63% das escolas brasileiras não possuem bibliotecas. Como formar um país melhor assim?

O ambiente das bibliotecas pode promover saraus,  serviço de consulta; serviço de alerta; serviço de formação e orientação e muito mais

No romance de Cervantes, Dom Quixote, seu protagonista é obcecado por tudo que poderia estar relacionado à leitura:  O gosto pela leitura foi tão intenso que Quixada, Quesada ou Quixano caiu em delírios. Não tenho a intenção de estimular excessos, contudo, em um século o qual é dominado por distrações digitais, livros de romances e ficções muitas vezes são deixados de lado. Este é assunto caro para professores, estudantes de Língua Portuguesa/ Literatura e profissionais da educação: livros e suas histórias. 

Dom Quixote. Penguin, 2012

O que lhe faltava na mesa sobrava na biblioteca. O que lhe faltava em ação sobrava em imaginação. Não pensava nos problemas da casa ou do campo, vivia no antigo mundo dos romances de cavalaria. Chegou a vender terras e colheitas para comprar novos livros, em cuja leitura se perdia, em um meio delírio. ( Dom Quixote)

Em novembro de 2024, a pesquisa realizada pelo Instituto Pró-livro causou um espanto para as bolhas leitoras do instagram e para a comunidade acadêmica: mais da metade da população brasileira não lê livros. É a primeira vez que o número de não leitores ultrapassa o número de leitores ativos. Além disso, a pesquisa consta que a diminuição afetou todos os perfis: classe social, gênero, escolaridade e  faixa etária. O Instituto Pró-livro ouviu 5.504 entrevistados em 208 municípios entre abril e julho de 2024.

Já no segundo mandato do presidente Lula, em 2010, seu governo sancionou uma lei de que todas as escolas públicas do país deveriam ter uma biblioteca. Passaram-se mais de dez anos e, segundo o dado do Censo escolar, divulgado pelo MEC, 179.3 mil não possuem bibliotecas, por volta de 63%. 

Leia também: Pesquisa revela que o Nordeste é a região brasileira que mais lê

Espera-se que a escola, como um espaço o qual também deve promover cultura, assuma a responsabilidade de inserir, desde a educação infantil, a prática de leitura na vida dos discentes para que, no futuro, possam ter um cantinho de livros em seus lares. O filósofo Walter Benjamin reflete acerca da importância do livro na primeira infância: 

Da biblioteca da escola recebe-se um livro. Nas classes inferiores os livros são distribuídos. Vez ou outra apenas se ousa expressar um desejo. Frequentemente vêem-se com inveja livros almejados caírem em outras mãos. Por fim, recebeu-se o seu. Durante uma semana o leitor esteve inteiramente entregue à agitação do texto, que, suave e secretamente, densa e ininterruptamente, envolveu-o como flocos de neve. 

Reprodução da internet

Benjamin, por meio de imagens como “inteiramente envolta pela neve que soprava da leitura”, mostra que o indivíduo não é o mesmo após o encontro com as palavras. Isso demonstra a importância que uma biblioteca e seus livros podem ter na vida escolar de um aluno (a).  É interessante levarmos em consideração que ter uma biblioteca na escola não serve apenas para o aluno ir ao espaço, escolher um livro e levar para casa. Pelo contrário, o ambiente, sob a supervisão de um bibliotecário,  pode promover saraus,  serviço de consulta; serviço de alerta; serviço de formação e orientação aos usuários; serviço de informação e referência; serviço de apoio ao ensino disciplinar; serviço de apoio à pesquisa escolar; serviço de mural; serviço de ouvidoria; e serviço de biblioteca circulante. 

Logo, com as atividades promovidas, as salas de leitura podem potencializar a prática leitora do aluno. Mas como foi dito anteriormente, não conseguimos cumprir a meta de ter biblioteca em todas as escolas públicas em dez anos, quanto mais ter um bibliotecário. Não basta apenas ter o lugar, as paredes construídas, é necessário, também, livros de acordo com a faixa etária do corpo discente da escola e uma pessoa responsável pelo espaço, um bibliotecário de preferência. 

A construção de um terreno sólido de leituras prevê um papel ativo das instituições escolares, no entanto, para isso é imprescindível o poder público assumir a responsabilidade de promover políticas públicas de estruturas educacionais, como a biblioteca, e cumprir, de fato, metas estabelecidas.

Bibliografia consultada:

BENJAMIN, W. Reflexões sobre a criança, o brinquedo e a educação. Rio de Janeiro: Editora 34, 2002. Coleção Espírito Crítico.

CERVANTES, M. Dom Quixote Tradução e adaptação de Orígenes Lessa. Rio Janeiro: Ediouro, 2005.

KLEIMAN, Angela. Oficina de Leitura: Teoria e Prática. 9ª Edição, Campinas, SP : Pontes, 2012.

Fonte

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