“Céu azul é tempestade”, de Patrícia Xavier: uma concepção diferente do espaço-tempo

Céu azul é tempestade (2024) é o primeiro romance de Patrícia Xavier, escritora e jornalista que publicou contos em diversas coletâneas. A autora é natural de São Paulo e lançou este livro pela Caravana Grupo Editorial, em 2024.

Um livro com poucas páginas, mas que exige muita atenção para entender as trocas de cenários e de vozes que nos contam esta narrativa. Um “lá e cá” no espaço e no tempo, que nos conduzem para uma história que demorou para ser contada.

“Sentado na varanda, Chico esticava num banco os pés calçados em botas de couro, cano alto, feitas sob medida, e posicionava o olhar no infinito, imaginando como seria além do que via. E, olhando pra frente, só enxergava passado”. (p. 38)

Ao longo das 73 páginas, Patrícia Xavier nos conta a história de Tereza, os filhos Juninho e Cido, além dos cães Pingo e Bola. Há também, outras personagens que dividem o espaço-tempo com a protagonista, que em nenhum momento tem holofotes voltados para si, antes para tudo que acontece em seu entorno.

Céu azul é tempestade, de Patrícia Xavier

Esta é uma história de muitas pessoas e de muitos movimentos, como o jongo, uma “expressão afro-brasileira que integra percussão de tambores, dança coletiva e práticas de magia”. Além disso, a autora também apresenta a questão dos quilombos e da resistência de comunidades até os dias atuais.

“Lucinda fez tranças no cabelo de Tereza parecidas com as que a mãe dela fazia. Elas tinham certeza de que as pessoas morrem e nunca vão embora, e Tereza via a cara da mãe e do pai querendo chorar de alegria e imaginava a comemoração nos meus olhos”. (p. 57)

Ao apresentar essas pessoas e movimentos, evidencia-se a importância de uma literatura brasileira construída a partir de histórias que foram, ao longo do tempo, apagadas e silenciadas, e que agora, pelas mãos de pessoas negras, começam a ganhar forma e a ocupar espaços que antes lhes foram negados. Considero, portanto, Céu azul é tempestade, uma obra literária negro-brasileira.

A narrativa nada tem de personalista e faz com que o leitor atento perceba uma história de reparação às custas de violência e desespero, superando os desafios da quebra de paradigmas e de construções sociais que constituíram uma estrutura discriminatória e segregadora em todas as instâncias sociais.

Céu azul é tempestade: uma literatura negro-brasileira

Recentemente, li um texto sobre crítica literária, escrito pela jornalista Yasmin Santos, que me fez refletir profundamente sobre a construção de uma literatura negro-brasileira, que anda sob a acusação de produções artísticas que tratam apenas de narrativas sociais e me perguntei: como poderia ser diferente?

Não poderia! Com o nascimento de uma literatura negro-brasileira em meio ao Movimento Negro Unificado lutando contra às imposições de um cânone brasileiro eurocentrado, seria muito difícil que as narrativas não se aproximassem quase que totalmente do social, aliado ao marginal que repousava no berço da geração mimeógrafo.

Enfim, o romance de Patrícia Xavier não somente traz à baila a presença de expressões culturais, como o jongo e nomes de pessoas como: Leda Maria Martins, Maria Firmina dos Reis e Upile Chisala. Traz nomes de mulheres negras que não eram citadas, nem mesmo conhecidas, mesmo porque faz pouco tempo que puderam escrever sem repressão social. 

Céu azul é tempestade, e pode ser calmaria. Às vezes é esperança.

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