O que é escrever? Por que escrevemos? E como escrevemos? Essas e muitas outras perguntas do tipo podem até ser respondidas algumas vezes, mas é inegável que, na maioria das vezes, continuem a ecoar incessantemente, não importa quantas vezes sejam respondidas.
Se é parte da natureza humana se questionar sobre sua existência, com certeza deve ser parte da natureza do escritor se questionar por que escreve e teorizar sobre os melhores métodos de escrita. Até por que ambos os questionamentos costumam ser relacionados e buscar um motivo para a existência pode, em alguns casos, significar buscar um caminho em direção a si mesmo por meio das palavras, ou seja, pela escrita.
Enfim, e se um escritor quiser encontrar livros que tragam alguma luz sobre tais assuntos, que identifiquem métodos e razões da escrita? Se um escritor buscar livros que o inspirem a escrever mais e melhor, que o guiem com observações sobre a estrutura técnica da ficção, ao mesmo tempo em que iluminem aquela tênue, porém infinda, conexão entre a escrita e a vida e os porquês de a escrita ser algo tão presente e necessário?
Depois de recomendar, primeiramente, os ensaios A Filosofia da Composição e The Poetic Principle do Edgar Allan Poe e o poema Então queres ser um escritor, do Bukowski (o adicionei ao final desta lista, no final da página!), recomendo altamente os seguintes livros listados abaixo. Confira a lista abaixo e boas inspirações!
Wonderbook – an illustrated guide to creative fiction – Jeff VanderMeer
O livro Wonderbook, o guia ilustrado para ficção criativa (até então, só disponível em inglês) é a mais incrível ferramenta para auxiliar escritores na hora da falta de inspiração, do bloqueio criativo, ou mesmo que tais problemas não surjam, o livro é sempre um poço infinito de inspiração.
Repleto de ensaios sobre a escrita vindos dos mais diversos autores, entre eles, nomes ilustres como Neal Gaiman, Peter Straub e George Martin e muitos outros grandes escritores. A obra é completamente ilustrada e demonstra que a narrativa pode funcionar como um ser vivo, que tem uma estrutura e que tudo precisa se encaixar para que o organismo possa respirar e ter uma vida plena, de maneira que possa se destacar entre outros seres, ou outras narrativas. A obra inclusive apresenta em diversos tipos de diagramas o ciclo de vida de uma narrativa e de que elementos ela precisa ser formada.
O livro aborda de tudo relacionado à ficção, desde a inspiração, até inícios de narrativas, começos, metades e finais, diversos elementos narrativos como personagem, arco, introdução, desfecho, cenário, diálogos e muito mais. Tudo é sempre ilustrado de uma forma divertida, inspiradora e didática.
Além disso, o livro traz ainda exercícios de escrita criativa que servem para exercitar a criatividade aos poucos, focando em pontos específicos, uma coisa de cada vez, para que depois então, depois de muita prática, o escritor possa juntar todas as suas habilidades narrativas e se dedicar a um trabalho de ficção mais longo e detalhado.
Enfim, é um livro essencial para escritores que buscam inspiração, dicas de escrita ou que simplesmente querem um livro divertido e que, mesmo que indiretamente, acaba por sempre trazer inspiração.
On writing – Stephen King
Quando se fala em Stephen King, a maioria das pessoas imagina livros assustadores, cheios de sangue, assassinos ou monstros – e não nem um pouco errados, claro, pois King é mestre em assustar e a maioria de seus livros é de terror. E digo ainda que do melhor terror dos dias atuais. Porém, não só terror encontramos nas palavras de King. Além de alguns dramas e suspenses, Stephen King escreveu um livro chamado On Writing (cuja tradução ainda será lançada no Brasil pela primeira vez em 2015), no qual conta sobre sua relação com a escrita. E como a vida de um grande escritor como ele tem como base a escrita, o livro é também uma espécie de autobiografia também, mas voltada à sua carreira de escritor.
Em On Writing, King conta desde sua infância, sobre como se interessou por literatura, encontrando livros antigos em caixas de coisas que pertenciam a seu pai – entre essas coisas, muitos livros, inclusive obras de Lovecraft, alguns de seus primeiros contatos com o terror. Conta também como ele costumava ter como um dos principais divertimentos ir ao cinema local assistir àqueles filmes de terror antigos, muitos dos quais hoje em dia são conhecidos como filmes B ou terror trash (os quais ele comenta mais a fundo em Dança Macabra). Além disso, ele comenta mais sobre como desenvolveu o gosto pelo terror e pela escrita, sobre seus primeiros contos enviados para publicação, e claro, as primeiras cartas de rejeição. Na época em que King começou a escrever, existiam nos Estados Unidos diversas revistas de terror que recebiam contos para avaliação, e King foi persistente e teve diversos trabalhos rejeitados até conseguir publicar uma boa quantidade de contos e chegar a conseguir publicar seu primeiro romance, Carrie.
King conta, inclusive, curiosos rituais (os quais não contarei aqui para não tirar a graça de ler o livro, apesar de que eu não considere exatamente como spoiler, por não ser ficção) de como guardar as cartas de rejeição e como, em vez de deixar que isso o desanimasse, ele se motivava cada vez mais. Além de contar sobre seus primeiros contatos com literatura, terror e escrita, King fala sobre sua vida particular também, sobre sua família, sua mãe e seus irmãos, sobre como conheceu sua esposa e sobre seus problemas pessoais, nem um pouco leves. King teve problemas graves com alcoolismo e uso de drogas, e diz ter escrito o romance Cujo inteiro sobre efeito de drogas ao ponto de não se lembrar sobre ter escrito certos trechos do livro. Ele comenta como o livro Misery é, de certa forma, uma metáfora para essa fase de sua vida, como a personagem que tortura o protagonista, o obrigando a escrever (em Misery um escritor é seqüestrado por uma fã psicopata que o tortura para que ele escreva para ela).
E, depois de contar um pouco sobre sua vida pessoal, seus problemas e como a escrita influenciou tudo isso, King passa para a parte prática: ele explica desde a melhor forma de organizar um quarto para escrever, até coisas bem básicas, mas importantes, como conhecer bem a gramática, ter um bom vocabulário, muita dedicação e diversas outras coisas que não cabem em uma resenha, mas que são muito úteis para quem quer escrever. Ou para quem simplesmente tem curiosidade sobre a carreira de King ou sobre o que ele diria como conselho a jovens escritores.
Make Good Art – Neil Gaiman
Nem todos os melhores livros começaram com uma ideia de um livro realmente, e este aqui é um ótimo exemplo disso. O livro “Make good art” é uma versão impressa de um incrível discurso de Neil Gaiman para uma turma de formandos sortudos de artes. No livro, assim como no discurso, Gaiman conta um pouco sobre sua própria experiência, conta sobre como porque acabou virando escritor, as dificuldades enfrentadas e inclusive seus medos – até mesmo aqueles que nascem do sucesso.
Entretanto, Gaiman não só conta sobre sua trajetória como também faz interessantes reflexões sobre a importância dos erros em tudo isso. Gaiman mostra como tudo pode ser transformado em arte, até dias ruins podem e devem resultar em arte, até erros – ele exemplifica isso contando como surgiu o nome de sua personagem Coraline, com uma ocasional inversão da ordem das letras e surgiu um nome novo e original. E também conta sobre a importância de aproveitar o percurso em vez de se preocupar com o depois com se você não vai conseguir sempre ter as melhores idéias ou atingir a perfeição ou qualquer coisa desse tipo, o que acaba tornando-se um empecilho para que muitos desistam – seja da escrita, da arte ou de qualquer outra coisa.
Isso tudo é o conteúdo presente no livro e no discurso do qual ele se originou. Um encorajamento singular a viver como um artista, valorizando inclusive cada erro e aproveitando – sobretudo aproveitando o caminho, vivendo e escrevendo sem se prender demais a preocupações (conselho dado a Gaiman por ninguém menos do que Stephen King! You should enjoy it.) Agora, além do conteúdo impressionante, com as sábias palavras de Gaiman, o livro ainda foi projetado com um design único, no qual cada frase é escrita com fontes e cores diferentes, enfatizando determinados trechos, deixando outros menores, como se fossem ditos em voz baixa, e até mesmo com palavras escritas ao contrário.
O livro, assim como o discurso do autor, é uma obra de arte, essencial para todo escritor, artista e ser humano que queira conseguir ver o mundo – e algum sentido no mundo – através das palavras de Gaiman. Portanto, leia o livro, veja o discurso abaixo. Ou não. Mas cometa erros, erros fantásticos. E, como diz Gaiman, faça boa arte.
Ofício da Palavra – organizado por José Eduardo Gonçalves
Esta coletânea apresenta entrevistas com diversos escritores contemporâneos, entre eles, Milton Hatoum, Ferreira Gullar, Carola Saavedra, Daniel Galera e muitos outros. Em cada parte do livro nos deparamos com uma diferente trajetória, uma diferente vida direcionada à literatura.
Tal leitura nos possibilita observar como a literatura nasce nas pessoas, quais caminhos levam pessoas distintas a buscar uma espécie de salvação nas palavras, e então se dedicar a viver por elas, através delas.
Este livro é uma coletânea de depoimentos dos escritores para o projeto chamado Ofício da Palavra, que ocorre mensalmente no Museu de Artes e Ofícios em Belo Horizonte. Foram selecionadas para esta obra 11 entrevistas com 11 autores de forma a buscar respostas para compreender o que move um escritor.
Uma obra altamente recomendada a jovens autores que desejam conhecer melhor o mercado literário e entender como é a vida de grandes escritores.
Para ler como um escritor – Francine Prose
Muitos escritores iniciantes ou já experientes, que desejam entender melhor como funciona o processo de escrita, poderiam maravilhar-se com a leitura deste livro. Não é um livro que dita regras, mas que, pelo contrário, na maioria de suas páginas, mostra como muitos dos maiores autores de grandes clássicos da literatura inovaram quebrando regras. Escrito por Francine Prose, autora de diversas obras de ficção, finalista do National Book Award e professora de criação literária por mais de vinte anos, essa é uma obra que reúne trechos dos mais diversos clássicos da literatura, incluindo autores como Charles Dickens, Jane Austen, Vladimir Nabokov, entre muitos outros, até um capítulo inteiro sobre o que se pode aprender a partir da leitura de contos de Tchekhov.
Prose (nome um tanto interessante para uma escritora e professora de criação literária!) analisa detalhes das obras que podem passar despercebidos por muitos leitores, mas que fazem toda a diferença: desde a escolha de determinada palavra e em como isso influencia a narrativa, a fluência do texto e as informações reveladas, até como os parágrafos são divididos e porquê. Em cada capítulo, uma parte do texto é analisada, com trechos de obras clássicas como exemplos, mostrando como cada detalhe importa.
Há um capítulo analisando como o autor pode mostrar muito sobre os personagens com um diálogo bem construído, em contraste ao que ocorreria se fosse um diálogo superficial e automático (o exemplo do diálogo bem construído é de uma obra de Jane Austen). Em outro capítulo, a autora demonstra como alguns autores conseguem revelar muito sobre um personagem ou sobre um enredo em poucas palavras, sem ser uma narrativa que soe apressada e sem palavras irrelevantes. Um dos últimos capítulos é uma análise interessante do estilo de escrita de Tchekhov, das temáticas simples e ao mesmo tempo originais de seus contos e de seu jeito de escrever. E, o mais importante, o que se pode aprender observando a forma de escrever do autor. No final da obra, há uma lista de livros recomendados para ler utilizando esse método de leitura atenta indicado pela autora.
A edição traduzida inclui também um capítulo extra, chamado “Posfácio à moda da casa”, escrito por Italo Moriconi, o qual analisa algumas obras nacionais clássicas (de escritores como Drummond, Machado, Graciliano Ramos, entre outros) no estilo de análise feito por Prose, apresentando exemplos de detalhes e elementos chave observados em tais obras que podem guiar o leitor a observar o que funciona melhor para cada caso de escrita, e inclusive como autores que quebram estabelecidas “regras” conseguem fazer isso de maneira a criar um efeito positivo e porquê. Neste posfácio, Italo Moricone inclusive observa a mensagem geral do livro de Prose: “Aperfeiçoar-se como escritor é sobretudo aperfeiçoar-se como leitor.”
Enfim, esse livro não apenas fornece dicas, conselhos de escrita, mas mostra como prestar atenção a elementos chave da narrativa (ou diálogo escrito) para aprender mais com cada leitura, de forma a ler como um escritor – ler aprendendo, observando os efeitos narrativos de cada obra e analisando como tais efeitos foram construídos e com que elementos. É um livro que merece ser lido e relido com atenção, um livro para quem gosta de escrever e deseja escrever melhor ou para quem gosta mesmo só de ler e quer tentar compreender melhor o motivo por trás de cada palavra escrita.
Então queres ser um escritor? – Charles Bukowski
(Tradução: Manuel A. Domingos)
se não sai de ti a explodir
apesar de tudo,
não o faças.
a menos que saia sem perguntar do teu
coração, da tua cabeça, da tua boca
das tuas entranhas,
não o faças.
se tens que estar horas sentado
a olhar para um ecrã de computador
ou curvado sobre a tua
máquina de escrever
procurando as palavras,
não o faças.
se o fazes por dinheiro ou
fama,
não o faças.
se o fazes para teres
mulheres na tua cama,
não o faças.
se tens que te sentar e
reescrever uma e outra vez,
não o faças.
se dá trabalho só pensar em fazê-lo,
não o faças.
se tentas escrever como outros escreveram,
não o faças.
se tens que esperar para que saia de ti
a gritar,
então espera pacientemente.
se nunca sair de ti a gritar,
faz outra coisa.
se tens que o ler primeiro à tua mulher
ou namorada ou namorado
ou pais ou a quem quer que seja,
não estás preparado.
não sejas como muitos escritores,
não sejas como milhares de
pessoas que se consideram escritores,
não sejas chato nem aborrecido e
pedante, não te consumas com auto-devoção.
as bibliotecas de todo o mundo têm
bocejado até
adormecer
com os da tua espécie.
não sejas mais um.
não o faças.
a menos que saia da
tua alma como um míssil,
a menos que o estar parado
te leve à loucura ou
ao suicídio ou homicídio,
não o faças.
a menos que o sol dentro de ti
te queime as tripas,
não o faças.
quando chegar mesmo a altura,
e se foste escolhido,
vai acontecer
por si só e continuará a acontecer
até que tu morras ou morra em ti.
não há outra alternativa.
e nunca houve.