Síncopes sapateiam cubismos, deslocações. Alterando as geometrias. Tudo se organiza, se junta coletivo, simultaneamente e nuzinho, uma cobra, uma fita, uma guirlanda, uma equação, passos suecos, guinchos argentinos.
Serafim, a vida é essa.
Venho, através de algumas caldeações, procurando refinar o tronco deixado numa praia brasileira por uma caravela da descoberta.
Meus 40 anos
Pode ser que não sejas muito elegante de longe na rua
Mas na cama
Oh! Deliras
Raça dos apólogos de Machado de Assis, nunca! Dos batuques. Das batotas.
Ele é apenas o que os jesuítas estragaram – magro, desconfiado e inocente no Concerto das Nações enriquecidas pela Reforma.
Mas é o paladar mesmo da aventura.
Por que, oh! por que tanta beleza junta! Por que a brancura sibilante do navio, força geométrica armada e bussolada para a visita de todas as nações? Por quê? Para eu viver dentro sofrendo e penando? Penando e sofrendo?
-Não há nenhum Santo Sepulcro…
-Como?
-Nunca houve.
-E Cristo?
-Quem?
O outro esclareceu:
-Cristo nasceu na Bahia.
É um turco que tem a chave do Santo Sepulcro já que os cristãos não se entendem sobre a posse das verdades e das capelas.
Ele procura é lá. Entrego-lhe tudo pela primeira vez. os seios esféricos e pequeninos, o ventre…Não Ele tem as mãos teimosas. Ele quer chegar é lá. Ao centro. À divisão do meu ser.
Os efeitos do amor. Hoje fiquei em pelo no quarto e notei que minhas coxas se arredondaram, ficaram gordinhas e macias trabalhas pelas suas mãos, minhas curvas se afirmaram, meus peitinhos ficaram duros e rebitados. Mas que coceira no bibico!
Tudo é tempo e contra-tempo! E o tempo é terno. Eu sou uma forma vitoriosa do tempo. Em luta seletiva, antropofágica. Com outras formas do tempo: moscas, eletroelétricas, cataclismos, polícias e marimbondos! Ó criadores das elevações artificiais do destino eu vos maldigo! A felicidade do homem é uma felicidade guerreira. Tenho dito. Viva à rapaziada! O gênio é uma longa besteira!
Edição: Círculo do Livro, sem data.