Autor: Adolfo Bioy Casares
Editora: Biblioteca Azul (Globo Livros), 2016
Tradução: Sérgio Molina
Páginas: 112
“Não me parece impreciso ou hiperbólico qualifica-la de perfeita.”
Jorge Luis Borges, sobre a Invenção de Morel
A imaginação é o mundo. Assim mesmo: o mundo. Não pretendo dizer que é ação de criar imagens – a imagina-ação é “um” mundo ou algo que “produz” mundo. A imaginação é tudo aquilo que há. Se, para Saramago, “Tudo são objectos. Quase.”, para Bioy Casares “tudo são mundos. Quase.” Revelo esta cápsula de incerteza, pois é delas que A Invenção de Morel é feita. Não se fala de dúvida sobre a existência das imagens do mundo que aparecem – como ação – mas de uma suspensão, uma hipótese, ou seja, coisas que só podem aparecer diante da linguagem.
A Invenção de Morel conta a história de um sujeito que, após receber a condenação de prisão perpétua, fugiu para uma ilha deserta cuja fama era de conter uma praga que matava em poucos dias todas as pessoas que ali chegavam. Uma vez lá, ele precisava enfrentar a solidão e todas as tarefas diárias de sobrevivência. No entanto, de um dia para o outro, o sujeito começa a ver uma série de pessoas andando pela igreja, pelo museu, enfim, por todos os cantos da ilha e, sem sucesso, tenta manter contato ou interagir com elas. Sua mente entra em parafuso: Ele está ficando louco? Será tudo aquilo uma ilusão? Será que ele ainda está vivo? É quando ele entra em contato com uma estranha máquina: a Invenção de Morel.
Este homem, então, ao acompanhar estas pessoas que passam pelos espaços da ilha alheias a sua presença, começa a entrar em contato com uma espécie de solidão essencial, em um exercício interno de, finalmente, ter de encarar sua finitude e sua solidão no mundo. A vida humana, sempre precária e frágil ao buscar a todo instante algo que possa lhe religar a um desconhecido inesperado, coloca este sujeito diretamente com aquilo que era mais caro: o estatuto da vida.
Isto acontece porque, diante de todas as imagens, uma delas se tornou sua favorita, Faustine: uma linda mulher que vai todos os dias para a beira do mar e fica a olhar para o tudo e o nada contemplativamente. Sua imagem, para os olhos deste sujeito que aprende a amar, torna-se insuportável e qualquer contato seria melhor que apenas a fagulha da bruta imagem. No entanto, a imagem lhe recusa. A partir deste instante, ele começa a investigar qual o destino destas imagens, cavar suas existências e seus pressupostos: quem são e do que são formadas? Existem ou perco meu espaço de realidade diante do que vejo?
Assim, a obra apresenta – a partir da criação de Morel, que não podemos contar para não desmontar uma leitura desatenta – um estatuto de formação, no que beira a animalidade do homem e do desejo intenso e potente pela vida, daquilo que os gregos chamavam de “moira”: o destino. Em um dado momento, surge a frase:
Não percebem um paralelismo entre o destino dos homens e o das imagens?
É salutar perguntar: para onde vou, para onde o mundo vai e para onde o mundo vai comigo? Pode-se dizer que, diante desta ilha, este homem se constrói em um jogo, tal como um Robinson Crusoé em que todos os Sextas-Feiras apontam diretamente para si.
Adolfo Bioy Casares, em A Invenção de Morel, engendra para nosso tempo uma das narrativas que remontam ao tempo das grandes histórias contadas. Há, ali, algo que se quebrou ou pode estar se quebrando. Ora, mas se é possível que exista, que se faça existir. Sem dúvida, pela força da imaginação, a máquina de Morel existe.
Leia as melhores frases da obra em:
https://jornalnota.com.br/2017/04/02/as-10-melhores-frases-de-a-invencao-de-morel-de-adolfo-bioy-casares/
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