No dia 19 de janeiro de 2017, celebramos 208 anos desde o nascimento do escritor norte-americano Edgar Allan Poe, um dos mais influentes autores de todos os tempos. Apesar de ser mais famoso pelo gênero do horror, Poe percorreu diversos caminhos da literatura e deixou sua marca em muitos deles: os primeiros contos policiais de que temos registro na literatura ocidental a marcar o cenário internacional foram escritos por Poe, e seu detetive, Dupin, presente nos contos A Carta Roubada, O Mistério de Marie Roget e Os Crimes da Rua Morgue inspirou a criação de ícones como Sherlock Holmes de Conan Doyle e o detetive Poirot de Agatha Christie.
Além de horror e contos policiais, Poe também inovou na teoria literária, ao expor seu processo criativo no ensaio A Filosofia da Composição, em que ele explica o processo quase matemático pelo qual compôs seu mais famoso poema O Corvo. Poe também foi um prolífico crítico literário, e dentre as muitas resenhas que escreveu, uma foi de um romance de Charles Dickens chamado Barnaby Rudge, o qual, vejam só, inclui entre seus personagens um corvo falante!
Poe também escreveu contos de humor negro, um longo ensaio chamado Eureka que ele prefere que chamem de poema em prosa, no qual ele defende teorias sobre ciência, filosofia e física quântica, além de ter também escrito uma obra que pode ser considerada uma novela, ou um breve romance até, chamado A Narrativa de A Gordon Pym. Enfim, Poe produziu muito em sua breve vida nesta terra, e sua influência é imensurável. Muito do que se conhece por conto, por literatura policial e de terror nos dias de hoje se deve a Poe.
Enfim, para prestar uma homenagem a esse marcante escritor em seu aniversário de 208 anos, preparamos uma seleção de poemas e mini contos inspirados em obras do Poe, escritos por jovens poetas e escritoras nacionais influenciados por Poe, além disso, todos os textos foram ilustrados por talentosos artistas também admiradores de Poe.
A jovem no retrato oval – Luciana Minuzzi
Arte por Denis Pinheiro
O rapaz retirou um tanto da poeira que me cobria. Era o primeiro em muito tempo a observar as linhas que formavam o meu retrato e a minha prisão. Ele sacou um objeto do bolso e o posicionou à minha frente. Dele, saiu uma luz, sem ao menos haver um candelabro por perto, e senti minha imagem ser capturada. Desta vez, pude alongar meus braços até que saísse da moldura. Ouvi um berro e o homem saiu da sala de forma abrupta, o que me fez perceber a minha nova forma. Caminhei até a porta da casa. Agora, eu sou livre.
O olho maligno – Marina Franconeti
Arte por Marina Franconeti, edição de Denis Pinheiro
Foi em uma terça-feira em que sonhei com um olho. Bem redondo, pupila dilatada, uma massa olhando para mim. Era um mero olho que parecia vir de alguma parte do mundo, e no sonho eu o desenhava. No dia seguinte, concentrei-me por um tempo infinito para marcá-lo no papel. A cada risco, sentia humanidade nas minhas mãos. Circulei a pupila enegrecida na íris, dei-lhe brilho, perdi-me nos riscos, acrescentei cinzas caindo dos olhos. Ao fim, ao contemplar aquele olho, notei o brilho se intensificar. E com lentidão, mexeu-se, como piscando. Mas sem pálpebras. E deixou um rastro de cinzas negras na minha mão.
Delirium Tremens – Fernanda Oz
Arte por Denis Pinheiro
Se aos dez já podia sentir os calos estourando em agonia, aos vinte havia conquistado as dores e aos quarenta tornei-me elas. Não existem palavras capazes de acalmar o coração de quem se afoga em um mar de tristezas inexplicáveis. Os círculos giram na água, o choro ecoa para quem quiser ouvir… Nunca mais estaremos aqui e, ainda assim, nunca acabaremos as obras que começamos. A despeito dos corvos que meus olhos comerão, guardo meus dentes embaixo da cama, ao lado das lembranças daqueles que amei. Das dores que colecionei. Dos vícios que não abandonei. Despeço-me como o gato que não calcula a distância entre os muros ou distância até o túmulo. Sem entender muito sobre a morte, mas entendendo demais sobre morrer, deixo um rastro negro de poeira e poesia para minha alma procurar, mesmo sabendo que nunca, nunca mais voltaremos a nos encontrar.
Viva – Mariana Rio
Arte por Marina Franconeti, edição de Denis Pinheiro
Está quente. O silêncio é ensurdecedor. Pouco a pouco o ar vai se acabando. Estou sufocada! Essa certamente é a pior experiência que já tive. No começo estava desesperada, mas ao longo do tempo todo sentimento de raiva diluiu, agora só sinto melancolia .Quem poderia imaginar que a mais bela moça da cidade teria tão cruel destino. Só queria que alguém ouvisse minhas palavras antes que meus pensamentos se confundam entre si. Choro! Mas imediatamente paro, lágrimas não abrem caixões – eu penso. Agora não penso mais nada…é meu fim, meu triste fim chegou.
Corvo – Yoman Malaquias
Arte por Marina Franconeti, edição de Denis Pinheiro
Pelo fúnebre âmago e mortiço, exalo pela língua bifurcada de um enfermo, resmungos amargos de um moribundo idiota… Apenas flagelos de uma mente turva de angústia e um olhar agourento, desprovido do alento que se diluiu em desalento, gotas mornas transbordam os umbrais de minhas janelas… deixando minha pálpebras orvalhadas, apenas um momento, mórbido e melancólico… o que foi embora… e o olhar nefasto do corvo, tão sagaz e lúgubre, já me espreita sem demora, na ânsia de me libertar e no pesar me devora.
As sombras de corvos assombram – Amanda Leonardi
Arte por Denis Pinheiro
Minha mente é como a Casa de Usher,
repleta de fantasmas e sombras sepulcrais,
incompleta, a depedaçar-se
em lagos inundados de Nunca Mais,
a afogar-se em reflexos de quem fui,
reflexos desconexos, sem olhos nem sorrisos,
nem rimas ancestrais;
Doentemente, minha mente persegue
aves agourentas que bebem o céu soturno
a atravessar noites ébrias,
mas ébrias apenas de melancolia
onde vinho nem poesia já não se bebia nunca, Nunca Mais.
O canto do pássaro negro – Luis C. S. Batista
Arte por Denis Pinheiro
Aquele ávido estirão
Para a coerção de que em um único ato
Converter-me-ia naquele
Cujo feito tornar-se-ia venerado por deuses e mortais.
Emoções sazonais
Avinharam-me a acuidade passional e aspirações pela glória.
Ébrio, andejei pelas sonatas tenebrosas de outrora.
E no romper da aurora,
Ressurgi com uma figura venusta e eremítica.
Minha aparência é sombria,
Todavia, minha alegria resplandece como o fulgor
Da pouco antes alvorada
E enobrece o meu adejo aos astros,
Dispondo o meu rastro
Em vívidos dilúvios de condolência e poesia.
E, pousarei nos vales do amanhã,
Onde a façanha
De conservar o status quo não estarrece ou incita.
Degrada(somos) – Laís Fernandes
Arte por Denis Pinheiro
Estou partido, meu velho amigo
E partindo, para sempre, estou
O chão que range neste hostil abrigo
É tudo o que me restou
As horas esvoaçam como meus cabelos
Fissuras abrem sem nelas tocar
Ah! Se de mim tirassem estes desmazelos!
Juraria pelos céus nunca mais chorar
Murmuram, funestas, paredes e portas
A poeira engole nossos corações
Se Ele escreve certo por linhas tortas
Aguardo, enfermo, vossas orações
Amada minha, sangue de meu sangue
Foi-se embora sem se despedir
Se de loucura ouço teu compasso exangue,
Penso: de teu ataúde ainda irás sair
E logo vens, cambaleante e vil
Irmã de prosas e desesperos mil!
Desmoronamos no viés da memória
O rio traga nosso peito em glória:
Paira no ar o silêncio senil.
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