No outono de 1969, o jornalista britânico James Mossman enviou 58 perguntas sobre literatura e vida para o célebre autor Vladimir Nabokov – amante das borboletas e mestre de melancolia – para um episódio da BBC -2. Nabokov acabou respondendo 40 das perguntas que se tornaram parte de uma entrevista publicada na edição de 1973 da revista Strong Opinion, com as melhores entrevistas, artigos e editoriais a respeito de Nabokov. Algumas dessas conversas estão preservadas em um áudio e as melhores partes estão transcritas abaixo.
O NotaTerapia foi em busca do áudio e quem quiser conferir, basta clicar no player abaixo.
JAMES MOSSMAN: Escrever seus romances é um prazer ou um trabalho?
VLADIMIR NABOKOV: Prazer e agonia enquanto componho o livro em minha cabeça. Grande irritação enquanto luto com minhas ferramentas e vísceras – o lápis que precisa ser reapontado, o cartão que precisa ser reescrito, a bexiga que precisa ser esvaziada, a palavra que eu sempre vou escrever errado e preciso conferir. Depois o trabalho de ler o trabalho já transcrito por uma secretária, a correção dos meus maiores erros e até dos menores, transferindo as correções para as outras cópias; perder o lugar de cada página, tentando lembrar alguma coisa que deveria ter sido retirada ou acrescentada. Repetir o mesmo processo durante a revisão. Abrir a radiante, bela e robusta cópia pronta, abri-la e descobrir um estúpido exagero cometido por mim, mas me permitir sobreviver a isso. Depois de alguns meses mais ou menos, pegar o livro no seu estágio final e ver que ele finalmente foi “desmamado” de mim. Eu agora considero isso com um pouco de efusiva ternura, assim como um homem vê não o seu filho, mas a jovem esposa de seu filho.
JAMES MOSSMAN: O aristocrata em você despreza os ficcionistas, ou tão somente os aristocratas ingleses que se sentem enojados com os homens das letras?
VLADIMIR NABOKOV: Pushkin, poeta profissional e nobre russo, costumava chocar o “beau monde” declarando que escrevia para seu próprio prazer e publicava para ganhar dinheiro. Comigo é da mesma forma, mas eu nunca choquei ninguém – com exceção, talvez, de um ex-editor meu que, para conter meus pedidos extravagantes, disse que eu era bom escritor demais para precisar de qualquer extravagância.
JAMES MOSSMAN: Você diz que não está interessado no que a crítica diz, no entanto você ficou muito irritado com Edmund Wilson uma vez por conta de um comentário e botou pra fora uma série de críticas pesadas sobre ele, pra não dizer explosivas. Você deve ter se importado.
VLADIMIR NABOKOV: Eu nunca fiz qualquer tipo de retaliação quando meus trabalhos artísticos estiveram em pauta. O que os ataques das críticas adversas não podem arranhar, muito menos perfurar, é o que os que me atacam chamam de meu “escudo de segurança”. Porém, eu realmente uso meu dicionário mais pesado quando minha bagagem de leitura é questionada, como foi o caso com meu amigo de longa data Edmund Wilson. O mesmo acontece quando eu fico incomodado quando pessoas que nunca conheci atacam minha privacidade com suposições baixas – como por exemplo Mr. Updike, que em um artigo sugeriu absurdamente que minha personagem ficcional pervertida e mal intencionada Ada, é, eu cito, “em uma dimensão ou duas, a esposa de Nobokov”. Eu preciso acrescentar que eu coleciono matérias – para meio de informação e entretenimento.
JAMES MOSSMAN: Você já experienciou alucinações ou ouviu vozes, teve visões, e caso sim, foram elas iluminações?
VLADIMIR NABOKOV: Quando estou prestes a cair no sono depois de uma boa dose de escrita ou leitura, eu muitas vezes desfruto, se essa é a palavra certa, o que alguns viciados em drogas experienciam – uma série contínua e fluida de imagens extremamente brilhantes. Elas são diferentes todas as noites, mas em algumas elas permanecem as mesmas: uma noite pode ser um caleidoscópio banal de projetos – uma janela manchada com imagens se recombinando infinitamente; na próxima, um rosto sub-humano ou sobre-humano com um olho azul crescente; ou – e este é o tipo mas marcante – Vejo de maneira realista um amigo morto há muito tempo se voltando pra mim e se desfazendo contra o veludo negro em alguma outra figura do lado de dentro das minhas pálpebras. Ou também quando, as vezes, como que descrevi em “Speak, Memory”, ouço trechos de falas ao telefone que prosseguem vibrando no meu ouvido. Já foi reportado que esses fenômenos enigmáticos foram encontrados em histórias coletadas por psiquiatras, mas nenhuma resposta satisfatória até hoje chegou até mim. Freudianos, fiquem longe, por favor!
Em 23 de outubro do mesmo ano, The Listener adaptou a entrevista em um artigo chamado “To Be Kind, To Be Proud, To be Fearless: Vladimir Nabokov in conversation with James Mossman”. Trata-se da versão que aparece em Strong Opinions. O título foi baseado na pergunta final de Mossman feita para Nobokov, não incluída no áudio:
JAMES MOSSMAN: Qual a pior coisa que os homens fazem?
VLADIMIR NABOKOV: Feder, enganar e torturar.
JAMES MOSSMAN: E qual a melhor?
VLADIMIR NABOKOV: Ser gentil, se orgulhar e não ter medo.
Fonte: https://www.brainpickings.org/2013/01/18/vladimir-nabokov-james-mossman-interview/
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