“E todas estas crianças nas quais você cuspiu
Enquanto elas tentam mudar seus mundos
São imunes às suas consultas
Elas estão bastante conscientes do estão passando”
– (Changes, David Bowie)
30 anos atrás, os versos de David Bowie apareciam num fundo preto e introduziam o filme Clube dos Cinco (The Breakfast Club), de John Hughes. A história de cinco estudantes em detenção em pleno sábado, que, à primeira vista, pretendem vestir os estereótipos que receberam na escola, é clamada como a “voz de uma geração”. Em 2015, a película recebeu uma nova versão em Blu-ray e foi especialmente exibida em alguns cinemas dos Estados Unidos devido ao seu trigésimo aniversário. John Hughes também dirigiu e escreveu outras pérolas do cinema como Esqueceram de Mim e Férias Frustradas, mas poucos de seus filmes foram tão impactantes quanto o “sexteto” de filmes adolescentes que foram filmados entre 1984 e 1987. São eles: Gatinhas e Gatões (Sixteen Candles, 1984), Clube dos Cinco (The Breakfast Club, 1985), Mulher Nota Mil (Weird Science, 1895), A Garota de Rosa-Shocking (Pretty in Pink, 1986), Curtindo a Vida Adoidado (Ferris Bueller’s Day Off, 1986) e Alguém Muito Especial (Some Kind of Wonderful, 1987).
Apesar da fama de “filme para sessão da tarde”, John Hughes escreveu histórias que não são a voz de apenas uma geração, mas de todas que vieram após a década 80. Seus personagens não tinham nenhuma rede social, usavam cabelos frisados, os hits da época eram outros. Mas, apesar dessa fenda de 30 anos, a juventude colegial ainda é um processo difícil (sim) pelo qual todo mundo passa – mesmo que algumas lembranças nos façam torcer o nariz. Se por um lado é considerada apenas uma fase de transição, uma etapa como as outras, por outro pode ser a época mais importante da vida. Das duas formas, nunca é algo tranquilo. Ser adolescente é estar no centro de um cabo de guerra: de um lado a jovialidade e a intensidade de viver; de outro as responsabilidades e as liberdades da vida adulta. Há um medo de se tornar igual aos pais e outros adultos que moldam nossa personalidade em casa e no colégio, copiando seus jeitos de acordar todos os dias e esperar as mesmas coisas. A adolescência é um microcosmo de toda uma vida, mas que dura apenas cinco anos. Nessa época, costuma-se esperar pelo final dela e abraçar a independência, ou começar a fazer a contagem regressiva para o fim das coisas boas.
John Hughes escreveu o roteiro de Clube dos Cinco em dois dias. Curtindo a Vida Adoidado, por sua vez, em seis. Sendo esses dois filmes os mais famosos e marcantes dos “seis”, é interessante traçar suas semelhanças e investigar o porquê de tanto sucesso: ambas histórias se passam em um dia, apresentam cenas musicais memoráveis, personagens que chegam ao extremo por conta da pressão dos pais e professores detestáveis. Em Clube, os alunos Claire (“a princesa”), Andrew (“o atleta”), Brian (“o cérebro”), John (“o criminoso”) e Allison (“a estranha”) são obrigados a passar um sábado inteiro juntos, enclausurados na biblioteca. Entre os sermões do professor que os vigia e os repugna, John se encarrega de manter o clima entre todos do pior jeito possível e preservar sua imagem de encrenqueiro violento. Claire e Andrew são populares e não acham que merecem passar o sábado na companhia de pessoas estranhas. Brian é um aluno dedicado e tímido, e Allison não fala nada até 33 minutos de filme.
Todas as cenas foram filmadas em sequência. As mais memoráveis foram improvisadas, como a parte onde todos desabafam sobre o motivo de estarem em detenção. Andrew se mostra como alguém que vive na sombra do pai opressor, e ao confundir sua personalidade com a dele acaba maltratando um garoto no vestiário. Claire se envergonha por sua virgindade, Allison sempre foi ignorada pelos pais e escolheu a detenção porque “não tinha nada melhor para fazer”. Por fim, Brian confessa que tirou um F e, por medo da reação dos pais, pensou em se matar e guardou uma arma no armário – que acabou sendo descoberta. Foi uma sequência divisora de águas, a hora de despir os estereótipos. Apesar de classes sociais diferentes (não apenas econômica, mas uma até mais importante: a “classe escolar”), comungavam os mesmos medos, sendo o maior deles acabar virando os adultos de suas vidas, que os ignoram e maltratam. Ao final do filme, John joga o punho cerrado para o alto por ter conquistado Claire, enquanto toca Don’t You (Forget About Me) do Simple Minds. E descobrimos que em cada um de nós há um atleta, um criminoso, uma princesa, um cérebro e uma estranha.
Em Curtindo a Vida Adoidado, Ferris Bueller finge estar doente para aproveitar o dia por completo – se você realmente quiser levar “carpe diem” a sério, faça igual a Ferris. Ao convencer o amigo Cameron e sua namorada Sloane a faltarem a escola também, Bueller tem o dia mais invejoso de todos: dirigiu a Ferrari zerada do pai de Cameron, assistiu a um jogo de baseball (e, claro, conseguiu a bola do jogo), almoçou no restaurante mais “high society” de Chicago, visitou galerias de arte e, para finalizar, penetra em um desfile, sobe num dos carros e dubla Twist and Shout, fazendo toda a avenida dançar (até seu pai, em um dos prédios). Cameron Frye é o Brian de Curtindo a Vida Adoidado, cedendo ao estereótipo de pessoa extremamente inteligente que não deixa sua zona de conforto e é intimidado pelos pais. A cada ousadia de seu amigo, a conformidade de Frye foi aniquilada aos poucos e até quebrar a Ferrari de seu pai foi um aditivo para mudar o rumo das coisas. Tudo graças a Ferris, que nunca iria para a “escola num dia como aquele” e que “a vida passa muito rápido”. Mais uma história de John Hughes onde um dia pode te nortear para “sempre” – porque só é impactante se for para sempre, só assim vale a pena.
Claro que podemos entrar em contato com ótimos personagens em outros filmes de Hughes, dentre eles a tomboy Watts de Alguém Muito Especial, que é apaixonada pelo melhor amigo e não sabe como fazê-lo perceber isso. Em A Garota de Rosa-Shocking, Andie (vivida por Molly Ringwald, a musa do diretor) é uma adolescente independente e pobre que se envolve com Blane, um garoto rico, e teme decepcioná-lo por conta de sua classe social. No mesmo filme, conhecemos também Duckie, o melhor amigo de Andie que não deixa a desejar com seu figurino, performances, e completa devoção a ela. Por fim, em Mulher Nota Mil, conhecemos dois amigos que criam a mulher perfeita e dela se aproveitam para conseguir “ascender” à popularidade. Existem clichês em todas as histórias, talvez porque Hughes manteve-se fiel à realidade e reconhece que as rotulações e clichês nos constituem. Por outro lado, o espírito do “sexteto” se baseia na pluralidade de cada personagem; característica muito ausente nas histórias de adolescentes, mas que não foi ignorada pelo diretor.
Atualmente, a ficção “jovem” é extremamente marginalizada, e a desculpa dada pelos críticos costuma ser a falta de complexidade dos enredos, o que não a torna tão “boa”. “Boa” ou não, adolescentes vão continuar procurando sua voz por meio da ficção. Entre os 13 e 18 muitas coisas acontecem, e nem sempre se trata de conseguir um(a) namorado(a), perder a virgindade, ir a festas e passar no vestibular. Nesse meio-tempo é condensada a nossa identidade e tentamos descobrir nosso lugar no mundo. Da mesma maneira que algumas histórias sobre adultos são dão ao luxo de serem ruins e ocuparem salas de cinema, as adolescentes também têm esse direito – o que importa é que existam histórias, mesmo que passíveis de crítica. John Hughes pode não estar vivo para defender as narrativas da juventude na era 13 Reasons Why, mas, sem dúvidas, suas histórias ainda ressoam com as nossas “crianças” e com o que elas querem ver retratado, de alguma forma, no cinema.