La La Land – Cantando estações, de Damien Chazelle, é uma carta aberta aos sonhadores. Pelo caminho árduo de Mia e Sebastian, vivenciamos o sonho de ambos: Mia passa por inúmeras audições infrutíferas e desanimadoras para ser atriz, enquanto Sebastian quer abrir o próprio clube de jazz. Los Angeles é a cidade que os abriga, uma cidade que cede oportunidades de sonhar, mas também pode massacrá-los.
O filme bateu o recorde no Globo de Ouro, com sete estatuetas, e é uma promessa para o Oscar, com 14 indicações, igualando-se a Titanic e A Malvada em quantidade de indicações. A produção apresenta-se como musical logo em seu início, com um grande número pelo viaduto celebrando o verão, com poucos cortes e uma grande quantidade de bailarinos. É o recado dado pelo diretor de que estamos prestes a imergir em um universo regido por canções, por todo o filme. A coreografia foi de complexa composição, pois exigiu do diretor muito ensaio com o cast até que os bailarinos acertassem os passos. Era preciso reunir esse grande número em uma cena com poucos cortes e sem um protagonista. Ou seja, esperava-se um resultado sincronizado.
Em geral, o filme tem um crescimento gradativo. Aos poucos ganha fôlego com Another Day of Sun e Someone in the crowd. É Los Angeles que se apresenta enquanto cenário promissor para viver as idealizações hollywoodianas. Uma cidade que também se faz como grande multidão na qual é árduo se destacar, onde sonhos podem encontrar caminhos ilusórios e destrutivos. Por isso, La La Land é poderoso em sua proposta de focar não apenas na relação romântica entre Mia e Sebastian, mas na urgência de ambos realizarem seus sonhos.
A construção do romance em La La Land é pela valorização de uma parceria entre os dois personagens, eles se encontram na multidão de Los Angeles justamente porque um escuta o sonho do outro. O filme acerta em revelar mais camadas dessa caminhada e as incertezas nas escolhas para se chegar ao objetivo. E dá espaço para o sentimento que muitos filmes preferem não explorar: o medo do fracasso. E é por meio desse sentimento que Mia e Sebastian crescem pela atuação de Emma Stone e Ryan Gosling.
La La Land é, sobretudo, uma bela história bem contada. As cenas musicais surgem mais como uma representação de sensações, brincando com o absurdo, porque a imaginação que alimenta sonhos é capaz de criar todos os tipos de cenários. E é Los Angeles que também fabrica esses sonhos. Por isso em algumas cenas vemos os bastidores de filmes sendo gravados em estúdios e ruas, desmistificando o universo perfeito visto na tela. É este poder do cinema em inaugurar mundos que La La Land mostra: a ficção permeia também a realidade e dialoga com ela.
Podemos dizer que La La Land, ao mesmo tempo em que homenageia os grandes musicais, questiona também sobre o belo representado pelo cinema e o contraste com o imperfeito e o cotidiano. É possível fundar a beleza da arte em momentos que parecem ser corriqueiros. E também propõe questionar se a realidade não é mais complexa do que as resoluções fáceis de alguns filmes para as relações humanas, ilusões essas que interferem nas nossas expectativas em relacionamentos. Por isso La La Land consegue ser um musical contemporâneo e alimentar a nostalgia otimista presente em musicais da Era de Ouro.
A fotografia do filme se apresenta por cores simples e vibrantes, o que ajuda a enfatizar essa celebração pelos musicais. Em instantes mais melancólicos, o espaço ganha um tom um pouco mais sombrio, sem destoar da delicadeza no restante do filme. Podemos notar, na cena de A Lovely Night, Emma Stone como Mia usa o vestido amarelo como se demarcasse o início de uma mudança fresca e alegre em sua vida, assim como remete à capa de chuva amarela de Debbie Reynolds em Cantando na Chuva. O cenário e a iluminação são ironizados na música: seria perfeita para uma noite romântica, se eles estivessem, de fato, interessados um no outro. Assim, o crescimento dos personagens em La La Land é sinalizado pelas cores do cenário e pelo figurino, que aos poucos se torna mais sóbrio para Mia enquanto ela foca em seu projeto, e Sebastian se torna mais sofisticado com ternos mais escuros no decorrer do filme.
Desta forma, La La Land conta uma história que emociona porque concede a ela uma realidade mais palpável, sem deixar de constituir, com simplicidade, a delicadeza dos sonhos. Ele é uma carta aberta aos sonhadores, pois o desespero em realizar um sonho, lidando com o medo e as vicissitudes da vida, a oposição da família ou as situações diárias, tudo se soma e formula este sonho. Vivenciá-lo diariamente não consiste apenas em sucesso ou bons momentos. É feito de riscos e dor. Diante disso, La La Land parece conceder um gesto e uma voz a quem sonha dolorosamente, como os personagens. E apresenta o sonho como algo além de um mero desejo a ser atendido. Os dois personagens só percebem que existem por conta do sonho que alimentam há anos, descobrem as camadas de suas identidades quando são testados por audições, papéis interessantes ou músicas que nascem no piano. Por fim, La La Land torna possível visualizar o medo, a insegurança diante de um fracasso ou o esforço em meio a situações que parecem imutáveis, e ainda assim falar em esperança em um caminho tortuoso.
As referências musicais
Em La La Land, as duas grandes referências são Cantando na Chuva e Casablanca. O primeiro, enquanto musical metalinguístico, que aborda o próprio cinema, serve de inspiração para o número musical com sapateado A Lovely Night tal qual Singin’ in the rain, o universo dos estúdios e o romance entre Don e Kathy embalado pelo cinema e seus sonhos. A noite romântica de La La Land, com céu estrelado ou um nascer do sol rosado, faz parte do imaginário dos filmes que ganharam vida na própria Los Angeles. La La Land, nesta cena, ainda dialoga com a cidade e o céu colorido, mas Cantando na Chuva faz seus protagonistas vivenciarem a primeira cena romântica no artifício produzido em um estúdio.
Mesmo Casablanca não sendo um musical, e com uma temática mais densa em razão do contexto histórico-social, aparece quando é mencionado por Mia. Ela comenta que trabalhava diante da janela em que gravaram uma cena do filme, e Sebastian questiona “quem é seu Bogart?”, ator que interpretou Rick Blaine no filme. La La Land também traça um paralelo com a relevância de Paris em seu enredo, sempre como um sonho imaginado e projetado ao futuro, enquanto Casablanca é a nostalgia por um romance em Paris que já passou e não irá voltar, por isso os personagens dizem “nós sempre teremos Paris”. Assim, o filme torna Paris mágica pela imaginação, e não como passado de seus personagens. Para isso, Los Angeles funciona como o chão em que os personagens estabelecem o seu romance, com toda a aura fantástica que Paris tem em Casablanca. Além disso, vale lembrar que o Rick tinha um bar onde o blues e o jazz eram populares pelo talentoso Sam, e se vê obrigado a fechá-lo. Sebastian, em La La Land, ainda tenta lidar com o fato de que o bar onde trabalhava passa a ser destinado ao samba, e não mais ao jazz.
Em geral, Paris é importante na trama de La La Land, pois Cinderela em Paris (Funny Face) e Sinfonia de Paris (An American in Paris) também servem como inspiração. A referência ao primeiro é direta, em uma das cenas na qual Mia aparece segurando balões diante do Arco do Triunfo, como a protagonista de Funny Face interpretada por Audrey Hepburn em um dos ensaios fotográficos que a personagem faz no filme. Já Sinfonia de Paris, com Gene Kelly e Leslie Caron, empresta a aura de artifício da Paris recriada em estúdio e com cenários bidimensionais, além de números musicais mais longos que contam a história do filme por meio da dança.
No caso da cena inicial, no viaduto em Los Angeles, o filme lembra a cena que também inicia Duas garotas românticas (Les demoiselles de Rochefort). Esse último é instrumental e conta com o jazz que permeia também La La Land, e a cena ocorre entre caminhões suspensos em uma balsa para atravessar as águas, com longos fios suspendendo a estrutura e a dança em contraste com o metal.
Já a cena em que as meninas cantam com a Mia, em Someone in the crowd, encontramos um pouco de Grease com Rizzo cantando Sandra Dee, Maria enrolando-se na cortina em I feel pretty de West Side Story e mesmo Gene Kelly fazendo o mesmo em Moses supposes em Cantando na Chuva. As cores dos vestidos e os passos do grupo são semelhantes aos de Sweet Charity.
Na sequência desta cena, o filme ganha seu primeiro grande fôlego quando, ironicamente, mergulhamos com a câmera na piscina, e a festa se torna uma mistura de cores e brilho vertiginosos, como em Boogie Nights. La La Land reúne também os letreiros de Los Angeles colorindo a tela da mesma forma que Cantando na Chuva o faz. Gestos na dança em A Lovely Night, de Shall we dance com Fred Astaire e Ginger Rodgers, ou The Band wagon, Astaire com Cyd Charisse. E cenas de levitação relembram as de Moulin Rouge. Assim, todo o filme é excelente nos detalhes que explora como referência, como incluir uma criança segurando um balão vermelho, presente no filme Le balon rouge. E a beleza do reflexo das luzes em fundo preto que também aparece em Broadway Melody, cena em que Fred Astaire e Eleanor Powell apresentam um número de sapateado.
Como se pode notar, La La Land é uma grande celebração aos musicais, tanto para o público quanto para os personagens. Ele não delimita tanto a linha que separaria a imaginação dos personagens, alimentada pelo imaginário dos musicais e a magia de Los Angeles, e a nossa concepção de filme musical, com todas essas referências. E é por meio dos detalhes, os quais remetem a outros filmes, que La La Land conta a sua própria história.
Uma última observação sobre as referências de La La Land, mas COM SPOILER (leia apenas se você já assistiu a La La Land, porque eu comento o final do filme)
Apesar de não ser um musical, uma referência que permeia a trama de La La Land é o enredo de Casablanca. Já foi comentado aqui o paralelo entre Paris e Los Angeles. Mas é preciso destacar que o final de La La Land se aproxima de Casablanca, pois vemos, de maneira romantizada, como teria sido a vida de Mia e Sebastian se ele a tivesse seguido para Paris, acompanhando-a em sua carreira de atriz. No fim, ele não teria realizado o seu sonho de abrir um clube de jazz. Quando Sebastian pergunta para Mia, logo no início do filme, quem é o Bogart na vida dela, Sebastian não imaginava que teria um romance com ela e que, no fim, ele seria o personagem de Bogart, o Rick: aquele que Ilsa (Ingrid Bergman) realmente ama, mas com quem não pode ficar, e acaba por escolher partir ao lado do marido. Ambos ainda têm Paris como lembrança, assim como Mia e Sebastian possuem Los Angeles e o sonho nunca vivido, em Paris. Os dois filmes são diferentes das expectativas de finais felizes em Hollywood. La La Land e Casablanca optam pelo tom agridoce, melancólico, e acabam por serem mais realistas, neste sentido. O fato de não ficarem juntos para sempre não quer dizer que o relacionamento não tenha sido importante e belo, para ambos, no final.
Fonte: algumas referências aos filmes são mostradas no vídeo editado por Sara Precioso, disponível em Cine O’culto, aqui
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