Quando dizemos que “Freud é o pai da psicanálise” estamos, de certa forma, usando um conceito freudiano. Seu pensamento sobre os primeiros momentos da vida de uma criança e como tudo em nossa vida se registra em algum espaço de nossa mente – consciente ou subconsciente – pautou grande parte daquilo que se pensou sobre a mente humana durante o final do século XIX e começo do século XX. Há quem diga que Marx e Freud são os grandes pensadores da modernidade, pois juntos compuseram estudos que abarcam tanto a sociedade quanto o homem.
Em 2016, Freud completaria 160 anos e seu trabalho tem sido visto, revisto e estudado. Dois dos seus conceitos mais importantes, além da interpretação dos sonhos, é o de luto e melancolia, análise feita em um texto dedicado apenas a esse tema. O NotaTerapia fez uma análise dessas duas ideias muito caras a todos nós. Confira:
Luto
O luto, de maneira geral, é o sentimento de perda de um objeto amado. O luto, neste sentido, consiste nas etapas em que um sujeito passa na superação deste sentimento que tem, necessariamente, um período de tempo determinado, mesmo que variado. O que compõe o luto, no caso, é a manifestação externa de que “algo precisa ser feito” em relação a esse objeto ou pessoa.
Assim, o luto é uma reação a perda de algo e não implica condição patológica desde que seja superado após certo período de tempo. O luto se parece em larga medida à melancolia, com a diferença de que, neste caso, há existe o objeto perdido, enquanto que na melancolia o objeto nem sempre é algo definido. A característica de maior peso na diferenciação dos dois estados é presença de baixa auto-estima e auto-recriminação muitos comuns na Melancolia e inexistentes no luto normal.
No luto profundo existe a perda de interesse pelo mundo externo a não ser que se trate de circunstâncias ligadas ao objeto perdido. Há a dificuldade de adotar um novo objeto de amor. A ausência do objeto exige grande esforço para redirecionamento do desejo, ou libido como diria Freud, aquilo que nos move em direção a vida. A oposição a esse redirecionamento da libido pode acontecer de maneira tão intensa que dá lugar a um desvio de realidade (psicose alucinatória), entretanto, essa manifestação não ocorre no luto normal.
O objetivo para o qual o princípio do prazer nos impele — o de nos tornarmos felizes — não é atingível; contudo, não podemos — ou melhor, não temos o direito — de desistir do esforço da sua realização de uma maneira ou de outra.
Freud, in ‘A Civilização e os Seus Descontentamentos’
Com relação ao luto normal é importante salientar que a perda do ente amoroso não constitui presença de auto-recriminação, mas, em pessoas nas quais existe pré-disposição para neurose obsessiva pode haver a culpa pela perda. O sujeito pode ter a sensação que pode ter ajudado no processo de perda, pode vir a achar que a desejou
A superação do luto é realizada pouco a pouco e com grande gasto de energia. O desligamento do objeto perdido se dá através da evocação de cada lembrança relativa ao objeto em espécies de ritos cotidianos. Quando o trabalho de luto se conclui o ego fica outra vez.
As reações de luto, que se estabelecem em resposta à perda de pessoas queridas, caracterizam-se pelo sentimento de profunda tristeza, exacerbação da atividade simpática e inquietude. As reações de luto normal podem estender-se até por um ou dois anos, devendo ser diferenciadas dos quadros depressivos propriamente ditos. No luto normal a pessoa usualmente preserva certos interesses e reage positivamente ao ambiente, quando devidamente estimulada. Não se observa, no luto, a inibição psicomotora característica dos estados melancólicos. Os sentimentos de culpa, no luto, limitam-se a não ter feito todo o possível para auxiliar a pessoa que morreu; outras idéias de culpa estão geralmente ausentes (DEL PORTO, 1999)
Melancolia
A melancolia também pode vir a ser reação de perda do objeto amado, objeto este que não precisa ter necessariamente morrido e sim ter sido perdido enquanto objeto de amor. Em alguns casos pode-se constatar a perda, entretanto, não se sabe exatamente o que se perdeu (sabe-se, por exemplo, quem se perdeu, mas não se sabe o que se perdeu nessa pessoa). No melancólico não se pode ver exatamente qual o conteúdo da perda.
Diferentemente do processo de luto, apresenta o ego como desprovido de valor, incapaz de qualquer realização. A baixa auto-estima pode estar associada à insônia e a recusa em se alimentar. A gênese da melancolia, segundo Freud, estaria numa ligação objetal que mostrou ser uma catexia de pouco poder de resistência sendo logo liquidada.
A libido nesse caso, sem ter direcionamento, desloca-se para o ego estabelecendo uma espécie de identificação deste com o ente perdido. A perda objetal passa a ser uma perda do próprio ego.
As pessoas não querem receber lições. É por isso que não compreendem agora as coisas mais simples. No dia em que o quiserem, verão que são capazes de compreender também as coisas mais complicadas.
Freud, in ‘As Palavras de Freud’
O amor pelo objeto não pode ser renunciado, mesmo que o próprio objeto o seja. Sendo assim, o afeto volta-se contra o ego como substitutivo fazendo-o sofrer e tirando satisfação sádica de seu sofrimento. Esse aspecto solucionaria o enigma do suicídio. Isso só ocorreria, no entanto, quando o ego trata a si mesmo como objeto de forma a encaminhar-lhe toda a hostilidade originalmente pertencente ao mundo exterior.
Veja também um vídeo com a psicóloga Maria Rita Kehl explicando um pouco mais dos conceitos:
Referências:
DEL PORTO, José Alberto. Conceito e diagnóstico. Rev. Bras. Psiquiatr., São Paulo, 1999. Available from . access on01 July 2009. doi: 10.1590/S1516-44461999000500003.
FREUD, Sigmund. (1917 [1915]). Luto e melancolia. In: FREUD, Sigmund. Obras Completas. v. 14. Rio de Janeiro: imago Editora, 1969.