Pesquisas demonstram que o número de denúncias de intolerância religiosa no Brasil aumentou significativamente nos últimos anos. Os dados do estudo indicam que as religiões de matriz africana, mesmo sendo uma minoria religiosa, são o maior alvo da intolerância. Embora, desde 2007, tenha sido instituído no país o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, pela Lei Federal nº 11.635, o endurecimento das medidas a quem pratica esse tipo de crime só foi conquistado em 2023, com a Lei 14.532, que equipara injúria racial ao racismo, protegendo também a liberdade religiosa. Mas, além de leis mais abrangentes que assegurem a cada pessoa o direito de manifestar sua fé, é necessário que se desmistifique e se combata o estigma e o preconceito que ainda existem em torno da temática.
Além da expansão de políticas públicas no país com a implementação de cotas no ensino superior, as Leis nº 10.639/03 e 11.645/08 possibilitaram que se incorporassem ao ensino nas escolas do país o estudo sobre História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena. Embora a aplicabilidade precise ser ampliada, discussões e estudos puderam ser colocados em evidência. Com o projeto Encontro de Saberes, iniciado em 2010, na Universidade de Brasília, as epistemes indígenas e afro-brasileiras também foram inseridas nas universidades, proporcionando um ambiente mais plural e democrático. Por isso, novas propostas são sempre fundamentais para que o conhecimento, o alcance e a visibilidade aumentem, englobando diversas áreas do saber.
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É isso que o trabalho da antropóloga, pesquisadora e professora Beatriz Martins Moura vai propor em “Pedagogia do ebó”: horizontes possíveis para a universidade a partir de mulheres de axé”, publicado pela Appris Editora, em 2023, que aborda, especialmente, o contato entre a academia e as comunidades tradicionais.
O livro é baseado na sua tese de doutorado em Antropologia Social pela Universidade de Brasília (UnB), que recebeu Menção Honrosa no Prêmio Lélia Gonzalez de melhor Tese em Antropologia na 33ª Reunião Brasileira de Antropologia. A ideia surgiu a partir do diálogo e da troca de experiências da pesquisadora com Mãe Dora de Oyá e Makota Kidoiale nas atividades dos terreiros e das universidades com o Encontro de Saberes.
No livro, dividido em duas partes, a autora aborda, primeiramente, as histórias de vida de Makota Kidoiale e Mãe Dora de Oyá e de suas experiências como docentes, buscando aproximar terreiro e universidade ao utilizar como base teórica os processos e as práticas pedagógicas das mulheres de axé. Num segundo momento, discute os efeitos práticos desse contato com os alunos em sala de aula. Para isso, denomina de “Conhecimentos Insubmissos”, inspirada na obra Insubmissas lágrimas de mulheres, da escritora Conceição Evaristo. A utilização da palavra “insubmissos” serve para ampliar o estudo e compreender os resultados desses contatos com a universidade.
Segundo a pesquisadora, os conhecimentos insubmissos são aqueles que dizem respeito à ruptura do sistema histórico de desigualdade, de apagamento, de exclusão e discriminação de conhecimentos, epistemologias e subjetividades negras e indígenas em espaços de ensino formais, reafirmando lugares que só se consolidaram (e ainda continuam em processo de consolidação) recentemente por meio de constantes lutas e movimentos. Em outro momento, ela discorre, também, sobre esse conceito às mulheres de axé:
“são mulheres de protagonismo e vanguarda na luta do povo negro na diáspora. Esse protagonismo, entre outras coisas, constitui-se na insubmissão ao sistema racista de base escravocrata que relegou mulheres negras ao lugar de subalternidade e exploração. […] Seus conhecimentos, aqueles que também são mobilizados no propósito de manter vivas suas comunidades, são ancorados em epistemologias ancestrais e insubmissas, que erguem a voz contra a opressão e reivindicam para as mulheres de axé o lugar e esteio de suas comunidades e de intelectuais.” (MOURA, 2023, p. 14)
Do entrelaçamento dessas vivências e conhecimentos compartilhados, partindo do conceito de ebó: “[…]elemento fundamental na elaboração espiritual e energética de um terreiro” atuando “primeiramente a partir da escuta das demandas, com o objetivo de atender às necessidades de cada filho, de cada pessoa que se consulta” (MOURA, 2023, p. 119), a estudiosa elabora práticas pedagógicas em sala de aula e reflete sobre as transformações desse espaço como um lugar de integração, acolhimento, partilha, cuidado e escuta, reconhecendo as “histórias, trajetórias, individualidade e necessidades” de cada um: “Essa prática em sala de aula, que considera cada estudante com sua história, sua trajetória, que acolhe problemas e demandas e que cuida de cada um de maneira diferente, empreendendo energia diferente em cada relação, vou chamar de Pedagogia de ebó.” (MOURA, 2023, p. 122)
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Ao longo do desenvolvimento, nomes como: Milton Santos, Lélia Gonzalez, Nilma Lino Gomes, Abdias Nascimento, Jurema Werneck, entre outros(as) são destacados(as) para refletir sobre diversas questões históricas, sociológicas e culturais. No último capítulo, a professora enlaça as diferentes histórias, demonstrando os resultados de sua experiência, além de ressaltar outras perspectivas que poderão ser fontes de desdobramentos para futuros diálogos e estudos.
Por fim, ao se analisar a proposta da “Pedagogia do ebó”, pode-se compreender que, embora o caminho a ser percorrido seja longo, ele vem sendo pavimentado por estudiosas, pensadoras e intelectuais negras que estão abrindo espaços e inserindo debates ao estabelecerem novos rumos na busca dessa integração e interação entre os saberes e as comunidades.
Especificações:
Peso: 300g
Dimensões: 23x16x1.1cm
ISBN: 9786525050379
Páginas: 183
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