Leituras #60: Pequenos Versos, de Eli Juziuk Hazan

Autor: Eli Juziuk Hazan
Editora: Chiado
Ano: 2018
Páginas: 50

Esses sonhos de magia
Criei-os na fantasia
À meiga luz do luar,
E quando conta segredos
Na rama dos arvoredos
Na brisa que beija o mar.
Casimiro de Abreu

O conceito de pequeno ou menor na literatura tem algumas particularidades que colocam em xeque a ideia de forma, evolução, progresso, instituição. Podemos dar como exemplo O Pequeno Manual de Inestética, de Alain Badiou em que, ao propor um manual sobre as artes, inverte a lógica de uma obra com regras ou mapas literários para um propor um “pequeno manual”, ou seja, uma espécie de anti-manual ou contra-manual, cujas regras têm validades cambiantes e transparentes. Podemos apontar também a obra de Gilles Deleuze, Kafka por uma literatura menor, em que ao destacar o que de “menor” havia em Kafka, lança luz sobre a possibilidade de invenção de uma língua por dentro da língua e, assim, para a composição de um gesto político capaz de desfazer as grandes literaturas e narrativas nacionais. Creio que a obra de Eli Juziuk Hazan, dentro de sua proposta de escrita, está filiada à esta tradição, justamente daquelas pequenas obras cuja intenção é justamente fazê-las pequenas. E este é seu grande mérito.

Pequenos Versos é a obra de estreia de Eli Juziuk Hazan, historiador paulista que arrisca pela primeira vez a publicação de seus versos. Apostando na brevidade dos poemas que, em sua maioria, possuem quatro versos, às vezes pouco mais, Eli traça uma proposta literária que tenta abarcar as pequenas facetas das características e dos sentimentos humanos, na tentativa de capturá-los justamente em sua latência, ou seja, um gesto de escrita que se dá enquanto se sente, enquanto a fagulha de energia atravessa o corpo. Neste sentido, pouco há de grandes reflexões ou de proposições filosóficas rebuscadas, mas pelo contrário, há uma intencionalidade, um objetivo claro que de justamente pegar o pensamento pelo rabo, no momento em que ele atravessa a cabeça e o coração e aprosioná-lo, quase como um carimbo, no papel.

Assim, os 44 poemas do livro, vão girar em torno de temas que vão desde aquilo que compõe nossas necessidades básicas de existência, capturando sua face trágica:

O ar que nos dá vida
Também aos poucos nos mata
Curiosa sina
Que ao derradeiro fim nos prepara

Ou então no confronto entre a prosa amorosa e uma natureza que fala através do poeta:

No sussurro do beija-flor
No canto do sabiá
Assim me toca o seu amor
Como a lua abraça o mar

Ao que parece, a poesia de Eli Hazan, como o próprio autor nos deixa pista, busca uma espécie de poesia no começo do mundo, no começo da palavra, no começo da linguagem, tal como aponta o próprio ao ressaltar que há na arte rupestre uma espécie de poesia. Creio que podemos inverter a equação para perceber na poesia, também, uma latência e dinâmica da poética rupestre, como se escreve fosse, ainda hoje, deixar um recado nas pedras do mundo. Outra referência bastante explícita, inclusive tendo um poema dedicado ao poeta, é a presença de Casimiro de Abreu, poeta da conhecida segunda geração do romantismo brasileiro. A principal aproximação entre os dois poetas, ao que parece, está no gesto de uma simplicidade da escrita, principalmente na composição de rimas que muitas vezes se dão na estrutura ABAB ou, até, em alguns momentos, em poemas que rimam inteiros de forma igual, tal na forma AAAA.




Por fim, é possível perceber também uma percepção de um mundo que se amplia, principalmente no contraste entre a subjetividade, até então infinita, mas que se vê perdida diante desta superdimensão do mundo, esboçando uma espécie de geografia de contrastes entre dentro e fora:

Vasto é o mundo
Mas fez-se curto
Pois na vastidão da ambição
Não toca mais o coração

Se eu fosse fazer uma crítica à obra, apenas uma, seria no uso excessivo das rimas com verbos. Creio que, na produção de poesia, muitas vezes elas conformam o verso e, de certa forma, tiram parte de sua capacidade de produzir imagens. O uso, talvez, de substantivos ou adjetivos poderiam produzir algumas imagens pouco mais ampliadas e, assim, expandir inclusive as proposições de rima e conceitos dos poemas.

Entretanto, ao fim, pode-se dizer que Pequenos Versos é a obra em que Eli se apresenta como poeta. Parece que sua escrita procura tatear os primeiros gestos de uma escrita que já anuncia outras faces, outros momentos, outras obras. Afinal, depois dos pequenos versos sempre chegam outros, não?

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https://www.martinsfontespaulista.com.br/pequenos-versos-579942.aspx/



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