A maioria dos livros e filmes certamente trazem algum tipo mensagem. Star Wars nos ensina a combater o mal em nós mesmos a fim de combater o mal que está fora; O Poderoso Chefão nos alerta sobre as forças corruptas cheias de ganância; e Atividade Paranormal promove sustos.
Infelizmente, algumas vezes a mensagem se perde e os fãs interpretam as obras tão mal que acabam se tornando exatamente o oposto, as mesmas coisas que os autores nos alertaram sobre, com resultados engraçados e/ou desastrosos.
1. O Grande Gatsby – Critica e inspira festas
O Grande Gatsby é um romance americano dos anos de 1920 com uma profunda crítica ao estilo de vida comodista de pessoas ricas, com mais dinheiro do que escrúpulos. É verdade que a história mostra algumas festas, mas Gatsby só vai a elas para atrair uma mulher bobinha e inocente – um relacionamento que não termina bem. Como resultado, as festas de Gatsby se tornam negócios vazios e sem sentido – algumas vezes literalmente vazias, que nem aquela parte em que ele liga todas as luzes pensando que está dando uma festa, mas não tem ninguém lá.
Devido ao tom crítico e o fim trágico, a história é chamada de “conto preventivo da desvantagem decadente do sonho americano.” Você pode discutir se a adaptação do filme de grande orçamento com o Leo DiCaprio compreendeu a mensagem do livro ou não, mas eu sei um grupo de pessoas que absolutamente não entendeu nada.
Os fãs que perderam o ponto
Sim, conclui-se que, quando a sua história tem pessoas ricas vestidas fabulosamente em um ambiente luxuoso bebendo um licor elegante, os fãs não são tão propensos a dizer “Olha só para o egoísmo, hipocrisia, e vácuo moral, que horrível!”; quanto são a dizer “Essa festa é SENSACIONAL. Quero fazer isso.” Por exemplo, as pessoas ricas adoram dar festas Gatsby, sem saber que invocar o nome do romance basicamente equivale a admitir que o mundo seria um lugar muito melhor sem você – uma pessoa de classe média.
Alguns anos atrás, o Príncipe Harry participou de uma festa de 21 anos no estilo Gatsby que custou 25.000 dólares. No ano seguinte, Paul McCartney deu uma festa de gala caríssima no mesmo estilo (pelo menos ele é britânico, então no caso dele poderíamos até entender que ele quisesse dançar em cima do “sonho americano”). Se você aventurar-se no site Pinterest, vai achar páginas e páginas de usuários coletando material para casamentos no mesmo estilo Gatsby.
A mania Gatsby aumentou mesmo antes do lançamento do filme. Em Londres, os jornais tiveram que informar seus leitores sobre qual das muitas festas Gatsby deveriam “favorecer” o filme. O CNN, na verdade admitindo que o livro criticava esse tipo de coisa, mostrou um guia (manual) de como hospedar seu próprio Gatsby.
Ah, e nem os bebês escapam.
2. 127 Horas – Os fãs adoram ficar presos nos canyons
127 Horas é um filme estrelado por James Franco como um andarilho, Aron Ralston, que em 2003 foi escalar no Blue John Canyon, em Utah, aí caiu numa ravina e ficou preso embaixo de uma rocha. Visto que Ralston não contou a ninguém sobre seu “passeio”, ninguém soube por onde procurá-lo, e ele acabou tendo que passar 127 horas infernais preso no canyon… ah, e teve de amputar seu próprio braço com um canivete multi uso para escapar.
Os fãs que perderam o ponto
O filme tem uma moral muito clara: pelo amor de Deus, se você for escalar sozinho, conte para alguém aonde você vai e tenha cuidado! Ou então você vai ter que cortar a porra do seu braço fora. E ainda teve gente, como o alpinista Wayne Richards, que terminou o filme pensando: “Não seria legal escalar exatamente nesse lugar como cara aí fez, e também não avisar pra ninguém?”.
Saiba de uma coisa, Richards não era um idiota de 20 anos – ele tinha 64 anos. E, enquanto desceu mais de 18 metros de uma ravina com mais de 21 metros de profundidade, Richards escorregou e caiu ao menos 3 metros até o fundo. Durante a queda, ele deslocou o ombro, bateu a cabeça numa pedra e quebrou a perna. Custou quatro dias a Richard rastejando para fora da ravina, e na hora em que os guardas do parque o encontraram, ele já tinha acabado toda sua água.
Se alguém adaptasse sua história para as telonas, seria chamada de 96 Horas (de estupidez).
No fim das contas, foi a idiotice coletiva dos fãs de 127 Horas que salvaram Richards. Os guardas do parque no Blue John Canyon perceberam que Richards estava desaparecido porque todos estavam acostumados ao afluxo de alpinistas entusiásticos desde o lançamento do filme. Na verdade, desde 2005 (a biografia de Ralston saiu em 2004), mais de 24 resgates foram feitos na mesma área. Entre 1998 e o incidente de Ralston, o número era: zero.
Que esta seja uma lição para roteiristas hollywoodianos em todos os lugares: Se você escrever um filme onde o personagem principal é forçado a cortar fora o próprio membro e beber sua própria urina, as pessoas vão sair para tentar acabar na mesma situação.
3. A Natureza Selvagem – Inspira os fãs a se perderem na selva
Na Natureza Selvagem (tanto o livro quanto o filme de 2007) conta a história real de Christopher McCandless, também conhecido como Alexander Supertramp, um jovem idealista que lidou com a falta de rumo da vida pós-faculdade para viver sozinho no deserto do Alasca – isso foi nos anos 90, então sua única outra opção era formar uma banda de rock alternativo.
Alex teve uma ideia bastante equivocada, já que sua aventura foi impulsionada mais pelo “mal-entendido Emerson e Thoreau” e menos por “saber o que diabos ele está fazendo.”
McCandless (Supertramp, como queira) morreu sozinho num ônibus abandonado no meio do nada, mas nem o filme nem o livro coibiu esse fato, retratando-o como um bom rapaz que foi vítima de algumas escolhas erradas.
Os fãs que perderam o ponto
Então o que você faz depois de ler um livro onde o personagem principal termina tendo uma morte lenta, miserável pela sua própria estupidez? Você copia a estupidez, obviamente. Desde que o livro foi publicado centenas (se não milhares) de fãs têm feito seu percurso ao local onde McCandless morreu. Nem todos sobreviveram também.
Em 2010, uma fã suíça morreu tentando atravessar um rio traiçoeiro no seu percurso para ver o ônibus – o mesmo rio que McCandless ficou preso. Outro jovem fã de Oklahoma está desaparecido desde março deste ano depois de dar uma de McCandless nas montanhas do Oregon. Ao menos esses dois estavam (um pouco) preparados. Outros, como o fã Marc Paterson, decidiram que teriam de fazer a viagem mais autêntica o possível… o que significa tomar a mesma rota (ridiculamente perigosa) como o nosso herói, e levar a mesma quantidade limitada de suprimentos, comida e bom senso que McCandless tinha.
Fãs como Paterson falam sobre testar seus limites e se rebelar contra a vida moderna, mas aí que está: esse plano não funcionou tão bem para McCandless. Como evidenciado pelos jornais, a sua jornada não levou a qualquer tipo de maior iluminação – ele estava com fome, medo e tentando escapar daquele lugar. Se ele tivesse deparado com um McDonald’s, teria trocado toda a sua filosofia por alguns McNuggets.
Mas, ei, Paterson se equipou com algo vital que McCandless não tinha: uma cópia de Na Natureza Selvagem. Mal posso esperar até que ele chegue ao fim.
4. A Revolta de Atlas(Atlas Shrugged) – Os fãs amam ajuda do governo e leis estúpidas
Atlas Shrugged é um livro de ficção da autora e filósofa Ayn Rand publicado em 1957. Ganhou uma versão em filme chamado Atlas Shrugged: Part I lançado em 15 de abril de 2011, e não foi lançado no Brasil.
A maioria dos livros é fácil de interpretar mal, de uma forma ou de outra, mas você não pode fazer isso com A Revolta de Atlas, por mais que você tente. Além de seus contínuos, explícitos, enormes monólogos, a autora dedica 60 páginas para um discurso de três horas ininterruptas, que estabelece cada pedacinho da filosofia dela – chamado objetivismo. Tal discurso instiga e mostra várias coisas como egoísmo sobre o altruísmo, o desejo sobre a proibição, a racionalidade sobre a fé, e, acima de tudo, a loquacidade (tagarelice) sobre a concisão.
Os fãs que perderam o ponto
Se tivesse que listar todos os que disseram que gostaram de A Revolta de Atlas, mas, em seguida, fizeram o contrário do que diz o livro, ficaria aqui o dia todo. Mas eu posso listar aqui os mais ridículos.
Um monte de CEOs (Diretores Executivos), por exemplo, amam a obra, o que não é muito surpreendente, já que a maioria dos heróis do livro são CEOs. No entanto, esses fãs parecem se esquecer, ou ignorar, que os vilões do livro também são CEOs. Então, quando as ações da AIG (Grupo Americano Internacional) dispararam depois que o governo ajudou-os com 85 milhões de dólares e o CEO Bob Benmosche pensou que ele merecia um tapinha nas costas, o mesmo escreveu: “Como eu aprendi em A Revolta de Atlas: encontre sua gratificação dentro de você.” Os vilões de A Revolta de Atlas eram CEOs que arruinaram a economia, mas lucraram com ajuda do governo.
Enquanto isso, o livro também critica as ações de tortura do governo e assassinato planejado, denuncia o conceito de religião, e ridiculariza veementemente quem confia sentimentos sobre fatos científicos.
Mas o prêmio de “Absolutamente Pior Má Interpretação Do Revolta de Atlas” tem que ir para o senador estadual de Idaho, nos EUA, John Goedde. Goedde disse que o livro lhe ensinou a ter responsabilidade pessoal, e convenceu seu filho a ser um Republicano. Então quando ele se viu irritado com algumas mudanças nos quesitos de graduação de seu estado, ele apresentou (em grande parte simbólico) uma legislação obrigando todos os alunos a lerem A Revolta de Atlas antes de se formarem.
Isso mesmo: ele ficaria preocupado que seus alunos tivessem crescendo acreditando que o governo podia coagi-los? Não, por que ficaria? Melhor ter um governo coagindo-os a ler um livro contra a coerção do governo! Esse é o truque.
5. Procurando Nemo – Inspira as crianças a separar peixinhos de suas pobres famílias
Procurando Nemo conta a história de um peixe capturado e preso num aquário, até que seu pai, Marlin, o encontra e os dois escapam de volta para o mar. Até mesmo uma criança de 5 anos pode dizer que esse filme exatamente não mostra que é para se manter os peixes como mascotes: a pesca é retratado como um sequestro, o aquário é retratado como uma prisão, e a coisa mais próxima de um vilão no filme é uma menina feiosa que continua matando acidentalmente seus peixes de estimação, agitando o saquinho onde eles vivem.
Os fãs que perderam o ponto
Então, naturalmente, milhares de crianças que amavam o filme pensaram: “Vamos sequestrar um peixe fofinho e manter ele numa prisão cruel!”
A demanda pelos peixes tropicais explodiu logo após o lançamento do filme, especialmente para o peixe-palhaço e o cirurgião patela (este é o nome da espécie da Dory, pessoal). E assim como a garotinha do mal no filme, muitos donos dos peixinhos não tinham ideia de como cuidar deles e terminaram os matando. Veja só, peixes de água salgada tropical não são os peixes que você pode simplesmente jogar num aquário qualquer; eles precisam de um aquário de 30 litros com níveis de salinidade cuidadosamente controlados, ou eles morrem… mas a maioria das crianças parou de ouvir as instruções em “água salgada”.
O aumento da demanda pegou os importadores de peixes de surpresa. Eles terminaram de assistir Procurando Nemo pela primeira vez preocupadíssimos, porque a moral era claramente: “os peixes não devem ser separados de seus amigos do oceano”; mas então (surpresa!) o público comprou tantos peixes que eles, os importadores, ameaçaram seções inteiras do recife representado no filme. Populações de peixes-palhaço caíram em 75% em algumas áreas.
Isso não é a primeira vez que algo assim acontece. Esses modismos geralmente surgem quando um filme retrata o que os animais de estimação encantadores, como os dálmatas em 101 Dálmatas (que na verdade não são tão dóceis como se pensa), ou as corujas de Harry Potter (a maioria foi jogada fora quando descobriram que não concediam poderes mágicos ou sotaques britânicos), mas Procurando Nemo é diferente, porque desta vez toda a premissa do filme era libertar o animal.
Os donos que tomaram essa premissa de forma mais “sentimental”, não responderam muito melhor. Alguns soltaram seus peixes venenosos no oceano, destruindo o equilíbrio ecológico da Flórida. Outros jogaram seus peixes no vaso sanitário e deram descarga para libertá-los – coitados, morreram antes mesmo de chegar aos esgotos.
Espero que quando a Pixar fizer a continuação, que a mensagem seja: “Sequestrar peixe é legal e você deve matá-los tanto quanto possível.” Assim talvez o público aja certo.