Eu babo enquanto durmo.
Acabei de acordar no ônibus com um fio que nem de prateado posso chamar, pra não ofender a vã poesia, saindo da boca e escorrendo, viscoso, pra mochila no meu colo. Olhei pra frente, pra ter certeza de que não havia público pra essa minha calamidade pessoal, e duas pessoas estavam descendo na porta do meio do ônibus. Os suspeitos são uma mulher e um velho. A acusação: me ver babando de cabeça encostada no vitrô com cara de letárgico.
Eu sei, isso pode não ter nada a ver com você, à primeira lida, mas fica tranquilo que é mais de seu interesse do que meu. Inclusive, só existe o relato para que seja enaltecido o seu leitor. O velho e a mulher, se é que me viram disfarçadamente, provam isso. Hoje, contarão aos amigos o vexame do cara que dormiu babando no ônibus, uma criatura a se dar risada, um projeto de gente sem postura nem garbor. E eis que entram as vantagens do leitor, que compartilhará da glória antes privada ao senhor e à moça: contará aos amigos, aos pais, familiares e até mesmo ao cão que também saliva enquanto dorme que um cara na internet, talvez próximo ou mesmo que distante, babava dentro do ônibus. E se lembrará de todas as vezes em que acordou inteiro, de roupa lisinha, cheiroso e seco de uma soneca no ônibus.
Viu, será campeão ou campeã por mais um dia, e pelos desgostos completamente irrelevantes de mais uma pessoa. Já que não posso ser vencedor, que pelos menos todos ganhem com essa derrota em pleno fim de tarde em transporte público.
Já dizia minha vó: todos semideuses sao atestados pelas verdades que só travesseiros confirmam. Ou algo assim.