Um rapaz japonês de família samurai com uma obra entre romances, contos, peças e filmes, que se torna, aos poucos, uma celebridade nacional. Esse é Yukio Mishima, o mais reconhecido escritor japonês do pós-guerra. Mishima denunciava fortemente a invasão da cultura americana dentro do Japão e apresentava, para isso, uma concepção de corpo bastante progressista, compondo uma revolução do corpo no cultivo incessante de uma imagem atlética e viril de si. A partir daquilo que ele próprio chama de “máscaras”, consegue burlar a composição de rapaz tímido e mirrado e, contra essa violência da natureza, propõe uma arte que não é pensada apenas como obra, mas com um todo – corpo, história e vida. Leia mais aqui!
O NotaTerapia, apaixonado pelos seus livros, resolveu listas melhores frases de Confissões de uma Máscara. Confira:
Tendo resolvido que renunciaria ao amor, afastei de minha mente todo pensamento posterior relativo a ele. A conclusão foi apressada, com falhas de percepção. Eu estava deixando de levar em conta uma das mais claras evidências que existem no amor sexual – o fenômeno da ereção. (p. 59)
(…) pela primeira vez na vida entreguei-me a meu “mau hábito” [masturbação] ao ar livre, ali sob o céu azul. Meu corpo sacudiu-se com uma dor estranha. Eu estava em chamas com uma solidão tão ígnea quanto a do sol. Meu calção de banho, feito de lã azul-marinha, estava desagradavelmente colado ao meu estômago. (…) Ajoelhei-me na água e rendi-me a uma onda que quebrou nesse momento e precipitou-se na minha direção com estrépito violento. Atingiu-me no peito, quase me enterrando na sua crista triturante…
Quando a onda recuou, minha corrupção fora arrasada com ela. Junto com a onda em retirada, junto com os incontáveis organismos vivos contidos nela – micróbios, sementes de plantas marinhas, ovos de peixes –, minhas miríades de espermatozoides foram pelo mar espumante levadas em bora. (p. 65)
Estava sentindo a urgência de começar a viver. Começar a viver minha verdadeira vida? Mesmo se fosse para ser pura máscara e não a minha vida absolutamente, ainda assim chegara o tempo em que eu devia dar a partida, devia arrastar meus pesados pés para a frente. (p. 73)
Minha inquietação era a mesma de que fala Stephan Zweig quando diz que “aquilo a que chamamos mal é a instabilidade inerente a toda humanidade, de conduz o homem para fora e para além de si mesmo, rumo a alguma coisa insondável, exatamente como se a natureza tivesse legado à nossa alma uma dose inextirpável de instabilidade da provisão do caos antigo.” (…) Assim, foi essa mesma instabilidade que me guiou, enquanto os outros meninos, não tendo necessidade de autoconsciência, podiam renunciar à introspecção. (p. 77)
Pra falar de outra maneira, estou me tornando o tipo de pessoa que não pode acreditar em coisa alguma exceto na simulação. Mas se isso é verdade, então querer considerar a atração de Sonoko por mim como total simulação pode não sermais que uma máscara para esconder meu verdadeiro desejo de me acreditar genuinamente apaixonado por ela. Assim, talvez eu esteja me tornando o tipo de pessoa que é incapaz de agir contra à própria natureza, e talvez eu realmente a ame… (p. 111)
Sobre um ataque aéreo:
Apesar dessa cena, alguma coisa se acendeu em mim. Fui encorajado e fortalecido por aquele desfile de miséria ante meus olhos. Estava experimentando a mesma excitação de uma revolução. No incêndio, aqueles infelizes haviam testemunhado a destruição total de toda evidência de que existiam como seres humanos. Tinham visto com os próprios olhos as relações pessoais, amores e ódios, razão, propriedade, ir-se tudo em chamas. E no momento não fora contra as chamas que haviam lutado, mas contra as relações pessoais, contra amores e ódios, contra a razão e contra a propriedade (…) Um homem que tentava salvar sua namorada morreu não pelas chamas, mas pela namorada; e não foi diferente com a criança que assassinou a própria mãe quando esta tentou salva-la. A situação que haviam enfrentado e contra a qual haviam lutado aqui – a de uma vida por uma vida – talvez fosse a mais universal e elementar com que a humanidade jamais deparou. (p. 116)
Por que as coisas eram tão erradas assim? As perguntas que eu me fazia desde menino um sem-número de vezes subiram novamente a meus lábios. “Por que todos nós somos oprimidos pelo dever de destruir tudo, mudar tudo, confiar tudo à impermanência? É a esse dever desagradável que o mundo chama vida? Ou sou eu o único para quem isso é um dever?” (p. 119)
Chegando à casa no subúrbio naquela noite, contemplei o suicídio com seriedade pela primeira vez na vida. Mas enquanto pensava nisso a ideia se tornou excessivamente cansativa, e afinal decidi que seria um negócio burlesco. Eu tinha uma aversão inerente por admitir derrota. “Além disso”, disse a mim mesmo, “não há nenhuma necessidade de eu tomar essa atitude decisiva por mim mesmo, não quando estou rodeado por uma safra tão abundante de tantos tipos de morte – morte em ataque aéreo, morte num post de dever, morte em serviço militar, morte em campo de batalha, morte sendo atropelado, morte por doença. Certamente meu nome já foi incluído na lista para uma delas: um criminoso condenado à morte não comete suicídio. (p. 148)
Edição: Círculo do Livro, sem data.