Cada vez mais nós, mulheres, ocupamos os espaços: a rua, a política, a literatura… com os avanços e a luta por direitos iguais entre homens e mulheres, vemos hoje um mundo muito maior e com mais possibilidades para as mulheres – ainda que haja muito, muito a ser feito para que realmente possamos falar em igualdade de direitos. Na literatura, as mulheres vêm lutando pelo fim da hegemonia do masculino há muito tempo. Algumas, nós conhecemos muito bem: Clarice Lispector, Lygia Fagundes Telles, Adélia Prado. Outras, como Ana Cristina Cesar ou Hilda Hilst, por mais que tenham menos destaque na boca do povo ainda se configuram como escritoras inseridas nos cânones da literatura – certamente como escritoras marginais, mas ainda assim, reconhecidas.
O NotaTerapia selecionou, nesta matéria, uma lista de 12 nomes de grandes escritoras brasileiras que, infelizmente, não figuram nos livros sobre literatura. Suas contribuições literárias e políticas foram muitas. Confira, a seguir, algumas escritoras esquecidas da Literatura Brasileira:
1- Júlia Lopes de Almeida (1862-1934)
Foi escritora e abolicionista. Publicou seus primeiros textos na Gazeta de Campinas. Em uma entrevista a João do Rio, ela confessou que adorava escrever versos – ainda que mulheres na literatura não fosse algo visto com bons olhos à época; por essa razão, escrevia em segredo. Foi pioneira na literatura infantil, tendo seu primeiro livro, Contos Infantis, publicado em 1886 – obra escrita em parceria com a irmã, Adelina Lopes Vieira. Integrava o grupo de escritores e pensadores que planejaram a criação da Academia Brasileira de Letras (ABL), mas seu nome foi excluído na primeira reunião e seus membros optaram por uma academia exclusivamente masculina (a participação de mulheres na ABL só foi possível em 1977 – Rachel de Queiroz passou a ocupar a cadeira número 5). Júlia publicou, durante a vida, romances, contos, novelas, peças de teatro e livros escolares.
2- Maura Lopes Cançado (1929-1993)
A mineira Maura Lopes Cançado publicou, na década de 60, seus dois únicos livros: O Hospício É Deus (1965) e O Sofredor do Ver (1968). Desde criança gostava de contar histórias. Conhecida pela comunidade literária carioca, Maura era tida como uma promessa de grande sucesso. Diagnosticada com esquizofrenia, ela passou por várias instituições de internação, e após matar uma outra paciente em uma delas, foi acusada de homicídio e internada em manicômio judiciário. Assim, foi deixada no esquecimento. Após sua libertação, não voltou a escrever.
“Não dão ao louco nem o direito de ser louco. Por que ninguém castiga o tuberculoso, quando é vítima de uma hemoptise e vomita sangue? Por que os ‘castigos’ aplicados ao doente mental quando ele se mostra sem razão?”
“Nós, mulheres despojadas, sem ontem nem amanhã, tão livres que nos despimos quando queremos. Ou rasgamos os vestidos (o que dá ainda um certo prazer). Ou mordemos. Ou cantamos, alto e reto, quando tudo parece tragado, perdido. (…) Nós, mulheres soltas, que rimos doidas por trás das grades — em excesso de liberdade. (…)”
(Maura Lopes Cançado)
3- Ângela Lago (1945-)
Escritora e ilustradora nascida em Belo Horizonte, Ângela Lago tem a maior parte de sua obra dedicada ao público infantil. Alguns de seus livros são apenas de ilustrações, sem texto. Sua obra Cenas de Rua (1994) é a de maior destaque, tendo sido publicada em diversos países. Dos anos 2000 para cá, uma série de pesquisadores têm dedicado suas pesquisas à obra e vida de Ângela.
4- Adelina Lopes Vieira (1850 – ?)
Irmã de Júlia Lopes de Almeida, Adelina Lopes Vieira foi escritora, contista e teatróloga. Escreveu 8 livros poéticos, teatrais e infantis. Apesar de ter nascido em Portugal, veio ao Brasil com um ano de idade junto da família.
5- Georgeta Araújo (Nola Araújo) (1911-2004)
Neta do fundados d’O Guarany, Nola Araújo escreveu os romances Beijo d’água e Careta, ambos tendo Cachoeira, sua terra natal, como fundo. Também escreveu Crônicas de um tempo, coletânea de artigos publicados no jornal A Tarde e o livro de poesias Expressão.
6- Albertina Bertha (1880-1953)
Nascida no Rio de Janeiro, Albertina Bertha aprendeu língua, estética e filosofia. Foi colaboradora de diversos jornais, entre eles a revista feminina Panóplia. Foi integrante da Academia de Letras de Manaus. Ressalta-se o posicionamento feminista da autora e de suas obras. Defensora do voto feminino e da criação de uma Academia Feminina de Letras, foi uma dura crítica à hegemonia masculina na literatura. Seu primeiro romance, Exaltação, aponta para a hipocrisia da sociedade da época e chama a atenção pelo teor erótico. Ainda que aclamado pela crítica da época, a obra e a autora caíram em esquecimento; há alguns anos, porém, pesquisadores especialmente do Sul do país têm buscado trazer à tona novamente este grande nome de nossa literatura.
7- Teresa Margarida da Silva e Orta (1711-1793)
Considerada a primeira mulher a escrever ficção em língua portuguesa. Inicialmente publicou sob o pseudônimo Dorotéia Engrassia Tavareda Dalmira, um anagrama perfeito de seu nome. Publicou em 1777 Aventuras de Diófanes. Em Obra Reunida, lançada pela Série Revisões, constam textos que escreveu quando enclausurada no Mosteiro de Ferreira e Alves, devido à “insubordinação”.
8- Maria Firmina dos Reis (1825-1917)
Considerada a primeira romancista brasileira, nasceu no Maranhão e, por ser negra, enfrentou muitos preconceitos e barreiras.
Meteram-me a mim e a mais trezentos companheiros de infortúnio e de cativeiro no estreito e infecto porão de um navio. Trinta dias de cruéis tormentos e de falta absoluta de tudo quanto é mais necessário à vida passamos nessa sepultura até que abordamos as praias brasileiras. Para caber a mercadoria humana no porão, fomos amarrados em pé e, para que não houvesse receio de revolta, acorrentados como animais ferozes das nossas matas, que se levam para recreio dos potentados da Europa. (Maria Firmina dos Reis)
O livro Úrsula, por muitos considerados o primeiro romance abolicionista do Brasil, busca desconstruir a hegemonia masculina na literatura inclusive entre escritores negros. É nele, pela primeira vez, que protagoniza-se o negro a partir da escrita de uma negra.
Senhor Deus! quando calará no peito do homem a tua sublime máxima – ama a teu próximo como a ti mesmo – e deixará de oprimir com tão repreensível injustiça ao seu semelhante!… a aquele que também era livre no seu país… aquele que é seu irmão?! E o mísero sofria; porque era escravo, e a escravidão não lhe embrutecera a alma; porque os sentimentos generosos, que Deus lhe implantou no coração, permaneciam intactos, e puros como sua alma. Era infeliz; mas era virtuoso; e por isso seu coração enterneceu-se em presença da dolorosa cena, que se lhe ofereceu à vista. (Maria Firmina dos Reis)
9- Nísia Floresta (1810-1885)
Nísia Floresta foi uma escritora, educadora e poeta brasileira. É considera pioneira do feminismo no Brasil e tematiza, em suas escritas, a ruptura entre público e privado. Seu livro Direitos das mulheres e injustiça dos homens é o primeiro a falar sobre o direitos das mulheres à educação e ao trabalho.
Se cada homem, em particular, fosse obrigado a declarar o que sente a respeito de nosso sexo, encontraríamos todos de acordo em dizer que nós nascemos para seu uso, que não somos próprias senão para procriar e nutrir nossos filhos na infância, reger uma casa, servir, obedecer e aprazer aos nossos amos, isto é, a eles homens. (…) Por que [os homens] se interessam em nos separar das ciências a que temos tanto direito como eles, senão pelo temor de que partilhemos com eles, ou mesmo os excedamos na administração dos cargos públicos, que quase sempre tão vergonhosamente desempenham? (Nísia Floresta)
10- Narcisa Amália (1856-1924)
Além de poeta, foi a primeira jornalista profissional do Brasil. Combateu o regime escravista e também lutou pelos direitos das mulheres.
Dirás que é falso. Não. É certo. Desço
Ao fundo d’alma toda vez que hesito…
Cada vez que uma lágrima ou que um grito
Trai-me a angústia – ao sentir que desfaleço…
E toda assombro, toda amor, confesso,
O limiar desse país bendito
Cruzo: – aguardam-me as festas do infinito!
O horror da vida, deslumbrada, esqueço!
É que há dentro vales, céus, alturas,
Que o olhar do mundo não macula, a terna
Lua, flores, queridas criaturas,
E soa em cada moita, em cada gruta,
A sinfonia da paixão eterna!…
– E eis-me de novo forte para a luta.
(Narcisa Amália)
11- Gilka Machado (1893-1980)
Publicou em 1915, aos 22 anos, seu primeiro livro,Cristais Partidos. Durante a década de 1920, continua a escrever, lançando Estados d’Alma (1917), Mulher Nua(1922), Meu Glorioso Pecado (1928), e Amores que mentiram, que passaram (1928). Seu nome foi um importante nome nos escritos sobre erotismo feminino. Em 1979, recebeu o prêmio Machado de Assis da Academia Brasileira de Letras.
Ser mulher, vir à luz trazendo a alma talhada
para os gozos da vida, a liberdade e o amor,
tentar da glória a etérea e altívola escalada,
na eterna aspiração de um sonho superior…
Ser mulher, desejar outra alma pura e alada
para poder, com ela, o infinito transpor,
sentir a vida triste, insípida, isolada,
buscar um companheiro e encontrar um Senhor…
Ser mulher, calcular todo o infinito curto
para a larga expansão do desejado surto,
no ascenso espiritual aos perfeitos ideais…
Ser mulher, e oh! atroz, tantálica tristeza!
ficar na vida qual uma águia inerte, presa
nos pesados grilhões dos preceitos sociais!
(Gilka Machado)
12- Orides Fontela (1940-1988)
Parte da “geração de 60”, Orides Fontela foi poeta e escreveu poesias que podem ser classificadas como poesias filosóficas. Com uma escrita muito atenta aos detalhes, foi premiada com o Jabuti de Poesia em 1983.
Tudo
será difícil de dizer:
a palavra real
nunca é suave.
(…)
Tudo será
capaz de ferir. Será
agressivamente real.
Tão real que nos despedaça.
Não há piedade nos signos
e nem o amor: o ser
é excessivamente lúcido
e a palavra é densa e nos fere.
(Toda palavra é crueldade.)
(Orides Fontela)
[Informações foram retiradas da internet e, principalmente, do site HomoLiteratus, na matéria “7 autoras esquecidas da literatura brasileira”]
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