Os 10 melhores poemas de Mário Quintana

Mário Quintana (1906-1994) foi um dos mais importantes poetas brasileiros do século XX. Nasceu em Alegrete, no interior do Rio Grande do Sul, em 30 de julho de 1906. inda jovem, demonstrou grande afinidade com a literatura e começou a publicar seus primeiros textos na adolescência. Trabalhou como tradutor, jornalista e crítico literário, tendo traduzido importantes obras da literatura mundial para o português, como livros de Marcel Proust e Virginia Woolf.

Quintana ficou conhecido por uma poesia marcada pela simplicidade aparente. Seus versos abordam temas cotidianos com leveza e lirismo, tratando de assuntos como o tempo, a infância, o amor, a solidão e a morte com um olhar sensível e, muitas vezes, bem-humorado.

Entre suas obras mais conhecidas estão A Rua dos Cataventos (1940), Canções (1946), Sapato Florido (1948) e Esconderijos do Tempo (1980). Apesar de nunca ter integrado oficialmente as fileiras do modernismo, sua poesia dialoga com muitas das questões formais e temáticas desse movimento.

Poeminha do Contra

Todos esses que aí estão
Atravancando meu caminho,
Eles passarão…
Eu passarinho!

Seiscentos e sessenta e seis

A vida é uns deveres que nós trouxemos para fazer em casa.

Quando se vê, já são 6 horas: há tempo…
Quando se vê, já é 6ª-feira…
Quando se vê, passaram 60 anos!
Agora, é tarde demais para ser reprovado…
E se me dessem – um dia – uma outra oportunidade,
eu nem olhava o relógio
seguia sempre em frente…

E iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas.
do livro “Esconderijos do tempo”, 1980

Nos salões do sonho

Mas vocês não repararam, não?!
Nos salões do sonho nunca há espelhos…
Por quê?
Será porque somos tão nós mesmos
Que dispensamos o vão testemunho dos reflexos?
Ou, então
– e aqui começa um arrepio –
Seremos acaso tão outros?
Tão outros mesmos que não suportaríamos a visão daquilo,
Daquela coisa que nos estivesse olhando fixamente do outro lado,
Se espelhos houvesse!
Ninguém pode saber… Só o diria
Mas nada diz,
Por motivos que só ele conhece,
O misterioso Cenarista dos Sonhos!
do livro “Velório sem defunto”, 1990.

Leia também: Poema inédito de Mario Quintana é encontrado em manuscrito. Leia aqui!

Poeminha sentimental

O meu amor, o meu amor, Maria
É como um fio telegráfico da estrada
Aonde vêm pousar as andorinhas…
De vez em quando chega uma
E canta
(Não sei se as andorinhas cantam, mas vá lá!)
Canta e vai-se embora
Outra, nem isso,
Mal chega, vai-se embora.
A última que passou
Limitou-se a fazer cocô
No meu pobre fio de vida!
No entanto, Maria, o meu amor é sempre o mesmo:
As andorinhas é que mudam.
do livro “Preparativos de viagem”, 1987.

Eu escrevi um poema triste

Eu escrevi um poema triste
E belo, apenas da sua tristeza.
Não vem de ti essa tristeza
Mas das mudanças do Tempo,
Que ora nos traz esperanças
Ora nos dá incerteza…
Nem importa, ao velho Tempo,
Que sejas fiel ou infiel…
Eu fico, junto à correnteza,
Olhando as horas tão breves…
E das cartas que me escreves
Faço barcos de papel!
do livro “A Cor do invisível”, 1989.

A Rua dos Cataventos

Da vez primeira em que me assassinaram,
Perdi um jeito de sorrir que eu tinha.
Depois, a cada vez que me mataram,
Foram levando qualquer coisa minha.

Hoje, dos meus cadáveres eu sou
O mais desnudo, o que não tem mais nada.
Arde um toco de Vela amarelada,
Como único bem que me ficou.

Vinde! Corvos, chacais, ladrões de estrada!
Pois dessa mão avaramente adunca
Não haverão de arrancar a luz sagrada!

Aves da noite! Asas do horror! Voejai!
Que a luz trêmula e triste como um ai,
A luz de um morto não se apaga nunca

Relógio

O mais feroz dos animais domésticos
é o relógio de parede:
conheço um que já devorou
três gerações da minha família.

Bilhete

Se tu me amas, ama-me baixinho
Não o grites de cima dos telhados
Deixa em paz os passarinhos
Deixa em paz a mim!
Se me queres,
enfim,
tem de ser bem devagarinho, Amada,
Que a vida é breve, e o amor mais breve ainda…

Confissão

Que esta minha paz e este meu amado silêncio
Não iludam a ninguém
Não é a paz de uma cidade bombardeada e deserta
Nem tampouco a paz compulsória dos cemitérios
Acho-me relativamente feliz
Porque nada de exterior me acontece…
Mas,
Em mim, na minha alma,
Pressinto que vou ter um terremoto!
do livro “Velório sem defunto”, 1990.

Gramática da Felicidade

Vivemos conjugando o tempo passado (saudade, para os românticos)
e o tempo futuro (esperança para os idealistas). Uma gangorra,
como vês, cheia de altos e baixos — uma gangorra emocional.
Isso acaba fundindo a cuca de poetas e sábios e maluquecendo de
vez o homo sapiens. Mais felizes os animais, que, na sua gramática
imediata, apenas lhes sobra um tempo: o presente do indicativo.
E nem dá tempo para suspiros…
do livro “A vaca e o hipogrifo”, 1977.

Fonte

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