Agatha Christie, a autora que sabia envenenar de verdade

No vasto universo da literatura policial, poucos nomes brilham tão intensamente quanto o de Agatha Christie. Conhecida mundialmente como a “Rainha do Crime”, suas obras cativam leitores de todas as idades e origens, sendo, segundo o Guinness Book, a romancista mais bem sucedida da história da literatura popular mundial em número total de livros vendidos. Mas, além de sua habilidade inquestionável em construir enredos complexos e repletos de reviravoltas, existe um elemento singular em seus romances que merece destaque: seu conhecimento sobre venenos.

Durante a Primeira Guerra Mundial, Agatha Christie decidiu contribuir com o esforço de guerra trabalhando como enfermeira voluntária. Foi nesse cenário que Agatha teve seu primeiro contato direto com o mundo das substâncias químicas.

Seu interesse pela farmácia a levou a se qualificar como assistente farmacêutica, uma decisão que teria implicações profundas em sua carreira literária. Esse trabalho lhe deu acesso a uma vasta gama de medicamentos, incluindo uma variedade de venenos que eram utilizados tanto para tratar quanto para acabar com a vida. Esse conhecimento aprofundado sobre as propriedades dos venenos, seus efeitos no corpo humano e a maneira como poderiam ser administrados de forma quase imperceptível se tornaria uma marca registrada em seus romances futuros.

Agatha Christie não apenas entreteve milhões de leitores com suas histórias, mas também educou muitos sobre os perigos e características dos venenos. Seu conhecimento detalhado era tão preciso que, em algumas ocasiões, seus livros foram citados em casos médicos reais.

Um Brinde de Cianureto

Por exemplo, em “Um Brinde de Cianureto”, a autora nos leva a uma festa aparentemente inofensiva que termina em tragédia quando a socialite Rosemary Barton é envenenada durante um brinde. O uso de cianureto, um veneno mortal e de ação rápida, transforma o que deveria ser uma celebração em um mistério, onde cada convidado se torna um suspeito em potencial. Agatha Christie explora não apenas a ciência por trás do veneno, mas também as motivações humanas que podem levar alguém a usar uma substância tão letal.

O Misterioso Caso de Styles

Outro exemplo marcante é “O Misterioso Caso de Styles”, o primeiro romance de Christie e a estreia de Hercule Poirot. Aqui, a autora utiliza a estricnina, um veneno altamente tóxico, para assassinar a matriarca Emily Inglethorp. A maneira meticulosa como o crime é planejado, utilizando uma dose aparentemente inofensiva de remédio, demonstra o profundo entendimento de Christie sobre como um veneno pode ser disfarçado como cura.

O Cavalo Amarelo

E em “O Cavalo Amarelo”, Christie se aventura ainda mais na ciência dos venenos ao introduzir o tálio, uma substância rara e de difícil detecção. O livro se desenrola com um mistério etéreo, onde o mistério das mortes está intrinsecamente ligado ao envenenamento por essa substância quase desconhecida na época.

O Cavalo Amarelo é uma das obras de Agatha Christie que contém um personagem do passado da autora. Na página 35, o farmacêutico Zacariah Osborne foi inspirado no homem que treinou Agatha Christie como enfermeira durante a Primeira Guerra Mundial.” (Notas sobre O Cavalo Amarelo, Harper Collins, 2020).

Agatha Christie utilizou seus conhecimentos farmacêuticos de maneira engenhosa para criar enredos que não apenas desafiavam a inteligência do leitor, mas também conferiam um ar de autenticidade científica às suas tramas. Seu legado como escritora de mistério é indiscutível, mas seu impacto vai além do entretenimento: sua habilidade em transformar a ciência do envenenamento em uma arte literária é um testemunho de sua genialidade e de seu lugar inabalável como a maior escritora de mistérios de todos os tempos.

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