(Essa análise contém spoilers de Gladiador II. Também contém um número absurdo de referências a frases e falas do primeiro Gladiador. Estejam avisados)
Havia um sonho que era Roma, e Marcus Aurelius temia que ele não fosse sobreviver ao inverno. Você só podia sussurrá-lo; qualquer coisa além disso e ele desapareceria, de tão frágil.
Assim estavam as expectativas por uma boa continuação de Gladiador.
Há filmes que vêm ao mundo com o peso de uma história tão bem contada que seu simples anúncio já carrega expectativas titânicas. “Gladiador II” não é apenas a sequência de um filme premiado e amado, considerado um dos melhores da história por vários críticos; é a tentativa de continuar uma história perfeita em sua conclusão. Infelizmente, esse segundo capítulo não apenas falha em capturar a grandiosidade de seu antecessor, mas se perde em uma trama que se debate entre ser homenagem e produto moderno de entretenimento que não apenas não consegue se comparar ao original, mas que efetivamente o contradiz.
Em 2000, Ridley Scott entregou ao mundo uma obra-prima do cinema épico: “Gladiador”. Uma história de vingança, honra e sacrifício, com performances inesquecíveis de Russell Crowe como Maximus Decimus Meridius e Joaquin Phoenix como o imperador Commodus em seu primeiro grande papel, além de Connie Nielsen como Lucila e Richard Harris como Marcus Aurelius, ambos fenomenais como elenco de apoio. O filme não apenas revitalizou o gênero épico, mas o fez com uma intensidade emocional que transcendeu a tela. Com “Gladiador II”, esperava-se, no mínimo, um retorno ao universo de complexidade e poder narrativo que Davi Franzoni e John Logan ajudaram a criar. Mas o que recebemos foi algo que falha em replicar, inovar ou mesmo respeitar a essência do original. Um erro, enfim, épico.
Do que trata Gladiador II?
O filme é centrado em Hanno – que é, na verdade, Lucius Verus, o filho de Lucilla, que era uma criança obcecada por seu gladiador favorito, Maximus, e o motivo pelo qual a filha de Marco Aurélio se envolve na conspiração contra seu irmão Commodus no filme original. Agora adulto, ele vive na África com sua mulher, ambos guerreiros em uma comunidade que, já na primeira cena, é atacada pelos romanos, que buscam conquistá-la. “Hanno” (Lucius) luta contra o exército de sua nação natal – liderado pelo general Acacius, que descobrimos mais tarde ser o atual marido de Lucila e, portanto, padrasto de Lucius – e perde. Sua esposa é morta, e ele é escravizado.
A cena, que começa com um discurso de Lucius, busca emular a primeira cena de Gladiador, uma batalha em terras estrangeiras com um discurso inspirador do protagonista – exceto que o de Maximus é de fato inteligente e bem-humorado, enquanto o de Lucius é… fraco (e um tanto absurdo, já que seu encorajamento para os soldados se resume, basicamente, a afirmar que ninguém vai morrer, o que é, obviamente, uma tolice, e contrasta significativamente com o discurso original de Maximus, em que ele não apenas explicita a imensa possibilidade de morte, como faz piada com ela, colocando-a como algo bom).
Chegando a Roma, Lucius é vendido para um rico e aparentemente poderoso dono de gladiadores chamado Macrinus. Hanno a princípio se recusa a lutar durante a triagem – exatamente como Maximus no primeiro filme, embora Maximus fique firme em sua decisão, enquanto a recusa de Lucius dura aproximadamente 30 segundos. Mais tarde, ele é colocado para lutar em uma arena em Ostia, onde mata brutalmente um babuíno, impressionando seu mestre – mais uma vez, exatamente como Maximus no primeiro filme, que impressiona seu dono após sua primeira luta e é chamado para conversar com ele em privado. Macrinus incita a raiva de Lucius contra os romanos e promete a ele a oportunidade de matar Acacius se ele o servir bem, e o leva para Roma para lutar no Coliseu.
Em teoria, Lucius se voltou contra Roma por ser mandado embora por sua mãe quando criança, logo após as mortes de Commodus e Maximus no Coliseu. A premissa de maneira geral já é fraca, mas se torna ainda pior dado que nada é acrescentado a isso – nenhuma explicação, nada que indique minimamente qualquer lógica por trás da narrativa. Por que Lucila mandou seu filho embora? A explicação que ela dá – “ele é agora o herdeiro do trono” – é extremamente vaga, e não se segura considerando os eventos do filme anterior, que em teoria tinha acontecido cinco minutos antes de ela tomar essa decisão – a entrega de Roma ao Senado, visando a restauração da República, e que Lucila tinha acabado de assegurar Maximus de que Lucius estava são e salvo.
Mas com alguma ginástica mental, isso ainda se justifica. O que não é explicável, porém, é que Lucila simplesmente manda o filho embora – para onde? Não sabemos – e nunca mais o procura. Ou, se procura, não é mencionado – e, considerando que ela passa boa parte de suas cenas com Lucius pedindo desculpas por abandoná-lo, e que Lucius tem imensa raiva não apenas dela, mas de Roma como um todo, isso é no mínimo pouco provável. Mais ainda, a situação toda é tornada mais estranha por uma cena acrescentada no início do filme que mostra o jovem Lucius vivendo em uma casa com uma mulher. Um grupo de homens a cavalo se aproxima, e a mulher dá um beijo na testa do menino e diz que ele precisa seguir sozinho agora – e, assim, Lucius foge. Não são explicados quem são esses homens, quem é a mulher, onde está Lucius, de quem ele está se escondendo. De pessoas que vêm matá-lo? Da própria Lucila? O filme confia que a audiência tem uma bola de cristal e vai descobrir isso sozinha.
O que acontece, enfim, é que Lucila vê o filho na arena – onde, por sinal, Lúcio imediatamente adquire premência entre os outros gladiadores e se torna seu líder, como Maximus, embora, diferente do filme original, em que isso se justifica não apenas pelo fato de Maximus ser um general famoso e conhecido entre quase todos eles, como também pela explicitação de que alguns dos homens na arena já tinham servido sob o comando dele, justificando sua autoridade, não haja explicação nenhuma sobre o motivo pelo qual esses gladiadores estão dispostos a seguir ordens de um total desconhecido que não tem nenhum posto de autoridade particular – e o reconhece. Em outra cena tirada diretamente do filme original, Lucila visita o Lucius acorrentado na prisão e tenta se aproximar dele, mas ele continua distante e raivoso. Nessa cena, Lucila faz uma revelação que pauta o resto do filme, e que discutiremos mais tarde.
Aqui as coisas começam a entrar no território do absurdo. Durante seu tempo como gladiador, Lucius conheceu Ravi – o personagem sábio e exótico que cumpre exatamente o mesmo papel que o africano Juba tinha no filme original -, um ex-gladiador que ganhou sua liberdade e se tornou médico, tratando dos ferimentos dos escravos. Ravi apresenta para Lucius um tipo de altar em homenagem à Maximus, erigido clandestinamente pelos gladiadores no interior do Coliseu. Vamos falar sobre como isso não faz o menor sentido:
A justificativa de Ravi para a existência de tal altar é que “gladiadores rebeldes são enterrados por seus pares ali”, tentando implicar que Maximus era um tipo de figura odiada pelo estado que tinha sido enterrada clandestinamente como um símbolo de resistência.
É necessário lembrar que o primeiro filme acaba com o cadáver de Maximus sendo carregado com honras por todos os mais importantes membros do estado romano para ser enterrado honrosamente após um longo discurso sobre como ele era um herói nacional, enquanto o cadáver do próprio imperador ficava jogado no chão? Alguém por acaso se esqueceu de uma das imagens mais simbólicas e icônicas da obra de Ridley Scott, de uma das cenas mais famosas do filme inteiro? Ou a decisão de tornar o final inteiro do filme, além do lindo discurso de Lucila, literalmente inválidos foi uma ideia consciente?
Questões filosóficas à parte, essa autora tem dúvidas sinceras a respeito da logística desse altar. Ninguém percebeu uma parede inteira dedicada a um gladiador tido como “rebelde”, com direito à armadura completa e espada dele penduradas como decoração, além de seu nome e uma frase de efeito – a belíssima e icônica “O que fazemos na vida ecoa na eternidade” – gravados em pedra para completar, no interior do Coliseu? Num lugar que nem era de acesso particularmente difícil? Mais ainda, em que momento os outros gladiadores fizeram esse altar, incluindo esculpir texto na parede, considerando que o próprio filme mostra que a estadia deles no local estava limitada às suas celas?
Milagres da arquitetura romana.
Enfim. Depois de informar a audiência de que Maximus é o inimigo público número um agora (por algum motivo estranho e não definido), o filme nos leva de volta para Lucila e Acacius, que conspiram com outros, incluindo o senador Gracos – um fan service que não se paga, já que a relevância do personagem para a trama é exatamente zero – para libertar Lucius e restaurar a República, em cenas mais uma vez reminiscentes do plano de Lucila, igualmente falho, para libertar Maximus e restaurar a República no primeiro filme, também conspirando com Gracos. Macrinus, porém, fica sabendo da conspiração, e decide entregá-la para os imperadores Geta e Caracalla em troca de favor político.
Macrinus consegue fazer com que Acacius seja condenado a lutar até a morte no Coliseu, efetivamente entregando-o para Lucius, como tinha prometido. Lucius luta com ele, mas, no último instante, se recusa a executá-lo – uma desculpa para recriar, parte a parte, a cena em que Commodus manda que Maximus mate um homem na arena, mas ele não o faz – e, por isso, Acacius é morto por flechadas dos guardas imperiais.
Pouco depois, Macrinus revela para Lucilla, que também está presa, o verdadeiro motivo por trás de seus atos: ele foi escravo de Marcus Aurelius e agora quer vingança, que pretende atingir, se tornando chefe de estado ele próprio. Embora tudo isso seja falado muito de passagem, e não fiquemos sabendo de qualquer detalhe ou explicação a mais, essa talvez seja uma das coisas mais razoáveis do filme (o que não quer dizer muita coisa). Macrinus manipula Caracalla e o faz matar seu gêmeo Geta. Caracalla nomeia Macrinus cônsul e o leva a tomar decisões políticas arriscadas que, dando certo, beneficiarão o plano de vingança de Macrinus e, dando errado, lhe darão um motivo para convencer o senado a executar o imperador, abrindo caminho para sua ascensão política – ou seja, de qualquer jeito, ele ganha.
A decisão arriscada em questão é a de executar Lucila, também no Coliseu, em uma cena muito ao estilo Quo Vadis. A filha de Marcus Aurelius estava presa – apesar de, estranhamente, ter acesso à todas as suas roupas, joias, maquiagem e até a alguém para fazer penteados intrincados nela, além de andar livremente pelo palácio onde estava confinada – e lhe é dado o direito a ter um gladiador para defendê-la na arena: Lucius, é claro, que nesse momento já se reconciliou com ela e já aceitou o fato de ser príncipe de Roma. Lucius envia Ravi para pedir ajuda das legiões de Acácio estacionadas fora de Roma – mais uma cena tirada diretamente de Gladiador, quando Maximus pede a seu servo, Cícero, para reunir suas tropas estacionadas em Ostia -, usando um anel que lhe foi presenteado por sua mãe, e que antes tinha pertencido a Marcus Aurelius, Maximus e Acacius, como prova de sua legitimidade.
Logo depois, Lucila é mandada para o Coliseu, com os senadores que conspiraram com ela, com Lucius para defendê-la. Nesse meio tempo, Lucius convoca os outros gladiadores para se revoltarem contra seus mestres – embora, mais uma vez, com que legitimidade que faz com que todos o ouçam e obedeçam tão prontamente, não se saiba -, entregando mais um de seus discursos fracos, no qual usa uma frase de Maximus que não faz sentido nenhum que ele conheça, já que quando Maximus a usa no filme original, Lucius não está nem no mesmo país que ele, que dirá próximo o suficiente para ouvir, e depois repetindo mais uma vez sua máxima de que ninguém vai morrer (mais uma vez, ele está enganado).
Usando a armadura e a espada de Maximus, Lucius entra na arena com seus gladiadores e uma sangrenta batalha se inicia. Vários dos senadores, incluindo Gracos, são mortos – um fim pouquíssimo digno para um personagem que tinha um papel importante no primeiro filme, mas motivo nenhum para existir no segundo, e que poderia ter sido poupado dessa tolice. Macrinus, que está assistindo, mata Caracalla e, imediatamente depois, atira uma flecha certeira em Lucila, matando-a também – outro fim indigno para uma personagem que poderia ter passado sem ele.
Lucius persegue Macrinus, que foge de Roma. Os exércitos de Macrinus e Acacius se encontram fora da cidade, mas não se mexem para impedir o duelo que acontece entre Macrinus e Lucius, que lutam sozinhos, um a um, em uma luta que não faz muito sentido, acaba rápido, e é bastante sensacionalista. Lucius acaba matando Macrinus, e logo depois faz outro discurso, tão fraco e vago quanto os outros. O discurso em questão tem a clara intenção de ser uma versão do discurso final de Lucila no primeiro filme, mas enquanto o original foi conciso, bem feito e, na falta de uma palavra melhor, icônico, além de funcionar muito bem no contexto, o seu sucessor é esquecível e não tem grande significado ou substância.
O filme acaba com uma cena de Lucius no Coliseu durante a noite, exatamente igual à cena de Juba no fim do primeiro filme: ele se ajoelha no chão e pega um pouco das areias do Coliseu nas mãos antes de pedir a Maximus que fale com ele. No filme original, a cena de Juba é trágica e linda por fazer referência a um dos momentos mais emocionantes do filme, quando ele e Maximus discutem suas famílias mortas e a vida após a morte, e indica que Maximus cumpriu sua missão e agora descansa em paz. No atual, a cena significa… bem, nada. Nada além de uma óbvia referência ao primeiro filme.
Sombra e pó: Uma narrativa de fantasmas e réplicas vazias.
O maior problema de “Gladiador II” está em sua história, ou na ausência de uma que se sustente. O enredo foca em Lucius Verus, o jovem sobrinho de Commodus e filho de Lucila, agora adulto e em busca de um destino que se cruza com as sombras deixadas por Maximus. Essa premissa, à primeira vista, parece promissora: um jovem lidando com os fantasmas do passado, carregando o peso de escolhas que não foram suas. No entanto, em vez de explorar esses elementos com profundidade, o filme opta por seguir o caminho da obviedade, tentando reviver os momentos mais emblemáticos do primeiro filme sem a carga emocional que os fazia tão poderosos.
A narrativa é um espelho quebrado de “Gladiador”. Sequências que parecem ecoar o original – batalhas sangrentas na arena, disputas políticas e dilemas de honra, com discursos, personagens e até mesmo estruturas de diálogo que emulam parte por parte momentos do original – surgem como imitações pálidas, sem o peso ou o contexto que as justificariam. Em vez de construir algo novo, o filme se apoia em uma tentativa de fan service que pouco acrescenta à trama e que, mais ainda, irá desagradar quem de fato for fã da obra original. Momentos que deveriam ser épicos acabam se tornando previsíveis, e a repetição excessiva de temas do primeiro filme deixa “Gladiador II” com uma sensação de déjà vu sem brilho, sobretudo pela falta de preocupação do roteiro em organizar sua história de maneira a fazer com que esses temas tenham sentido.
Há uma série de reclamações possíveis a serem feitas sobre Gladiador II no lado técnico, mas a realidade é que quase todas elas poderiam ter sido perdoadas se a história não fosse uma das mais mal contadas a aparecer nas telas do cinema recentemente. O grande problema do filme, porém, é a falta de qualquer coerência.
As cenas do filme original são imitadas, recriadas, citadas e referenciadas à exaustão, mas sem qualquer justificativa ou substância real. A impressão geral é que os criadores de Gladiador II parecem pensar que o que fez o primeiro filme um sucesso foram as cenas de batalha, as frases de efeito e os discursos grandiosos, sem perceber que nada disso teria tido qualquer impacto real na audiência se não fossem os personagens extremamente bem construídos e representados, com relacionamentos complexos e motivações claras, compreensíveis e relevantes tanto para a história quanto para a audiência, e a imensa carga emocional da história como um todo. Exatamente por isso, exageram – muito, porém sem competência – nos primeiros – essa autora quase consegue ouvir os roteiristas escrevendo a quarta batalha na arena envolvendo um animal mutante digno de um filme de ficção científica e gritando para a audiência: “Vocês não estão entretidos? Vocês NÃO ESTÃO ENTRETIDOS? Não é para isso que vieram?” na sua melhor imitação de Russell Crowe – e deixam os segundos de lado por completo. E isso, usando uma fala do filme original, resulta em um roteiro que, comparado ao original, não passa de “sombras e pó” da grandeza de seu predecessor.
Paul Mescal, não estamos entretidos.
A escolha de Paul Mescal como o protagonista Lucius Verus foi um risco que, infelizmente, não compensou. Mescal é um ator talentoso, como demonstrou em “Normal People” e outras produções desde então, mas aqui ele parece perdido entre o peso do personagem e a grandiosidade do filme. Sua interpretação carece da intensidade visceral necessária para um épico desse porte. Enquanto Crowe enchia a tela com uma presença física e emocional avassaladora, Mescal entrega um desempenho mais contido, que muitas vezes não parece adequado à magnitude dos conflitos que seu personagem enfrenta.
Isso poderia se justificar pelo fato de Lucius, diferente de Maximus, não ser um general romano ou uma figura de autoridade. De fato, teria sido uma abordagem interessante – um personagem diferente como protagonista de um épico – se tivesse sido pensada assim. Não foi. O personagem de Mescal é colocado para fazer as mesmas coisas que o de Crowe – dar discursos inspiradores antes de batalhas, inspirar confiança em sua liderança, agir como estrategista e general no meio do Coliseu e, além disso, tudo, ter a mesma atitude ligeiramente (ou muito) arrogante de Maximus, entregar frases de efeito e contar piadinhas semelhantes –, porém sem atitudes, uma história ou um papel que justifique qualquer uma dessas coisas no universo do filme, e sem a presença, a autoridade e o carisma necessários para carregar essas ações do ponto de vista técnico.
Como já comentado, Lucius rapidamente se torna “o Maximus” do filme no sentido de seu papel de líder diante dos outros gladiadores. Mas isso não funciona, acima de tudo, porque não há nenhuma razão plausível ou explicação de como ele consegue esse título. Em nenhum momento fica claro que ele desenvolveu qualquer relacionamento significativo entre os outros escravos – ao contrário de Maximus, que não apenas tem amigos que são personagens desenvolvidos, como também foi comandante militar de muitos dos homens que estão com ele – e em nenhum momento há qualquer indicativo de que ele tem a competência e, mais importante ainda, a reputação de competência que justifique o fato de ele dizer “vamos para a esquerda” e um grupo de desconhecidos imediatamente ir para a esquerda, sem jamais questionar quem diabos é esse desconhecido e por que eles deveriam segui-lo. Ele não tem nem a aparência de autoridade, nem a substância dela. Os escritores parecem ter resolvido que era muito difícil ou custoso pensar em detalhes como esses, e que a audiência saber que Lucius é um príncipe de Roma já é suficiente – não é como se os personagens dentro do universo precisassem ser informados disso também antes de seguirem suas ordens.
Os discursos de Lucius, como já exaustivamente mencionado, são fracos, e isso é uma pena, pois ele faz muitos deles. É ainda pior considerando a qualidade dos discursos de Maximus no primeiro filme. Os roteiristas tentam – por vezes, de maneira tão dolorosamente óbvia que chega a parecer uma paródia – seguir a mesma estrutura dos discursos de seu antecessor, com o mesmo tipo de fala, o mesmo teor e, sobretudo, o mesmo número de frases que tem a intenção de se tornarem icônicas – exceto que não o são. Isso enfraquece ainda mais seu papel enquanto suposto líder, pois é difícil acreditar que sua oratória poderia inspirar qualquer pessoa a morrer por ele.
Lucius deveria ser o coração pulsante do filme, mas sua jornada é enfraquecida por um roteiro que não lhe dá espaço para crescer. Sua autoridade e seu papel não tem sentido dentro do contexto da história, nem sua motivação, e nem mesmo seu passado. Há pouca transformação em sua trajetória, e os momentos que deveriam consolidar sua posição como herdeiro espiritual de Maximus são comprometidos por diálogos artificiais, histórias mal-contadas, erros de continuidade, falhas de roteiro e decisões narrativas que subestimam sua importância – além, é claro, da escolha terrível que foi a conexão entre o príncipe e o gladiador, que ofuscou qualquer qualidade que o filme poderia exibir.
“O filho, a esposa, a colheita”… a amante e o bastardo?
Há muitas coisas ruins a serem ditas sobre Gladiador II. Mas nada – nada – se compara à pior escolha que o filme poderia ter feito, e fez. E adiante vai um grande spoiler, embora é provável que ele seja óbvio, considerando a tendência inigualável de sequências desnecessárias de fazer exatamente isso.
Lucius é filho de Maximus.
Quando Russell Crowe disse que leu o roteiro e achou absurdo, não há dúvidas de que era disso que ele estava falando.
A revelação de que Lucius é filho de Maximus não apenas distorce a narrativa original, mas também subverte a essência dos personagens que conhecemos, a começar pelo relacionamento entre Lucila e Maximus. No primeiro filme, a relação entre Maximus e Lucilla era marcada por um amor não consumado, reprimido pelas circunstâncias e pelo senso de dever de ambos, além, é claro, de um óbvio ressentimento – que fica nas entrelinhas, mas que é pungente e comentado por todos. Maximus, em particular, parece se ressentir muito de Lucila. Nada, absolutamente nada entre eles – e especialmente vindo dela, que em tese, conforme o segundo filme, sabia que ele era pai de seu filho – indica qualquer nível de conexão no nível de um filho juntos. Nenhuma das interações entre Maximus e Lucius no filme origina tem essa conotação. Isso, é claro, poderia ser justificado se ficasse claro que Maximus não sabia que o menino era seu – mas, mesmo assim, a história não convence, pois nada que Lucila faz, nenhuma expressão sequer, indica essa conexão.
Há uma cena importantíssima que não poderia deixar o problema aqui mais explícito. Quando Lucila está argumentando com Maximus sobre os méritos de seu plano, ele fala, enraivecido, que seu filho era inocente. Lucila não pensa duas vezes antes de responder “o meu também. O meu filho precisa morrer também para você confiar em mim?”. Esse diálogo jamais teria acontecido se Lucius fosse filho de Maximus. De fato, considerando a inteligência, ousadia e desespero de Lucila, é um insulto ao seu personagem imaginar que ela não teria imediatamente dito a ele que Lucius era tão filho dele quanto o menino que morreu numa tentativa desesperada de convencer Maximus a se juntar a ela, algo que ela pensa ser o único jeito de salvar o filho. Mas isso sequer chega a ser o cerne do problema aqui.
O relacionamento entre Maximus e Lucila é antigo, passageiro e, sobretudo, já está acabado. Há uma barreira grande entre ambos em todos os momentos. Mesmo quando eles se beijam no filme original – uma única vez – a cena não indica em momento algum qualquer sentimento um pelo outro que fosse grande o suficiente para que os dois tentassem ficar juntos. Foi algo que aconteceu ali, sem maiores consequências. No início do filme, Maximus menciona com sinceridade que pranteou a morte do marido de Lucila. Mais tarde, Lucila também diz ter chorado a morte da esposa de Maximus. Transformar essa conexão – tensa, carregada, mas definitivamente não romântica nesse momento – em uma relação que resultou em um filho ilegítimo não apenas contradiz o caráter de Maximus, mas também diminui a profundidade de sua devoção à família que ele perdeu.
Afinal de contas, conforme estabelecido logo no início do filme original, o filho de Lucila (Lucius) e o filho de Maximus têm a mesma idade.
O General Maximus é um homem extremamente devotado à sua família. Isso é a característica crucial de seu personagem, e o primeiro filme inteiro gira em torno disso. Ele conta os dias – na realidade, as horas – que se passaram desde a última vez que viu sua mulher e seu filho, e sabe-os de cabeça. Ele reza para os Deuses Lares todos os dias para cuidarem de sua família. O jeito como ele descreve sua mulher, seu filho, sua casa, tudo tem tanto carinho que é praticamente impossível pensar nele interessado em qualquer outra coisa. Seu grande objetivo como um general brilhante não é o poder ou o dinheiro, mas, de acordo com ele próprio, voltar para “a mulher, o filho e a colheita”. Após o assassinato brutal de sua família, ele passa por um plano de vingança imensamente complexo com a única intenção de vingar a morte de seus entes queridos. O final do filme – todos os deuses lares sendo enterrados juntos – é simbólico do fato de que ele está finalmente descansando com sua família.
Que esse homem, estabelecido como o maior exemplo de devoção familiar possível, tivesse tido uma amante em algum momento durante suas longas campanhas já é um pouco questionável. Que ele tivesse simultaneamente mantido relacionamentos com sua esposa e com Lucila ao ponto de engravidar as duas ao mesmo tempo, é destruir cada pedacinho do caráter do personagem e jogar sua história inteira pela janela. Ele era um homem íntegro, motivado não por uma moral simplista, mas por um senso profundo de honra e amor. Reduzir isso a um caso amoroso que supostamente gerou um filho ilegítimo é uma afronta à integridade do personagem e ao núcleo emocional da história original.
Essa decisão narrativa parece derivar de um desejo desesperado de criar uma conexão mais direta entre os dois filmes, como se os roteiristas temessem que o público não pudesse se importar com Lucius a menos que ele tivesse um vínculo sanguíneo com Maximus. Essa abordagem não apenas subestima a inteligência do público, mas é, sobretudo, desrespeitosa, e falha miseravelmente ao introduzir uma reviravolta que carece de fundamento e coerência. Em vez de enriquecer a trama, essa revelação soa forçada e artificial, desrespeitando a inteligência do público e a integridade da história original, desconstruindo (para pior) seus personagens e simplesmente sendo terrível.
O impacto dessa escolha vai além de sua falta de coerência. Ao transformar Lucius em filho de Maximus, o filme essencialmente descarta a construção emocional do personagem central do primeiro filme. O que Maximus representava – um homem lutando contra um sistema corrupto, motivado por perdas pessoais irreparáveis – é reduzido a uma história genérica de paternidade perdida: um homem lutando pela segurança de seu filho sobrevivente, nada mais. Essa transformação não apenas enfraquece a narrativa do original, mas também prejudica Lucius como personagem. Em vez de ser um jovem moldado pelas influências de sua mãe e pelo legado indireto de Maximus, ele se torna um arquétipo genérico de “filho perdido”, carregando o peso de um pai que ele nunca conheceu e de uma história que ele não viveu.
Essa decisão também revela um problema mais profundo com “Gladiador II”: a incapacidade de confiar no impacto emocional do material original. Em vez de explorar as consequências do sacrifício de Maximus e os efeitos duradouros de suas ações, o filme opta por uma reviravolta fácil que tenta forçar uma conexão emocional onde ela não é necessária. Maximus não precisava ser o pai biológico de Lucius para que seu legado fosse sentido. Sua influência transcendeu o sangue e o DNA; estava em suas ações, em sua coragem, em sua luta por justiça. Fazer de Lucius seu filho biológico é uma simplificação que diminui o impacto universal da história de Maximus. Seria tão difícil imaginar um Lucius inspirado por Maximus não por ter seu sangue, mas por ver heroísmo em suas ações? Por admirá-lo enquanto homem e pessoa? Sobretudo considerando que essa admiração já tinha sido construída no primeiro filme, com Lucius tratando Maximus metade como herói, metade como celebridade de quem ele é fã número um?
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Ao transformar Lucius no filho secreto de Maximus, “Gladiador II” não apenas falha em honrar o legado do primeiro filme, quebra a lógica interna do primeiro filme, e também desrespeita seus personagens e temas centrais, como perde a oportunidade de mostrar os efeitos da bravura e integridade de Maximus e seu legado, e também compromete sua própria narrativa, resultando em uma sequência que é, no melhor dos casos, uma sombra pálida de seu antecessor. É uma decisão que exemplifica tudo o que há de errado com a abordagem da sequência: preguiçosa, desnecessária e, acima de tudo, incapaz de entender o que tornou o original tão poderoso.
Vilões de cartolina
Um épico como “Gladiador” depende não apenas de seu herói, mas de seus antagonistas. Commodus, com sua loucura quase histérica balanceada com um lado assustadoramente calculista e nuances psicológicas que o fazem um personagem igualmente covarde e ousado, desprezível e cativante, foi um vilão memorável – talvez um dos mais memoráveis da história do cinema. “Medo e admiração, poderosa combinação”. Em “Gladiador II”, os imperadores Geta e Caracalla são retratados como caricaturas, vilões rasos que carecem de motivação ou complexidade. Seus atos de crueldade, embora gráficos e espalhafatosos, não geram o mesmo impacto porque faltam a eles profundidade e contexto. Enquanto personagens, sua função é, claramente, de imitar Commodus, com seus desequilíbrios e histerias, mas a falta de qualquer profundidade emocional, explicação ou relacionamento entre o protagonista e os vilões e, mais ainda, entra a audiência e os vilões, os torna apenas bizarros, e não mais que isso.
Ao reduzir seus antagonistas a figuras quase cômicas, o filme perde a oportunidade de criar conflitos verdadeiramente arrebatadores. A sensação é de que os vilões existem apenas para servir como obstáculos previsíveis na jornada de Lucius, em vez de personagens tridimensionais com sua própria narrativa.
Há aqui uma adição positiva (“Ou você acha que não tenho coração?”) a ser feita: o vilão principal, isto é, Macrinus – talvez a única coisa genuinamente boa do filme. Em meio às falhas narrativas e escolhas questionáveis de “Gladiador II”, a atuação de Denzel Washington emerge como um farol de excelência. Sua presença magnética e domínio de cena não apenas elevam o material que lhe foi dado, mas também oferecem ao público momentos de verdadeira maestria cinematográfica. Ele infunde no personagem uma mistura de charme e ameaça, criando uma figura que é, ao mesmo tempo, cativante e perigosa. Sua performance é marcada por uma sutileza que contrasta com a grandiosidade do filme, oferecendo camadas de profundidade que enriquecem a narrativa.
Em cenas onde outros atores poderiam facilmente cair no exagero, Washington mantém uma contenção que torna Macrinus ainda mais intrigante. Seus diálogos são entregues com uma precisão que revela tanto a inteligência quanto a ambição do personagem, permitindo que ele domine a tela sem esforço aparente e roubando toda cena em que aparece. O próprio personagem, apesar de ainda ser raso e ter uma história mal contada, especialmente quando comparado ao Commodus de Phoenix, é provavelmente o mais interessante de toda a narrativa, e definitivamente o único cuja história, embora mal-desenvolvida, tenha algum sentido verdadeiro (“Não sou misericordioso?”)
O coração pulsante de Roma: as areias do coliseu e o inferno do CGI
Visualmente, “Gladiador II” tenta impressionar com cenas de ação grandiosas e batalhas elaboradas, mas muitas vezes se perde em sua própria extravagância. Enquanto o original equilibrava brutalidade com beleza, aqui temos um festival de efeitos digitais que frequentemente prejudica a imersão. É bem provável que, enquanto planejava os visuais, Ridley Scott tenha usado a frase de Maximus no início do filme: “Ao meu sinal, liberem o inferno”, e por inferno, ele se referia aos efeitos especiais. O CGI é muito ruim. Certas cenas – insira aqui a batalha naval no Coliseu – são tão computadorizadas que parecem um desenho animado. Há momentos em que o CGI é tão evidente que chega a distrair, minando o realismo que deveria ser a marca registrada de um épico histórico.
As liberdades criativas tomadas pelo filme também levantam questões. Rinocerontes gigantes e tubarões como armas de arena podem ser visualmente interessantes, mas destoam do tom estabelecido pelo original. Os macacos colocados para lutar com os gladiadores – e, por sinal, a quantidade absurda de animais exóticos colocados na arena em todas as lutas, incluindo macacos, rinocerontes e, ridiculamente, tubarões, é tão exagerada que seria risível se não fosse vergonhosa – parecem-se mais com mutantes do universo de Jogos Vorazes. Essas escolhas se aproximam mais de um filme de fantasia do que de um drama histórico.
“Eis a glória de Roma”
Alta de coerência de certas situações e falas é absurda – por exemplo, Lucila sendo chamada múltiplas vezes de “a rainha” no final do filme, embora não apenas ela não fosse rainha de lugar nenhum, não importa quantas voltas e malabarismos mentais fossem feitos para tentar justificar o título, como também o fato de os personagens a terem anunciado formalmente simplesmente como “a filha de Marcus Aurelius” em todas as cenas anteriores, tornando o erro ainda mais ridículo. De maneira semelhante, quando senadores estão discutindo a possibilidade de Lucius ainda estar vivo, eles lembram que quando ele desapareceu ele tinha doze anos… ainda que, em Gladiador, uma das primeiras cenas envolva uma conversa entre Maximus e Lucilla em que ela afirma categoricamente que seu filho tem oito anos. Os roteiristas, ao que parecem, sequer se deram ao trabalho de checar detalhes triviais e confiaram em sua memória. Mas tudo isso, apesar de contribuir significativamente para a queda de qualidade do filme, se resume a detalhes. O resto é muito pior.
De maneira semelhante, a falta de coerência no tom é evidente ao longo de toda a produção. Enquanto o “Gladiador” original equilibrava habilmente drama histórico com momentos de introspecção, “Gladiador II” oscila descontroladamente entre cenas de violência gráfica, algumas tentativas de humor deslocadas, e cenas que visavam ser épicas ou emocionalmente ricas, mas que parecem superficiais e, quando conectadas ao resto do bizarro mosaico, artificiais, resultando em uma experiência cinematográfica que não sabe ao certo o que deseja ser.
As sequências de batalha, por exemplo, são tão exageradas em sua brutalidade que ultrapassam o impacto emocional pretendido, tornando-se quase paródias de si mesmas. Em contraste, há inserções de diálogos e situações que parecem saídas de uma comédia involuntária, quebrando a imersão e deixando o público confuso sobre como deve reagir. Essa inconsistência tonal não apenas prejudica a narrativa, mas também desrespeita a seriedade dos temas que o filme tenta abordar. A tentativa de incorporar elementos modernos em um cenário histórico resulta em anacronismos que destoam do contexto, como o uso de expressões contemporâneas por personagens da Roma Antiga. Essas escolhas criativas não apenas distraem, mas também minam a autenticidade que um épico histórico requer e, sobretudo, se distanciam do tom do original. O resultado é um filme que falha em estabelecer uma identidade clara, deixando o público sem uma âncora emocional ou narrativa para se conectar. A obra, enfim, sofre de uma dissonância tonal que compromete sua integridade e entrega uma experiência fragmentada e incoerente que fica muito aquém do legado de seu predecessor.
A grandeza substituída pelo ordinário
A grandeza é uma visão, de acordo com o primeiro Gladiador. “E eu darei as pessoas a maior visão de suas vidas”, disse o diretor. “Eu lhes trarei a morte e eles me amarão por isso”, disse o diretor.
Soa familiar?
Assim como Marcus Aurelius admite para Commodus que “Suas falhas como um filho são minhas falhas como pai”, é impossível ignorar que as falhas de Gladiador II como filme são as falhas de Ridley Scott e da equipe de produção como criadores. A questão é que Commodus enumera suas qualidades na mesma cena – ambição, engenhosidade, coragem, devoção –, e nem essas os profissionais por trás das delas conseguiram reunir: como seu vilão original, tiveram ambição demais para engenhosidade, coragem e devoção ao material original de menos.
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O filme não é apenas uma falha como sequência; é uma falha como filme independente. Apesar de seu orçamento robusto e de uma equipe técnica renomada, de um elenco de peso e de muita boa vontade do público, o resultado é um filme que parece desconectado de sua própria ambição. A trilha sonora tenta emular Hans Zimmer, mas carece do mesmo impacto emocional e se torna totalmente secundária, quase esquecível, em um filme precedido por outro que tem uma das mais famosas e brilhantes trilhas sonoras da história do cinema. A cinematografia, embora competente, não alcança o nível de iconografia visual que o original conseguiu estabelecer, e é prejudicada pelos efeitos visuais e pela falta de conexão entre os shots e a história.
A realidade é que Gladiador II não passa de uma tentativa sem muita convicção de criar uma obra que funcione só o mínimo necessário para fazer dinheiro em cima de uma propriedade intelectual bem conhecida, amada e rentável. Parafraseando o mercador de escravos para o meu tema, alguns filmes são bons para lutar e outros para morrer – ou, em termos mais claros, alguns filmes são bons como arte e outros como lucro fácil -, e Hollywood precisa dos dois. Ainda assim, há algo profundamente frustrante em assistir a um filme que tem tudo para dar certo, mas não consegue se encontrar. O que poderia ter sido uma expansão rica e complexa do universo de “Gladiador” acaba sendo uma sombra do original, sem a força ou a visão que o tornariam digno de seu legado.
Gladiador II, se você tivesse nascido de um roteiro decente, que filme você teria sido… (“Você teria sido forte. Eu me pergunto, teria sido justo?”)
Havia um sonho que era Roma… e ele não sobreviveu ao inverno
De acordo com Quintus, personagem do primeiro Gladiador, “as pessoas precisam reconhecer quando são conquistadas”. Em resposta, Maximus lhe pergunta: “Você reconheceria, Quintus? Eu reconheceria?”. Esse parece ter sido o problema aqui: a incapacidade de Scott e de toda a equipe de produção de reconhecer que estavam, desde o início, participando de um trabalho inútil. A incapacidade de Hollywood como um todo de reconhecer que algumas histórias são fechadas, com começo meio e fim, e pronto.
“Gladiador II” vale duas horas e meia da vida de um bom homem? Nós acreditamos nisso uma vez. Ridley Scott, infelizmente, não conseguiu nos fazer acreditar novamente. Maximus era um soldado de Roma, mas o diretor esqueceu de honrá-lo.
O filme é um lembrete dispendioso e triste – pois é triste ver um filme herdeiro de uma obra tão brilhante, com atores tão bons e uma equipe técnica tão preparada falhar miseravelmente – de que nem todos os clássicos precisam de uma sequência. Ridley Scott, um mestre do cinema, já demonstrou sua capacidade de revisitar e reinventar universos, mas aqui parece preso em um ciclo de repetição e excesso. A realidade é que Gladiador não tinha motivo algum para ser continuado, e Scott – e todo o resto do mundo que entende qualquer coisa sobre coerência – certamente sabe disso. Prova disso é que várias histórias, todas inteiramente distintas e todas, sem exceção, extremamente absurdas, foram sugeridas como a trama da continuação antes de se bater o martelo nessa. Não havia uma história para ser contada – só a vontade de fazer um filme que serviria para ganhar dinheiro fácil em cima de uma propriedade intelectual conhecida e altamente rentável. Sua dificuldade, sem dúvida, nasce daí: como contar uma boa história a partir de algo que não tem motivo para existir?
Ao contrário de seu predecessor, Gladiador II não ecoará na eternidade. Ele “trouxe a espada e nada mais”. O filme é uma tentativa de capturar a magia do original que, ironicamente, esquece o que o tornou tão especial: sua humanidade, sua intensidade emocional e sua narrativa profunda e bem construída. Para os fãs de Gladiador, esta sequência pode ser um golpe difícil de aceitar. Em vez de honrar o legado de Maximus, Gladiador II se contenta em ser um espetáculo vazio, que impressiona momentaneamente, mas deixa pouco para ser lembrado. “E quando ele morrer, e morrer ele irá, sua passagem será ao som de…”
Silêncio. O rugido da multidão se cala rapidamente, e o que resta é apenas um eco distante de uma história que merecia muito mais. Um filme para ser esquecido em alguns meses, quando boa parte do público certamente começará, com razão, a fingir que Gladiador é um filme único e sem continuação alguma.
“Uma ficção agradável, não é?”
Chegará o dia em que a indústria cinematográfica vai entender que algumas histórias são perfeitas como são e não precisam ser continuadas.
Mas ainda não. Ainda não.