Autora: Lydia Davis
Editora: José Olympio, 2016
Tradução: Julián Fucks
Páginas: 210
A narrativa de O Fim da História é, desde a primeira linha até a última, a celebração de uma trágica poética sobre o fim de um amor. O outro, a pessoa a quem direcionamos nosso sentimento, é tratado como uma espécie de transcendência viva, no sentido mais belo do termo – talvez seguindo os rumos de Platão ao afirmar que o amor é “ver além” – dando para cada pequeno e singelo gesto uma poesia de existência: a existência do outro. O amor é, então, uma matéria de quem ama: matéria contada.
O Fim da História, de Lydia Davis, é o relato de uma mulher sobre o fim de sua relação amorosa. Montado aos fragmentos, a narrativa, passo a passo, busca recompor a memória do relacionamento em todas as suas minúcias de tempo, lugar e sensação. Uma zona nebulosa do amor, entre o que sentimos, vivemos – ou sentimos ao viver – e passamos a sentir após ter vivido – é especulado em cada toque, gesto, telefonema, carinho, desprezo, sonho. A personagem feminina relata o primeiro momento da relação, momento que ela elege como primeiro, e vai esmiuçando uma espécie de “narrativa amorosa” que vai se dissolvendo até seu último instante, como um ponto qualquer, inexistente, escolhido por ela para o fim.
Sempre em direção, atenta a um toque, uma ligação ou simplesmente uma presença, Lydia ultrapassa a ideia da “presença” ou e “proximidade”, para engendrar uma ideia de materialidade do amor. Uma matéria amorosa que cria um laço entre duas pessoas que só pode ser encerrado de uma forma: com o fim de uma narrativa. O amor, no fundo, é sua história. E sua sobrevivência só se dá no ato de contar.
Olhar aquela noite em perspectiva era quase melhor do que vivê-la pela primeira vez, porque o tempo não passava rápido demais e fugia ao controle, eu não precisava me preocupar com o papel e não me deixava distrair pelas dúvidas, porque sabia o que aconteceria no fim das contas. Revivi aquilo tantas noites que tudo deve ter acontecido apenas para que eu pudesse reviver depois.
O que fica de mais belo na obra está no fato de que, para Lydia, o mais importante é que o fim de uma história de amor não acabar com o fim do amor, nem com o fim do relacionamento, mas quando, das profundezas de todo cotidiano, se encerra a história. O fim se dá quando não se pode, não se quer, ou simplesmente não se tem mais o que narrar. O fim do amor é o fim da última palavra, desnecessária, que deixa a mesma boca dos beijos de outrora sem as palavras que dão sentido e encantamento a tudo. O fim é, no fim, um esmaecimento do verbo do outro em nossa boca. Amor não acaba, nunca, acaba a história. Toda fim de amor é um apocalipse.
Tenho imagens dele na minha memória, fragmentos de coisas que disse, e impressões, algumas contraditórias, talvez porque ele era inconsistente, talvez por causa do meu próprio humor de agora: se estou brava, ele parece superficial, cruel e arrogante; se estou mais gentil e terna, me parece confiável, honesto e sensível. O centro está faltando, o original sumiu, tudo o que tento formar em volta desse centro pode não se parecer muito com o original.
O Fim da História é de um dos melhores livros lançados em 2016, em edição da José Olympio, e merecido vencedor do Man Booker Internacional Prize em 2013. Vale muito a pena a leitura!
Foto de capa: Blog Desbravador de Mundos