O Senhor Walser (2006) faz parte da série do autor chamada O Bairro que contém diversos pequenos livretos com nomes de escritores/artistas da nossa tradição. O que Gonçalo faz é pegar esses grandes nomes das artes e colocar habitando e dividindo o mesmo espaço urbano, um lugar onde todos possam conviver pacificamente com suas ideias, compartilhando não só pensamentos, mas também casas, corpos, convivência. O interessante da série é que o bairro se torna o lugar de uma hospitalidade incondicional, ou seja, espaço de todos e para todos e onde, anacronicamente, todos os que não puderam conviver em vida, convivem agora na fabulação do autor.
O Senhor Walser, por sua vez, é baseado no escritor de, por exemplo, Branca de Neve e Bela Adormecida e é o que mora mais distante do bairro. Está lá no mapa desenhado pelo autor em um canto isolado, numa pequena casa fora dos prédios da zona populosa. O começo do livro representa isso: a felicidade de Walser por ter terminado sua casa e agora poder viver aquilo que mais queria, ou seja, receber os amigos em casa, debater ideias, conversar. Leia mais AQUI!
O NotaTerapia selecionou as melhores frases da obra:
A casa não era para Walser um lugar que a humanidade conquistara ali à floresta, ao espaço que as coisas não humanas pareciam ter determinado como seu – era ainda uma paisagem ideal para começar a falar com outros homens.
Walser conhecia, embora não profundamente, os homens – o bastante para não ter ilusões exageradas. Por isso comprara já o seu machado, de dimensões significativas, bem guardado é certo (quase escondido) num dos compartimentos da casa de mais fácil difícil acesso, pois tal objeto era para Walser uma quase indesculpável infiltração de agressividade num espaço – o seu – que fora construído para atrair o oposto: a cordialidade.
Quando fechava a porta atrás de si, Walser sentia virar as costas à inumada bestialidade (…) e entrar em cheio nos efeitos que essa ruptura entre a humanidade e a restante natureza provocara: uma casa no meio da floresta, eis uma conquista da racionalidade absoluta.
Como percebia então que todo o seu percurso de homem feito nada lhe trouxera de juízo contido; exagerara, sim, mas que podia fazer: estava a começar a vida, não a terminá-la.
Walser, aceitando o funcionamento do mundo, observava, sem qualquer objeção, a sua colocação nas traseiras cegas de sua casa nova.
A juventude de uma coisa é definida por uma distância razoável em relação à sua morte.
Edição: Casa da Palavra, 2008