As nuvens são a maior representação do efêmero. Se você tem a sorte de olhar para o céu e ver uma imagem definida em uma delas, em pouco tempo a figura se esvai formando outra. Uma verdadeira galeria a céu aberto, se você contemplá-la com atenção. Quando criança parece que há toda uma aura em torno dos desenhos de nuvens. Depois nos tornamos adultos e esquecemos que já vimos dinossauros, animais, monstros, flores no contorno almofadado de uma nuvem.
O filme O Fabuloso destino de Amélie Poulain é um dos filmes que recupera esse fascínio pelas formas aleatórias das nuvens. A personagem nos incita a ver o que a maioria já quis fazer: fotografar e registrar aquele momento único em que, aos seus olhos, uma forma acaba de surgir no céu. A nuvem tem um tom de urgência. Chamar alguém que esteja por perto a fim de fazer o mesmo e olhar para o céu pode ser arriscado. Não necessariamente a pessoa verá a mesma forma que você. A nuvem é subjetiva.
O artista Berndnaut Smilde, na exposição de 2013 The Uncanny (O Estranho) na galeria Ronchini, em Londres, conseguiu o impossível: por meio de uma máquina que produz névoa, o artista transfere a tão distante nuvem para uma sala, podendo ser fotografada pelo visitante. Nunca o efêmero esteve tão próximo. E sua presença, tão controlada. Assim, ele recupera a beleza da nuvem e a faz mais próxima, focando sua vulnerabilidade, sobre a qual não costumamos pensar.
É possível também considerarmos a perspectiva do poema Nuvens, de Álvaro de Campos (leia aqui na íntegra). Em nenhum verso ele enfatiza que trata de nuvens, somente no título. Mas você as sente permeando o poema. Veja só:
“Outros viajam (também viajei), outros estão ao sol
(Também estive ao sol, ou supus que estive).
Todos têm razão, ou vida, ou ignorância simétrica,
Vaidade, alegria e sociabilidade,
E emigram para voltar, ou para não voltar,
Em navios que os transportam simplesmente”.
A angústia que conhecemos nos poemas de Álvaro de Campos diante da frieza cotidiana, o sentimento de que nada mais surpreende, pode ser sentida nesses versos. As ocupações enclausuram os homens. Bom, e claro, podemos dizer que a grande soma de prédios nos impede de ver qualquer outra realidade além de concreto. As pessoas se encontram e se desencontram com muita facilidade, a viagem tornou-se simples de ser feita. A razão vem como um senhor que comanda cada passo e a vaidade, por vezes, isola-nos mais da vida que pulsa.
“Não sentem o que há de morte em toda a partida,
De mistério em toda a chegada,
De horrível em iodo o novo…”
A nuvem não deixa de ser morte. E ainda ilusória. Ela carrega o mistério do porvir. Mas mesmo com todas essas definições, poderíamos ainda ousar dizer que, poeticamente, a nuvem é o nada. A matéria-prima dela é justamente a sua mutabilidade. E quem faz a nuvem? Nossos olhos, quando insistem em ver imagens com as quais convivemos na nossa realidade ou com as quais imaginamos.
E nada melhor que a fotografia, que sempre eterniza o efêmero, para nos apresentar o registro de nuvens que provavelmente nunca veremos no caminho de casa para o trabalho. As formas são alucinantes, as cores surpreendem. Nem parecem existir. Mas é novamente a surpresa que a nuvem prepara aos nossos olhos. Confira as fotos abaixo:
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Publicado no Literatortura 28/07/2013