Colman Domingo atua com presos reais em Sing Sing, filme que, mais do que tudo, celebra o teatro
“Ser ou não ser, eis a questão”. Talvez essa seja a frase mais famosa do teatro mundial. O monólogo de Hamlet, da primeira cena do terceiro ato da peça de Shakespeare, expressa a dúvida do príncipe da Dinamarca: será que ele deve aceitar seu destino ou aceitar as contingências da vida? Será que ele deve lutar para sair do lugar em que está ou aceitar que seu destino está traçado desde sempre?
O mais bonito, no entanto, é que a descoberta de Hamlet chega em um ponto crucial de sua vida: em meio a uma transformação, ele não sabe mais o que é real e o que é imaginado, o que é verdadeiro e o que é falso, o que é destino e o que é crime, acaso. A solução dele é entender que o mundo é as duas coisas: ser E não ser, esta é a questão para Hamlet. Assim, destino e invenção se misturam e ele acolhe as forças para se vingar do rei, seu tio.
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Fiz essa introdução imensa porque o teatro é o ponto-chave do filme Sing, Sing (2024), dirigido por Greg Kwedar, em produção comandada e interpretada por Colman Domingo. O filme tem como personagem principal Divine G (Colman Domingo), um homem que está em uma prisão dos Estados Unidos e encontra no teatro uma forma de lidar com o cárcere, com os sentimentos e emoções que nunca tivera oportunidade de sentir.
Ele e uma série de outros detentos montam semestralmente espetáculos teatrais, de clássicos a peças escritas por eles próprios, que transformam a experiência da prisão como um lugar também de acolhimento, fortalecimento de grupos e possibilidade de inventar e imaginar um mundo diferente dos quais eles estavam inseridos.
O mais legal do filme é que, baseado em uma história real, 90% dos personagens são realmente presos que fizeram parte do projeto que inspirou o filme. Assim, Colman Domingo se torna uma espécie de guia, de maestro, contracenando com estes outros atores que contam as próprias histórias, dessa vez como personagens de um filme basicamente sobre teatro e vida.
Um dos grandes dilemas do filme está em um fato que acomete muitas pessoas negras das camadas mais pobres que é um contexto social que lhes retira o direito ao sonho. Um dos personagens, por exemplo, chega a dizer que o lugar dele era a prisão porque era ali que estavam os seus, tendo inclusive um filho que já estava na mesma situação. Assim, o teatro se coloca não apenas como um lugar de alegria, mas também de sofrimento que mostra o quanto lhes foi tirado de oportunidades e quanto a vida lhes usurpou o direito de sonhar.
Ao entrar em contato com a possibilidade de vislumbrar e imaginar outros mundos – eles interpretam uma peça que se passa numa viagem do tempo entre príncipes do Egito, Gladiadores e, claro, Hamlet – o que lhes marca é a possibilidade, de um lado, de compreender a vida através da pesquisa de seus corpos e seus personagens, e de outro, de ver aquilo que eles não podem ser. No fim das contas, são homens, pretos, pobres, cujos destinos parecem traçados demais para mudar… Mas eles mudam.
Em Sing Sing, a história não é contada pelos vencedores, mas por aqueles que sempre perdem, tal como Hamlet que, ao descobrir a saída para a vida, morre e deixa que outro conte sua história. Em Sing Sing, as personagens aprendem a liberdade que há dentro da prisão, a liberdade apesar da prisão e a liberdade que não depende das leis dos homens e das leis divinas. A liberdade para eles é poder chegar em frente a uma câmera e dizer: “meu nome é tal e hoje eu vou interpretar tal”.
Ali, eles já são outros. E isso já é outro mundo. Enquanto a gente não muda o mundo real, a gente pode produzir futuros e o teatro, ainda hoje, é o maior produtor de passado, presente e futuro que existe.
Revisado por Mariana Perizzolo
Veja o trailer aqui: