Nesta 24ª edição da Bienal de São Paulo, é impossível não lembrar da experiência da última edição em 2014. Uma das melhores oportunidades que a Bienal nos concede é poder conhecer novos autores e também autores já consagrados, que formaram toda uma geração de leitores. Para mim, o mais marcante da última edição se encaixa nesta segunda opção. O encontro que um fã pode ter com seu escritor favorito deixa lembranças que vão além do evento. Assim, no dia 26 de agosto, tive o momento aguardado por mais de dez anos: conhecer Pedro Bandeira.
O primeiro livro que li do autor foi Droga da obediência, para um trabalho de escola. Achei curiosa a presença de adolescentes tentando desvendar um mistério, como se fossem detetives tão bons quanto Sherlock Holmes, e logo me vi muito envolvida. O crime ainda ocorria nos colégios de São Paulo e essa atmosfera próxima da minha vivência acabou me conquistando. Eu ficava imaginando como seria legal resolver um mistério na minha própria escola.
Depois desse livro, passei a procurar loucamente pelos outros livros em sebos e livrarias. Veio Droga do Amor, Droga de Americana, Pântano de Sangue, Anjo da Morte. Os Karas, grupo composto por Magrí, Miguel, Chumbinho, Calu, Crânio já tinha entrado na minha vida para ficar. E se hoje eu não lembro dos enredos com tantos detalhes, alguns flashes do cenário e dos personagens acabaram grudando na minha memória, onde as palavras do autor habitam.
Conhecer Pedro Bandeira, então, foi o momento em que essas pequenas sensações guardadas lá atrás voltaram, da leitora de 11 anos descobrindo ainda o que significava ser leitora. Bandeira é adorável tanto quanto as suas histórias. Uma garotinha chegou a perguntar qual era a inspiração dele e o autor respondeu “é você”. Os personagens que ele criou são do leitor e o leitor ao mesmo tempo, como ele diz. São livres para se tornarem o que o jovem e a criança estão vivendo. Por isso, os Karas somos nós. Ao procurar os outros livros nos meus 11 anos de idade, fazia com que eu me sentisse um pouco como Magrí procurando as pistas para desvendar o mistério. Em vez de solucionar crimes, eu era uma investigadora, mas fazia isso buscando histórias.
Bandeira comentou diversos pontos interessantes sobre sua carreira. Começou a escrever romances com quarenta anos, antes disso trabalhava como jornalista. Quando criou O mistério de feiurinha, onde propõe uma releitura dos contos de fadas, pensou por buscar a psicologia da infância neles. O autor explica que se chapeuzinho vermelho utiliza uma capa vermelha e foge do lobo mau, é um indicativo da sua passagem à adolescência e a descoberta de que nem todos que a procuram no bosque podem ser bem-intencionados. Se a madrasta da Branca de Neve deseja matar a mocinha é porque ela tenta a todo custo matar o próprio conceito de beleza que a aterroriza quando se olha no espelho esperando a beleza eterna, o ato é uma amostra da inveja e do desejo irrefreável pela juventude.
Esses enredos são universais pois preservam uma herança cultural em forma de alegoria para os primeiros conhecimentos da criança sobre o mundo. A criança se vê literalmente no personagem da história, é assim que se encaixa e se descobre no mundo. E o mais curioso é que ao notar que Pedro fala com propriedade sobre os contos de fadas, ele também encontrou esse ponto universal na adolescência. “Os meus Karas são como os Três Mosqueteiros”. Por isso seus personagens são tão palpáveis. Tanto que o autor disse cuidar mais do personagem, empenha-se mais em criá-lo, para que a gente se encontre nele, do que no cenário. Pois o que fica é a experiência pelos olhos deste personagem.
O autor também comentou que trouxe os Karas de volta no livro A Droga da amizade, lançado na última edição da Bienal. A dificuldade foi lidar com o fato de que seus personagens cresceram muito e hoje os tempos são outros. Para desvendar um mistério, a internet acabaria por cortar muitos dos passos que antes envolviam o processo de achar as pistas para o grupo. Bandeira tentou fazer A Droga Virtual, mas a cada instante vinha um novo software e o enredo parecia atrasado. Assim, A Droga Virtual foi enxugado e se tornou Droga de Americana.
Com essa dificuldade, Pedro achou que não voltaria aos Karas. Mas então veio a ideia de apresentar as origens do grupo e como estão atualmente. Por isso, Bandeira trabalhou em A Droga da amizade aos poucos por 14 anos e o tornou um livro de nostalgia, trazendo os personagens para os dias atuais e mostrando o que aconteceu com aqueles jovens curiosos, hoje adultos, casados, com uma carreira consolidada.
Este presente aos fãs que cresceram revela muito da relação de Pedro Bandeira com seus leitores. Quando questionado se haveria uma dica, uma fórmula para quem deseja escrever para o público infanto-juvenil, Bandeira se mostra simples, dizendo que precisa saber ouvir o leitor jovem, escrever e se colocar como ele no enredo. E deixá-lo livre para recriar o personagem de acordo com sua própria experiência.
Foi bem rapidinho que eu consegui um autógrafo do Pedro, havia muitas crianças em volta dele e pouco tempo, já que haveria apenas a palestra. Mas ele fazia aquilo com tanto gosto e carinho, olhava para as crianças como se realmente as conhecesse. Bom, ele as conhece.
Estar na pequena plateia sentada no chão assistindo o Pedro falar nessa conversa tão informal, com crianças ansiosas por conhecê-lo e adultos ansiosos por conhecer a mente que os despertou ao mundo dos livros, foi o mesmo que conhecer o grande contador de histórias que mora na nossa imaginação. Pedro já se tornou um amigo de longa data. Vê-lo tão pertinho foi o mesmo que dar vida a esses anos cultivando o amor pelos livros. Várias gerações se encontrando para ouvir um escritor jovial e doce, que conhece como ninguém o desafio que é ser criança e adolescente.
Publicado no Literatortura 02/09/2014