Já é quase um axioma para todos nós, dito e repetido pela sociedade – até mesmo por aqueles que não leem – que a leitura é capaz de transportar para outros mundos, provocar experiências e vivências que não teríamos em nossas vidas, pode muitas vezes ampliar nossa capacidade de percepção, e até a empatia, além disso nos transporta cultura, conhecimento e, por fim, mas não menos importante, nos diverte. Também é dito que o cinema é arte, com sua fotografia, trilha sonora, diálogos, construção de personagens e cenas memoráveis, que ademais nos exercitam a mente.
Também, hoje, sabemos que os aparelhos eletrônicos e a indústria do entretenimento têm se feito cada vez mais presente, tomando o tempo de atividades que seriam produtivas para provocar entretenimento e nos deixar ligados, presos e perdidos em meio à tanta velocidade e informação. Mas quando algumas pessoas acusam tais aparelhos eletrônicos, como os videogames, de substituírem a leitura – ou um bom filme – em troca puro entretenimento, vemos que o acusador não percebeu os benefícios que muitas vezes, ele – um leitor, ou cinéfilo, prazeroso –, que não um crítico literário ou de cinema, vê na leitura, mas não nos aparelhos eletrônicos por estes serem ainda muito recentes em nossas vidas.
Digo que não um crítico literário ou de cinema, pois as análises seriam, logicamente, diferentes – além de ressaltar as suas diferenças estruturais e básicas.
Se voltarmos no tempo, quando os romances começaram a ser popularizados, eram considerados, tal como hoje em dia os videogames são: uma forma de entretenimento, que deixava os jovens tão imersos que as desligavam da vida real. E, para início de conversa meu querido leitor, livros e os jogos não apresentam tantas diferenças assim – além da máxima apresentada acima – inclusive, há jogos que são adaptações de livros, tais como Metrô 2033 ou como a aclamadíssima saga The Witcher, e livros que são adaptações de jogos.
Desconsiderando jogos meramente educativos – pois assim como a literatura e filmes, não possuem essa função única mas o fazem de maneira lúdica – ao ligarmos um vídeo game e entrarmos nesse mundo completamente novo que é o do jogo, já se inicia o processo de estranhamento que muitas vezes é causado pela literatura em nós: “não estamos” mais naquilo que é real, mas há certos graus de proximidade que não nos permitem desligar por completo, e sim fazer associações, mudar e amplificar nossa percepção.
Muitas vezes nos apegamos a personagens, às suas histórias, àquilo que vivemos com eles no decorrer das histórias. Um exemplo claro desses jogos é o também aclamado The Last of Us, que tem uma história com gráficos e trilhas sonoras tão envolventes que, você dentro do jogo, se sente preocupado com a Ellie, garota que você deve proteger, mas que não é de um todo indefesa – perceba aí, leitor, a construção de personagens –; se sente irritado quando ocorrem emboscadas e surpreendido com os plot twists no roteiro. O próprio prólogo do jogo, em vinte minutos aproximadamente, já traz um, que é capaz de arrancar lágrimas dos olhos de quem joga.
Os videogames não provocam uma experiência unicamente audiovisual como o cinema, que em certos graus é mais “passiva” que a de um jogo, nem de um todo imaginativa e imersiva como a literatura, mas não é por entreterem – tal como as duas categorias de arte fazem – que se deve desvalorizar esse novo instrumento de se fazer e sentir a arte. Há jogos magistrais que são de encantar os olhos, ainda mais com os gráficos das novas gerações; ou com gráficos 2D, como Child of Light, que tem um esmero até nas rimas dos diálogos do jogo; há jogos que tem trilhas sonoras que também são ótimas, que tocam, inclusive, músicas clássicas, e há jogos meia-boca, como nas outras duas formas também o há.
A cultura de um povo pode ser muito bem abordada e muitas vezes até a história pode ser contada através dos jogos, não como uma descrição de eventos fidedigna tal como um romance histórico faria, mas pela própria experiência da pessoa estar vendo, ouvindo, e controlando uma personagem no decorrer dos eventos históricos: Assassins Creed – apesar de muitos pesares – consegue nos transportar para épocas distintas e ver cidades com uma proximidade com o que nos é retratado em livros de história e quadros de uma maneira magnífica, o novo Far Cry Primal que traz a Idade da Pedra para o jogador, incluindo um idioma arcaico e limitado; ou o atual Battlefield 1 que será lançado e trará as batalhas das trincheiras da Primeira Guerra Mundial para a nossa casa.
Clara e obviamente, é muito capaz que eventos sejam distorcidos para a adaptação da história e melhor experiência do jogador, mas isso não desqualifica a capacidade de se trazer cultura para quem está ali segurando o controle: não é porque o citado acima Far Cry Primal se passa em um continente fictício, com um povo fictício e idioma fictício que a relação de construção de instrumentos, descobrimento do fogo e sua importância e até a questão linguística sejam deixadas de lado como forma de enriquecimento intelectual de quem joga.
Uma das maiores diferenças que vejo, e ainda bem, entre jogos e outras mídias e artes, é a capacidade de imersão tão grande – como em que games mais atuais – as escolhas do jogador alteram diretamente os eventos no enredo: às vezes, uma ação no início do jogo pode alterar seu final, tal como em The Witcher 3: Wild Hunt, que tem nada mais nada menos que 36 finais diferentes. Essa característica é um pouco inovadora – reconheço apenas nos RPGs de mesa, mas como são jogos de tabuleiro, e não possuem um enredo mais “fixo” como uma obra literária, um filme, ou um videojogo, não acrescentei na matéria, ou, em um exemplo mais antigo como em Chrono Trigger, jogo de 1995 – e amplifica muito a “experiência de vida”, a experiência real de decisão, aprofundando cada vez mais o jogador nesse novo mundo e fortalecendo sua experiência de vida ao jogar.
Disso, se faz perceber, querido leitor, que há semelhanças entre o cerne da literatura e dos jogos que “só vêm para entreter”, tal como eram os romances em seu início, apesar da diferença óbvia entre a maneira em que se é expressada a arte, e que não faz tanto sentido se bufar o ódio quanto a todo tipo de eletrônicos que vem tomando o tempo de todos nós, leitores. Concordo quando vejo que a velocidade e rapidez nos faz ler coisas menores, menos complexas e mais rápidas, mas que, no entanto, não é uma característica que está presente em todos os eletrônicos. Além disso, há sim o bom para ser aproveitado, principalmente nos jogos da nova geração e sua experiência lúdica e imersiva dessa nova forma de arte.
Então, leitor, que tal sentar na sua poltrona, pegar um livro, leia-o, depois pegue um controle, ligue o videogame e jogue feliz.
Aproveite.