Editora: Autêntica
Tradução: Tomaz Tadeu
Ano: 2015
Páginas: 109
Virginia Woolf se destaca por sua escrita totalmente única: poética, arenosa, suas descrições são quase sensoriais, ao mesmo tempo em que contêm enorme fidedignidade ao real, ao concreto. De maneira paradoxal, Virginia faz tangível o intangível, acessível o inacessível. Em “O Sol e o Peixe”, não é diferente: o livro reúne ensaios que, assim como nos romances da autora, são espetacularmente ricos na forma e no conteúdo.
É interessante que o livro aborde ensaios de diversas temáticas: desde análises filosófico-literárias até relatos pessoas a respeito de sua relação com o pai. Nesta ampla gama de assuntos abordados por Virginia, o que liga suas reflexões sobre o cinema, a doença e a cidade de Londres é o fato de serem, como aponta o subtítulo da obra, prosas poéticas. Ou poesias em prosa. De qualquer forma, os estilos se misturam quando Virginia escreve e sua capacidade singular de ler o mundo de maneira crítica e, ao mesmo tempo, bela, é estonteante.
Gostaria de parar um instante para exemplificar a prosa poética de Virginia no texto “Flanando por Londres”. Nele, a autora fala sobre a necessidade de comprar um lápis; e sai, então, pelas ruas de Londres, a procura do mesmo. Porém, enquanto Virginia segue em busca do lápis, a Vida acontece no mundo e ela não é capaz de ignorá-la: os acontecimentos cotidianos a fazem viajar, devanear, imaginar e refletir sobre verões, pérolas, anãs e miseráveis. Perde-se a busca pelo lápis e a necessidade de tê-lo não é suficiente para bloquear a potência e a vida; Virginia escolhe o desejo em detrimento da ordem da necessidade:
“Mas o que era mesmo? Ah, lembramos, era um lápis. Vamos lá, então, comprar esse lápis. Mas justamente quando nos inclinamos a obedecer o tirano, um outro eu desafia o direito do tirano em insistir. (…) Espraiando por detrás da barra do dever vemos o Tâmisa em toda sua amplitude – largo, choroso, sereno. E o vemos pelos olhos de alguém que o contempla, numa tardezinha de verão, (…), sem nenhuma outra preocupação no mundo. Que a compra do lápis fique para depois: busquemos esse alguém… e logo fica evidente que não se trata de ninguém mais do que nós mesmos”.
Esta é a Virginia que se mostra nesta obra: uma Virginia que não ignora seus desejos e vontades e que não deixa a lei, a ordem e a norma retirarem da vida a beleza: é preciso viver, e não apenas existir. A beleza da vida, tão fortemente retratada na bela escrita da autora, nos puxa para a vida, mesmo que isto signifique viver intensos e insensatos absurdos – “pois nada importa a não ser a vida”. Neste conjunto de escritos e reflexões, a mensagem que Virginia nos deixa é clara, porém raramente nos lembramos dela – nós, metidos em nossas próprias e constantes necessidades de lápis: “movimento e mudança são a essência de nosso ser; a rigidez é morte; o conformismo é morte”.