“Família” (2023): nem sempre os laços de afeto vêm dos laços sanguíneos

Família (ファミリア, 2023) de Izuru Narushima é um filme que de início chama atenção por sua relação com o Brasil. Seu título, em português, já insere o espectador na trama que entrelaça o Japão e o Brasil de uma maneira bastante aleatória, eu diria.

Protagonizado por Koji Yakusho – que recentemente recebeu bastante atenção da mídia internacional por sua performance em Dias Perfeitos (2023) de Wim Wenders – o filme conta a história de duas famílias que acabam tendo seus caminhos cruzados em uma periferia do Japão.

Leia também: “Todo mundo tem mãe, Catarina”: Carla Guerson elabora a complexidade das relações familiares

Yakusho interpreta Seiji, um pai viúvo que vive de seu trabalho como ceramista enquanto seu único filho trabalha longe. Um dia, um jovem rapaz aparece aos arredores de sua casa machucado após uma briga com membros da Yakuza. O jovem, por sua vez, é Marcos (Lucas Sagae), brasileiro que vive no Japão com sua família em uma comunidade brasileira.

Um ponto importante a ser mencionado é que o filme de Narushima parece muito ter se inspirado pelas novelas que já conhecemos muito bem. Seu enredo, preenchido por um melodrama que não parece encontrar espaço dentro da narrativa, torna a experiência um tanto enfadonha, uma vez que os eventos não são abordados de maneira natural ou pareçam espontâneos.

As personalidades de Marcos e Seiji, que a princípio não tem nada a ver uma com a outra – Marcos é um homem explosivo enquanto Seiji é bastante calmo –, caem em alguns embates, uma vez que o jovem não consegue acreditar na bondade do mais velho e no tratamento que recebe.

Algo que é abordado de forma mais positiva é a xenofobia contra os brasileiros dentro da trama. O grande “vilão” aqui, um jovem Yakuza assumindo os negócios da família (interpretado por Miyavi), é um homem mau e preconceituoso, digno de um antagonista de novela das 21h. Sua atuação, infelizmente, é marcada por uma caricaturização demasiada que não é possível dizer se foi proposital ou uma falha na execução do papel.

O que pesa nessa parte do enredo, que aborda a briga entre brasileiros e Yakuza, é a violência por parte dos criminosos e a tentativa de agir como heróis por parte dos brasileiros. Ao fim, as cenas desse núcleo do filme, apesar da violência crua apresentada, não geram muita empatia no público, ainda que tendamos a ficar “do lado” dos brasileiros que embora estejam no lugar de vítima dos vilões não criam identificação com quem assiste, apesar da nacionalidade em comum.

No núcleo de Seiji é apresentada a história de seu único filho que trabalha em outro país. Prestes a se casar com uma mulher também estrangeira, Satoru (Ryo Yoshizawa) encontra em seu pai acolhimento e sensibilidade, ainda que seu pai e sua noiva não falem o mesmo idioma. As discrepâncias entre um núcleo e outro aproximam cada vez mais a narrativa de uma novela que sabemos exatamente como terminará.

No decorrer da história, acompanhamos quase uma saga da namorada de Marcos, Eri (Fadile Waked) em tentar fazer com que ele e Seiji se tornem “amigos”. Enquanto Marcos não é capaz de aceitar que um japonês possa lhe oferecer empatia, Seiji vê, no jovem, uma versão mais jovem de si mesmo e deseja acolhê-lo em sua vida. A medida em que infortúnios atingem tanto a Seiji quanto a Marcos e Eri, seus laços, enevoados pelo medo e pela raiva, começam a se estreitar aos poucos.

Família é um filme que tenta se sustentar a partir de uma história de redenção e superação, enquanto mostra como é possível encontrar, em estranhos, o afeto que acreditamos encontrar somente naqueles de mesmo sangue. A narrativa se desenrola partindo das visões muitas vezes deturpadas que os personagens têm uns dos outros.

Embora o roteiro falhe em certos pontos, há, aqui, um chamado ao espectador a se identificar com a história. A representação da comunidade brasileira é algo que transita entre o cômico e o ultrajante, uma vez que apresenta personagens barulhentos e pegajosos muito diferentes da personalidade calma e discreta característica dos japoneses.

Apesar das diferenças, Marcos e Eri se aproximam cada vez mais de Seiji, fazendo com que o homem entenda novamente o significado de família após eventos traumáticos em seu próprio meio familiar. Embora a narrativa seja elaborada de modo a ter um início, um meio e um fim, seus eventos, que acontecem um atropelando ao outro, não dão tempo ao espectador de se “acostumar” com eles, o que leva a experiência a um emaranhado confuso de acontecimentos.

Por fim, fica conosco um sentimento agridoce após assistir ao filme. De alguma forma, a história contada ali fica e não segue em nosso pensamento, porém, durante sua exibição ela prende e marca o público, ainda que seja para fazer alguma reclamação depois. De qualquer forma, a narrativa de Família serve para nos mostrar que os laços muitas vezes se formam de onde menos esperamos.

Related posts

5 motivos para ler “Pequenas coisas como estas”, o celebrado livro de Claire Keegan

O Bastardo (2024): ao vencedor as batatas 

Othelo, o Grande: um documentário à altura de Grande Otelo