5 autoras para conhecer a literatura sul-coreana contemporânea

Tem chegado muita coisa traduzida da Coreia do Sul sob o que o mercado convencionou chamar de “literatura de cura”, mas a literatura sul-coreana é muito mais ampla.

Por isso, trago hoje aqui no Nota cinco autoras para conhecer a literatura sul-coreana contemporânea para além desse rótulo.

Han Kang

Talvez um dos maiores nomes da literatura sul-coreana contemporânea, a super premiada Han Kang nasceu em 1970, em Gwangju, Coreia do Sul, e estreou na literatura como poeta em 1993, tornando-se mundialmente conhecida ao vencer o Man Booker, em 2016, com o romance A Vegetariana.

Para ler Han Kang

A vegetariana

Traduzido pela primeira vez aqui no Brasil em 2013 pela Professora Yun Jung Im e publicado pela Devir, hoje ele sai pela Todavia, com tradução de Jae Hyung Woo. No livro, que foi meu primeiro contato com a autora e com a literatura sul-coreana de uma forma geral, uma mulher passa a ser assombrada por sonhos cheios de sangue, pedaços de carne e morte, no que ela toma a decisão de não comer mais carne. A partir daí uma espiral de acontecimentos narrados por outras vozes, que não a dela, revelam o rastro deixado pelo silenciamento e pela submissão. Há aqui uma vida sem controle sequer do próprio corpo e no texto da autora uma contundente crítica à sociedade patriarcal e às inúmeras violências às quais mulheres são submetidas. 

Atos humanos

Segundo livro da autora publicado no Brasil e traduzido para o português brasileiro por Ji Yun Kim, é uma ficção polifônica com vozes que viveram o horror, que foram privadas de dignidade em um evento que ficou conhecido como o Massacre de Gwangju, em 1980, sob a ditadura militar do general Chun Doo-hwan. Vozes que nos conduzem menos pelo fato histórico e mais pelas sensações, pelas ausências e pelos silêncios. 

O livro branco

O livro, traduzido por Natália T. M. Okabayashi e assim como os demais publicado pela Todavia, traz o luto pela morte da irmã que ela nunca conheceu, da irmã que viveu por apenas algumas horas e envolve um mergulho íntimo na cor branca, na verdade, em um tipo específico de branco que na língua coreana carrega a ideia de vida e morte. Enquanto Atos Humanos revela fantasmas da nação, O livro branco revela fantasmas da própria autora.

Bae Suah

Nascida em Seul, em 1965, Bae Suah estudou química na universidade e trabalhou como funcionária pública antes de se dedicar à escrita, o que aconteceu no final dos anos 80. Famosa por ter um estilo de escrita bastante experimental e que tende a desconsertar o leitor, ela tem dois livros publicados no Brasil: Sukiyaki de domingo, traduzido por Hyo Jeong Sung e publicado pela Estação Liberdade, e Noite e dia desconhecidos, traduzido também por Hyo Jeong Sung, mas publicado pela DBA.

Fato curioso e interessante é que Bae Suah é responsável por traduzir Clarice Lispector, a partir do alemão, para o coreano. 

Para ler Bae Suah

Sukiyaki de domingo

Em Sukiyaki, que é o nome de uma comida originalmente japonesa, mas também consumida na Coreia, ela traz um texto recheado de rupturas e bem fragmentado no qual aborda a miséria que se repete em ciclo numa sociedade que é quase sempre exaltada pelo sucesso econômico, além da desigualdade de gênero latente. 

Noite e dia desconhecidos

Noite e dia desconhecidos é ainda mais desconcertante, mexe com a nossa cabeça e nossos sentidos, mas também traz uma outra Coreia do Sul, uma outra Seul, para além do imaginário ocidental, empobrecida, sufocante, obscura, desconfortável, e na qual sonho e realidade se misturam e se desfazem enquanto Ayami vive seu último dia como funcionária de um teatro de áudio. 

Bora Chung

Bora Chung nasceu em Seul, em 1976. É professora de literatura, língua russa e estudo de ficção científica na Universidade Yonsei, além de traduzir obras literárias do russo e do polonês para o coreano. 

Para ler Bora Chung

Coelho Maldito

É seu primeiro e único título em português brasileiro, publicado pela Alfaguara e com tradução de Hyo Jeong Sung.

São dez contos que transitam pela ficção científica, um deles traz androides como companheiros; pela fantasia, um dos contos me lembrou demais o The Ones Who Walk Away from Omelas, da Úrsula K Le Guin, no qual às custas da vida de uma criança uma cidade vivia próspera e feliz; pelo horror, histórias que envolvem maldições, fantasmas; por algo meio folclórico; e por uma espécie de realismo mágico, com situações para lá de insólitas vividas por alguns personagens, como um dos meus contos preferidos, Menorreia. Inclusive, ela conta em uma entrevista que ele foi inspirado em um episódio da própria vida quando por causa de um cisto no ovário precisou agendar uma consulta com um ginecologista e a sua própria mãe quis impedi-la de ir por ela não ser casada.

Nesse conto, uma mulher precisa urgentemente encontrar um pai para a criança que ela carrega no ventre. O inusitado é a forma com a qual ela engravida e a consequência caso ela não encontrasse um pai. De resto, tudo é muito rotineiro para uma “jovem solteira”, inclusive a violência com a qual ela é tratada pelos que a cercam, principalmente por aqueles que deveriam cuidar dela, como a equipe médica. 

É de bater palmas a escolha do fantástico, do mágico, do horror, para criticar, para incomodar, principalmente uma sociedade patriarcal, neoliberal e desigual como a sul-coreana, pois é exatamente essa ferida que autora quer cutucar.  

Leia também: Transgressão e Transmutação em “Terráqueos”, da Sayaka Murata, e “A vegetariana”, da Han Kang

Kyung-sook Shin

Kyung-sook Shin nasceu em uma vila no interior da Coreia do Sul, em 1963, e foi exatamente a partir da memória de uma exaustiva viagem até Seul, a capital, ainda adolescente e acompanhando a mãe, que veio a ideia para o seu grande best-seller, Por favor, cuide da mamãe, publicado aqui no Brasil pela Intrínseca, com tradução de Flávia Rössler, e o único livro da autora em português brasileiro. 

Para ler Kyung-sook Shin

Por favor, cuide da mamãe

O livro conta a história do desaparecimento de Park So-nyo, que ao sair do interior para visitar os filhos já adultos em Seul, fica para trás em uma estação de metrô.  A partir daí acompanhamos as vozes dos filhos e do marido enquanto fazem buscas pelas ruas e relembram o que deixaram de fazer e falar a ela. Quando a voz da mãe emerge, passamos a conhecer melhor a mulher por trás da mãe e esposa.

Segundo a autora, “Consideramos como certo que nossas mães estão sempre ao nosso lado e se dedicam a nós. Achamos que elas nasceram para serem mães. Mas elas já foram meninas e mulheres como nós somos agora. Quero mostrar isso por meio deste livro.” (tradução livre). 

É uma história sobre família e amor, mas pelo meu ponto de vista, muito mais pelo ângulo da abnegação, da anulação da mulher. Uma leitura triste, dolorosa e que levanta a questão “quem cuida de quem cuida?”.

Juhea Kim

Juhea Kim nasceu em Incheon, Coreia do Sul, mas com nove anos mudou-se para os Estados Unidos. Ela se formou em Arte e Arqueologia em Princeton, mas foi trabalhando em um editora em Nova York que ela começou a pensar em escrever. Seu romance de estreia, filho único por enquanto, foi publicado no Brasil pela Editora Melhoramentos, com tradução de Alessandra Esteche, sob o título Como tigres na neve

Para ler Juhea Kim

Como tigres na neve

O livro é apresentado como “uma história épica de amor, guerra e redenção, tendo como pano de fundo o movimento de independência da Coreia.”, o avô da autora, inclusive, era um mensageiro do movimento de independência e ela cresceu ouvindo as histórias desse avô. 

Dando um pouquinho de contexto, a Coreia esteve sob ocupação do Japão Imperial entre os anos de 1910 e 1945, ou seja, até o final da Segunda Guerra Mundial. Como todo processo de colonização, foi violento e deixou marcas. Trazer ficções históricas, romances históricos (impossível não lembrar de Pachinko aqui, da Min Jin Lee) é também uma forma de perpetuar a memória coletiva e não deixar que esses períodos atrozes caiam no esquecimento das novas gerações. A literatura é um braço nesse sentido. 

Voltando ao livro, na história acompanhamos uma jovem vendida para uma escola de cortesãs e o filho pobre de um caçador e como seus destinos vão se entrelaçando no decorrer dos eventos históricos. Juhea Kim usa aqui o conceito coreano de inyeon, que ficou bastante conhecido com o filme Past Lives, da diretora também coreana Celine Song, e que, dentre muitas interpretações, pode ser entendido como um fio que conecta as pessoas independente da vontade. 

Porém, o que mais me tocou no livro foi a mitologia, o folclore, o tigre, o caçador, a metamorfose, infelizmente algo que não teve tanto espaço, mas segue sendo uma leitura que comove e eu amo o prólogo e a forma como ele é retomado na parte final do livro.

Referências:

https://www.kln.or.kr/people/authorsView.do?writerIdx=123

https://library.ltikorea.or.kr/writer/200064

https://veja.abril.com.br/coluna/meus-livros/conheca-han-kang-premiada-autora-sul-coreana-que-exala-sensibilidade

https://literaturfestival.com/en/authors/suah

https://www.ktlit.com/authors/shin-kyoung-sook/

https://www.bananawriters.com/kyungsookshin

https://www.juheakim.com/Bio

https://www.oregonlive.com/books/2022/02/beasts-of-a-little-land-portland-authors-debut-novel-is-a-sweeping-tale-of-love-and-war-in-20th-century-korea.html?utm_medium=social&utm_source=twitter&utm_campaign=oregonian_sf

https://www.youtube.com/watch?v=pEGOszPk73w

https://www.companhiadasletras.com.br/colaborador/20507/bora-chung

https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2024/03/bora-chung-da-aos-seus-personagens-o-pior-fim-possivel-em-coelho-maldito.shtml

https://medium.com/@adamsudewo4/a-conversation-with-bora-chung-61c73c5597d8

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