Um avião repleto de passageiros simplesmente apaga assim que chega a Nova Iorque. Todos os tripulantes morrem instantaneamente, misteriosamente. A equipe de Controle de Doenças é chamada e, aos poucos, descobre o inevitável: eles voltaram. Os vampiros estão na América.
A questão é: como combater esses seres? Como evitar o pânico público? Entre essas perguntas e burocracias, a equipe, encarregada de conter o mal formada por Eph e Nora, se vê encurralada pela polícia e pelo governo, não muito interessados em saber a verdade, e busca refúgio e explicações com Setrakian, um antigo professor e estudioso dos vampiros. Este senhor, sobrevivente dos campos de concentração da segunda guerra, já há muito estuda e procura destruir o vampiro principal, espécie de “drácula”, chamado de Mestre.
Noturno, de Guillermo Del Toro e Chuck Hogan é o primeiro livro da Trilogia da Escuridão em que um grupo de pessoas unidas por motivos distintos se veem nessa batalha para conter a completa dominação da nossa civilização por vampiros que se proliferam em progressão geométrica. O livro, dividido em capítulos de pequenos trechos, nos expõe fragmentariamente como todas as esferas do sistema capitalista americano se mobiliza, se sente abalado e até se aproveita dessa praga que assola a sociedade.
Não se pode dizer como funciona a escrita a quatro mãos de Del Toro e Hogan, mas se percebe claramente uma característica planificadora da linguagem para que não haja nada marcante na escrita como estilo de um escritor individual, a não ser o linguajar comum aos livros do gênerothriller. Entre esses clichês do estilo vemos, por exemplo, o uso de itálico, de reticências, um vocabulário que busca intensificar o suspense com inventividade, com termos um tanto quanto bizarros como “calafrios como orgasmos invertidos”, entre outros.
E esse formato baseado no estilo não fica restrito à linguagem, mas atinge também o conteúdo e a forma. Entre eles, pode-se destacar a narrativa que começa se utilizando de exotismo geográfico, dando uma origem mitológica dos vampiros para uma Romênia muito antiga, agregado a um fetichismo sexual da parceria de trabalho entre Eph e Nora, além da super batida criação de um laço afetivo paternal entre Eph e seu filho Zach. Ah…e para completar: um eclipse em plena tarde, com uma imensa lua que tapa o sol e faz a cidade escurecer por 5 minutos, abrindo as portas para o mal. Essa tríade: exotismo, fetiche e amor paterno não deixa qualquer leitor escapar da atração do livro, tal qual um imã, como se ele fosse também uma espécie de vampirinho consumidor de nossas frágeis mentes.
Outra característica interessante do livro, que também é comum ao gênero, é o excesso de informações científicas, de cultura geral, como o funcionamento de aviões e de organismos, e de espadas, e de combate aos ratos e dos dutos subterrâneos de Nova Iorque. Aliás, me parece marcado o fascínio americano pelos seus esgotos. Talvez seja por eles que todos os dejetos e tudo aquilo que eles não querem ver, mas sabem que produzem, se liberta via sujeira, merda, podridão.
O próprio professor Setrakian, que faz papel do “Van Helsing” do livro, aponta um ceticismo americano, uma capacidade de simplificação que joga tudo para debaixo dos tapetes como um dos problemas para enfrentam os vampiros:
Vocês simplificam porque não conseguem acreditar. Reduzem e minimizam, porque foram criados para duvidar e desmascarar. Reduzir tudo a um pequeno conjunto conhecido, para facilitar a digestão. (…) estamos nos Estados Unidos onde tudo é conhecido e compreendido, Deus é um ditador benevolente e o futuro precisa ser sempre brilhante.
Por conta disso que a palavra vampiro só é usada no livro quase pela metade, na página 206, quando já aconteceram várias mortes: é esse o estilo americano, imaginar que o lado sombrio vai ficar para sempre pelos esgotos e nunca terão coragem de emergir para tomar seu lugar. O Dr. Eph, protagonista do livro, homem de claramente boa índole se vê muitas vezes incapaz de matar um vampiro, de machucar outro ser, pois como ele mesmo diz, foi criado para lutar contra a doença, não contra as vítimas. Mas a pergunta que faço é: quem são as vítimas e quem são os algozes?
Sertrakin parece saber muito que não são os vampiros os piores seres que existem, quando relembra os campos de concentração:
Um campo de extermínio. Estamos falando de criaturas brutais. Mais brutais do que qualquer predador que alguém pode ter a felicidade de encontrar neste mundo. Oportunistas que encaram os jovens e inválidos como meras presas. No campo, eu e meus companheiros de prisão éramos iguais iguarias magras, colocadas inadvertidamente diante dele.
O esforço para destacar elementos interessantes do livro tem a ver como a necessidade que vejo de não ficar somente no campo narrativo da busca incansável de pessoas atrás de vampiros, mesmo porque, além da caçada, pouca coisa acontece, a não ser alguma simulação de ciência com uma explicação ou outra. É verdade que na maior parte do tempo o que se vê são cabeças rolando e sangue branco escorrendo por espadas de prata, mas isso parece que não é suficiente.
Noturno não é dos livros mais interessantes, não apresenta nada de muito novo, além do que já lemos em obras de vampiro até mais interessante como a série de André Vianco que começa com Os Sete. No entanto, serve para um entretenimento entre um livro e outro, serve para ver Del Toro em outros campos de atuação. A impressão que me fica, entretanto, é de que ele parece não ser tão bom quanto se pinta e, tirando o excelente Labirinto do Fauno, ele não tem muitas novidades a acrescentar à arte.
Postado originalmente no Indique um Livro:
http://indiqueumlivro.literatortura.com/2013/08/15/noturno-guillermo-del-toro-e-chuck-hogan/