Martha Medeiros, jornalista e escritora gaúcha, tem inúmeros livros publicados entre poesias, crônicas e romances. Escreve crônicas para o jornal Zero Hora e colabora para a revista Época. Estão entre os títulos mais conhecidos: Strip Tease (1985), primeira publicação da autora, Topless (1997), que ganhou o Prêmio Açorianos de Literatura em 1998, Trem Bala (1997), que foi adaptado para o teatro e Divã (2002), romance que originou filme e série de TV.
O livro Liberdade Crônica, lançado em 2014, reúne 101 crônicas publicadas ao longo de 20 anos de carreira. Faz parte da “trilogia crônica”, publicada pela L&PM Editores.
Confira as melhores citações:
Foram os livros que me deram consciência da amplitude dos sentimentos. Foram os livros que me justificaram como ser humano. Foram os livros que destruíram um a um meus preconceitos. Foram os livros que me deram vontade de viajar. Foram os livros que me tornaram mais tolerante com as diferenças.
Eu acredito que literatura é entretenimento também. E má literatura, nem isso. Mas quando o livro é bem escrito e bem pensado, diversão vira educação.
Ser boazinha não tem a ver com ser generosa. Ser boa é bom, ser boazinha é péssimo. As boazinhas não têm defeitos. Não tem atitude. Conformam-se com a coadjuvância. Ph neutro. Ser chamada de boazinha, mesmo com a melhor das intenções, é o pior dos desaforos.
A liberdade é politicamente incorreta. A liberdade é personalista. A liberdade não se veste bem, não tem bons modos, não liga para o que os outros vão dizer. Ser absolutamente livre tem um ônus que poucos se atrevem a pagar.
Curiosamente, o estupro é o único ato sexual cuja culpa a sociedade divide entre o homem e a mulher. Uma saia mais curta ou uma maquiagem pesada podem ser consideradas corresponsáveis pela agressão. Sempre haverá um analfabeto para dizer “quem mandou ser tão gostosa”, transformando a vítima em cúmplice.
A gente perde muito tempo pensando na nossa imagem, no nosso futuro, nos nossos problemas, nas nossas vitórias, no nosso umbigo. Até que um dia acordamos asfixiados, enjoados, sem ânimo e sem paciência para continuar sustentando a pose, correspondendo às expectativas, buscando metas irreais, vivendo de frente para o espelho e de costas para o mundo.
Ficar triste é comum, é um sentimento tão legítimo quanto a alegria, é um registro de nossa sensibilidade, que ora gargalha em grupo, ora busca o silêncio e a solidão. Estar triste não é estar deprimido.
Ainda acredito que religião deveria servir apenas para promover o amor e a paz de espírito. Se for para promover a culpa e decretar que quem é diferente deve arder no fogo do inferno, então que conforto é esse que a religião promete? Não quero a vida eterna ao custo de subjugar quem nunca me fez mal. Prefiro vida com prazo delimitado, porém vivida em harmonia.
Que maravilha de sociedade é essa que nos entope de porcaria na televisão, que nos dá a ilusão de termos tantos amigos, que sugere termos tanto conforto e informação, quando na verdade a quantidade é virtual e o vazio é imenso? A palavra simplicidade foi a primeira a desaparecer do nosso campo de visão. Saiu o simples, entrou o pobre. Pobre de espírito, pobre de humor, pobre de sensibilidade, pobre de educação. Podemos até estar enxergando direito, mas nossos pensamentos e atitudes andam desfocados.
Tem dias que não estamos pra samba, pra rock, pra hip-hop, e nem por isso devemos buscar pílulas mágicas para camuflar nossa introspecção, nem aceitar convites para festas em que nada temos para brindar. Que nos deixem quietos, que quietude é armazenamento de força e sabedoria, daqui a pouco a gente volta, a gente sempre volta, anunciando o fim de mais uma dor – até que venha a próxima, normais que somos.