A fracassada tentativa latino-americana de ser, em “Seul, São Paulo”, de Gabriel Mamani Magne

“Seul, São Paulo”, Gabriel Mamani Magne. Tradução Bruno Cobalchini Mattos. Todavia, 2024. 

Dois jovens, um narrador de língua afiada e seu primo Tayson, percorrem as ruas de El Alto, região metropolitana de La Paz, na Bolívia, enquanto vem e vão para o serviço pré-militar, vendem (e comem) pipoca, se apaixonam, se aventuram, se embebedam e outras coisas típicas de adolescentes na puberdade. Porém, o passado também é um local a ser explorado para que o narrador consiga destrinchar melhor esse primo que nasceu em São Paulo durante a final da Copa América de 1997, Brasil x Bolívia.

El Alto. Imagem: Leonid Andronov/Shutterstock

“Sua infância foi uma batalha constante entre a língua dos seus pais e a língua do seu passaporte. Muito portunhol. Também um pouco de aimará.”

E foi exatamente esse viver entre línguas, entre identidades, que se destacou no livro para mim. Os pais do primo Tayson haviam emigrado para o Brasil em busca de melhores oportunidades de vida, como tantos outros, e, como tantos outros, encontraram espaço nas oficinas de costura. Entretanto, algo em Tayson o diferenciava dos demais, a cor da pele.

“Sua brancura também rendeu frutos à família. Naquela época, coreanos e bolivianos disputavam o domínio do ramo da costura. Invejavam-se mutuamente. Plagiavam-se.”

É aí que entra não só uma Seul idealizada/sonhada através da melodia e dos ídolos do K-pop, gênero secretamente ouvido por Tayson, mas também uma Seul bem real. Esta é  personificada nos maiores concorrentes dos bolivianos no mercado de costura de São Paulo: os coreanos, que segundo o pai de Tayson: “Nisso somos parecidos com os asiáticos. Por mais que a gente queira, não podemos esconder o que somos.”.

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Acontece que a puberdade tirou essa suposta vantagem comercial da família, que nada mais era que racismo. De volta a uma Bolívia desconhecida, Tayson vive na tensão entre essas identidades, nem brasileiro, nem boliviano, e com uma terceira questão lembrada por um colega: “Nenhum dos dois, responde. Nem boliviano nem brasileiro. Você, Taysinho, é que nem a gente: aimará.” Essas reflexões acabam também se estendendo para o narrador, que vive um processo de se entender como homem, como boliviano, enquanto sonha com a São Paulo das histórias do primo. 

“Eu acho que todos os países latino-americanos são a tentativa fracassada de alguma coisa. (…) A Argentina é uma tentativa fracassada de Europa, o Brasil uma tentativa fracassada de ser os Estados Unidos… e a Bolívia é uma tentativa fracassada de não ser a Bolívia.”

Através de uma narrativa jovem, cheia de vida, com uma linguagem ácida, bem-humorada e super direta, Gabriel Mamani Magne levanta temas caros para pensarmos, dentre outras questões, a identidade latino-americana contemporânea.  

Sobre o autor

Gabriel Mamani Magne nasceu em La Paz e vive em Goiânia. É formado em sociologia e direito e fez mestrado em literatura. “Seul, São Paulo” venceu o Prêmio Nacional de Romance da Bolívia em 2019.

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