Tempo de Flores Ser é um livro de poemas e canções de Martha Bento Lima. A autora, com formação em psicologia e psicanálise, em sua obra “reúne a passagem da poesia como fio condutor plano pleno de imanência.” Com poesias que tratam de temas diversos, entre a força da poesia, da música e da arte, até um corpo que dança por entre as palavras. O NotaTerapia fez uma entrevista com a autora. Confira!
O livro, lançado pela NotaTerapia Editora, selo da Editora Multifoco, já está disponível para venda no site:
https://editoramultifoco.com.br/loja/product/tempo-de-flores-ser/.
Para saber mais sobre a autora, acesse: https://www.musicamarthalima.com.br/
NotaTerapia –Em poucas linhas, o que é o seu livro Tempo de Flores Ser?
Martha Bento Lima – É uma tentativa de reunir poemas antigos e novos, passagem de vários tempos/momentos em minha vida, tendo a poesia como fio condutor na busca de uma vida mais plena.
N – Quando você começou a escrever e quais as motivações que te levaram a escrever seu livro?
Como menciono na apresentação do livro, comecei a escrever com dez anos de idade, inspirada pela leitura de poemas dos livros dos adultos (pais, tios, irmãos…) que encontrava em casa. A poesia me atraiu feito um ímã desde muito cedo, percebia uma linguagem sensível que me permitia expressar e ter acesso aos sentimentos mais profundos em mim e nos outros.
N – Qual você acha que é e deveria ser o papel da literatura e das artes no mundo de hoje?
Só acredito na arte, e isso inclui a música, a literatura e outras formas artísticas, enquanto ela for revolucionária. Mas falo aqui de uma revolução molecular, micropolítica, quando podemos por meio de sua força vislumbrar outros mundos, enxergar além de nós mesmos; outras facetas que existem em nós, nos outros e na natureza. Isso, de alguma forma, produz compreensão, passagem, harmonia, expansão da vida — o encontro necessário com as diferenças. A arte acessa uma multiplicidade infinita de potências ocultas e/ou explícitas, é uma fonte de renovação para quem se dedica a sua escuta ou exercício. Mas é preciso salientar que muito desse aspecto revolucionário da arte vem se perdendo hoje em dia, em meio a capturas do capitalismo, ou seja, a arte enquanto mercadoria.
N– Quais os(as) escritores (as) que te marcaram e influenciaram tanto na vida quanto na feitura de Tempo de Flores Ser?
Não posso dizer que tenho um escritor preferido (risos), são tantos! Nem sei lhe dizer quais que me influenciaram. O interesse pela leitura começou cedo, li muito (e continuo lendo!) Fernando Pessoa, Cecília Meireles, Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Mello Neto, Paulo Leminski, Clarice Lispector, etc. Um poeta que gosto muito é Rainer Maria Rilke, mas dele conheço somente as traduções, gosto, principalmente, das de Haroldo de Campos — outro poeta que também aprecio. Mais recentemente, por afinidades, minhas leituras tem se dirigido aos poetas portugueses: Herberto Hélder, António Ramos Rosa, Sophia de Mello Breyner Andresen, e outros.
N- Quem se aproxima de Tempo de Flores Ser, logo de cara, percebe uma relação muito evidente entre palavra e música – matéria escrita e matéria sonora. Inclusive, a obra inclui algumas canções escritas por você. Qual o papel da música naquilo que você escreve?
Assim como a escrita, iniciei meus estudos em música muito cedo, com quatro ou cinco anos, o primeiro instrumento foi o piano, depois aos dez anos comecei a estudar violão. Então, acredito que esse envolvimento com a música, o universo da linguagem musical das melodias e dos ritmos acaba por fazer parte daquilo que escrevo, e componho.
N – Ainda seguindo a pista da música, vejo uma relação intrínseca da música com uma ideia de corpo, talvez na linha de Nietzsche, principalmente na ideia de “dança”, no pensamento de Zaratustra de “dançar a beira do abismo”. Como este corpo que dança se encontra dentro de seu livro?
Se pensarmos a dança como um movimento do corpo pleno de sentido, podemos pensar que as palavras em um poema criam sonoridades que o fazem dançar, enquanto produzem efeitos diversos. Venho estudando — em minhas pesquisas sobre o efeito da música na subjetividade —, um autor chamado Joachim-Ernst Berendt que escreveu um livro chamado Nada Brahma, ele sustenta a tese de que o mundo é som, a palavra é som, dentre bilhões de vibrações possíveis, o Universo opta com preferência por aquelas poucas mil que têm um sentido harmônico, então a música está presente no poema e com ele, a dança. A relação da música com o movimento é muito antiga, parece incrível, mas recente mesmo é a sua separação, em toda história, a música e a dança fizeram parte de uma mesma atividade.
N- Em meu poema preferido, Dia Branco, você fala de um ano que adentra “antropomagicamente”. Acha que esta palavra pode ser, talvez, uma pista para entender todos os Tempos de Flores Ser (uma vez que talvez não haja apenas um)?
Creio que a inspiração da palavra “antropomagicamente” veio do movimento antropofágico de Oswald de Andrade. A ideia de uma devoração ou deglutição crítica da cultura estrangeira, buscando singularidades nossas, brasileiras. Isso também teve repercussão na música com a Bossa Nova e o Tropicalismo, por exemplo. O novo, o que vem de fora deve ser digerido a serviço da expansão da criatividade tão presente em nós, brasileiros. A construção de lugares próprios e por isso (antropo)mágicos/singulares, está a meu ver, na relação permanente com o desconhecido, intensificando potências, já presentes.
Por outro lado, é interessante quando você pergunta se pode ser uma pista para entender todos os Tempos de Flores Ser, talvez possa… . Como psicoterapeuta, acompanho diferentes tempos por quais passam as pessoas em seu processo de amadurecimento. Percorremos a gramática afetiva que envolve a relação analítica; terapêutica, para que, pacientemente, novos espaços (de flores ser) possam surgir na vida da pessoa. A música e a poesia fazem parte desse processo quando, os gestos e palavras sensíveis, contextualizados, surgidos no momento adequado das sonoridades do encontro analista-analisando, podem ser um remédio, uma benção diante de feridas que não cicatrizam. A criação de espaços de liberdade implica em um florescer para a vida que realmente faz sentido para o indivíduo.
N – No poema Poesia Regressa você retoma mais uma vez Nietzsche, apontando para um corpo que dança, e afirma que “retorna a poesia não atônita”. Esta poesia que volta, então, em algum momento precisou ir e seu retorno é comemorado na própria poesia. Isto tem a ver com esta marca temporal marcada já no título?
É bom pensar assim, creio que há muitas interpretações…, e essa é a graça de todo o poema.