“Ratos & Rosas”: entrevista com a autora Matile Facó

Em 2023, a escritora cearense Matile Facó lançou o livro Ratos & Rosas, pela Editora Multifoco. O primeiro livro da autora aborda questões cotidianas com um olhar minucioso para todos os significados das relações interpessoais e sociais de nós como indivíduos em forma de versos. A poesia traz a beleza estética e rítmica para o material tratado nem sempre agradável de ler ou de sentir. Por isso, muitos leitores podem se identificar e apreciar este livro.

O Jornal Nota realizou uma entrevista exclusiva com a autora que você pode conferir abaixo:

Quais foram suas referências de escritoras para que te trouxessem até aqui?

Minhas referências literárias são uma amalgama de vozes femininas que moldaram minha percepção do mundo e influenciaram minha jornada como escritora. Sylvia Plath, com sua prosa penetrante e poesia intensa, despertou em mim uma profunda apreciação pela capacidade da escrita de explorar as profundezas da psique humana. Seu livro “A Redoma de Vidro” foi uma revelação para mim, mostrando como a escrita pode ser uma ferramenta poderosa para explorar questões de identidade, feminilidade e alienação.

Clarice Lispector, por sua vez, me ensinou a abraçar a ambiguidade e a complexidade da vida. Sua habilidade de capturar os momentos mais sutis da experiência humana em suas narrativas me inspirou a buscar a verdadeira essência das emoções em meus próprios escritos. O modo como ela desafia as convenções literárias e mergulha no âmago da existência é uma fonte constante de admiração e inspiração para mim.

E não posso deixar de mencionar Pagu, uma figura icônica da literatura brasileira que desafiou as normas sociais e de gênero de sua época. Sua coragem e ousadia ao explorar temas como liberdade, desejo e rebeldia ressoam profundamente comigo. Ao ler suas obras, como “Parque Industrial”, fui inspirada pela sua voz incisiva e sua atitude intransigente diante da vida.
Essas escritoras, cada uma à sua maneira, me mostraram o poder da escrita como uma ferramenta de expressão e transformação. Suas obras me influenciaram profundamente e ajudaram a moldar o meu próprio estilo e visão como autora, especialmente no processo de criação do meu livro “Ratos e Rosas”.

Matile, você se considera uma autora ou uma escritora?

Como escritora, vejo minha jornada literária como uma constante evolução e descoberta. A distinção entre ser uma autora ou uma escritora pode parecer sutil, mas para mim, carrega significados distintos. Enquanto autora, sinto-me responsável não apenas pela criação das obras, mas também pela sua autenticidade, pela mensagem que elas transmitem e pelo impacto que podem ter nos leitores. Como escritora, vejo-me imersa no processo criativo em si, explorando a linguagem, experimentando com diferentes estilos e técnicas, e buscando constantemente aprimorar minha habilidade de comunicar e expressar minhas ideias. Portanto, diria que me considero tanto uma autora quanto uma escritora, cada faceta complementando a outra em minha jornada literária.

Que parte do seu processo da escrita deste livro foi mais difícil?

O processo de escrita de “Ratos e Rosas” foi uma jornada emocionalmente intensa e desafiadora. Uma das partes mais difíceis para mim foi confrontar minhas próprias vulnerabilidades e traumas enquanto explorava temas profundos como amor, dor, solidão e redenção. Cada poema deste livro é uma peça do quebra-cabeça da minha alma, e mergulhar nessas emoções profundas exigiu coragem e autenticidade. Encontrar as palavras certas para expressar esses sentimentos de forma honesta e visceral foi um desafio constante, e muitas vezes me vi lutando para capturar a essência de minhas experiências em versos. No entanto, foi também nesse processo de confrontar minhas próprias sombras que encontrei uma profunda catarse e cura. Cada palavra escrita foi uma jornada de autodescoberta e crescimento pessoal, e embora difícil, foi também profundamente gratificante.

Impossível não perceber que o título “Ratos e Rosas” tem a mesma quantidade de letras além de começar com R e terminar com S, acima da analogia que você explica sobre o título, o que te inspirou a usar especificamente essas duas palavras?

A escolha do título “Ratos e Rosas” foi muito deliberada. Quis criar um contraste entre esses dois elementos aparentemente opostos, representando a dualidade da vida e das emoções humanas. Os “ratos” simbolizam os aspectos sombrios, os momentos de dor, solidão e desespero que todos nós enfrentamos em algum momento da vida. Já as “rosas” representam a beleza, a esperança e o amor que também fazem parte da nossa existência. Essas duas palavras juntas refletem a complexidade da experiência humana, com seus altos e baixos, suas luzes e sombras.

Quais leituras te ajudaram a escrever este livro?

Diversas leituras foram fundamentais para a criação de “Ratos e Rosas”. Além das obras de Sylvia Plath, Charles Bukowski e Clarice Lispector, que mencionei anteriormente, também me inspirei em poetas como Anne Sexton, Emily Dickinson e Fernando Pessoa. Cada um desses autores contribuiu de alguma forma para a minha compreensão da poesia e para o desenvolvimento do meu estilo literário. Além disso, obras de psicologia, filosofia e literatura clássica também influenciaram minha escrita, fornecendo insights sobre a mente humana e a condição humana.

Você pode compartilhar um pouco da sua história com esses versos? De que maneira escrever esse livro tão íntimo transformou você como artista?

Escrever “Ratos e Rosas” foi uma jornada profundamente pessoal e transformadora para mim como artista. Cada poema deste livro é uma parte de mim, uma expressão genuína das minhas emoções, experiências e reflexões mais íntimas. Ao confrontar minhas próprias dores, traumas e conflitos internos, encontrei uma forma de dar sentido ao caos da vida e transformar essa dor em algo belo e significativo. Escrever esses versos me permitiu mergulhar nas profundezas da minha alma, enfrentar meus medos mais profundos e abraçar minha autenticidade como escritora. Como resultado, emergi desse processo mais fortalecida, mais consciente e mais conectada comigo mesma e com o mundo ao meu redor.

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A escritora Matile Facó, autora de Ratos & Rosas

Precisamos saber: você prefere escrever à mão com uma caneta ou em um computador?

Essa é uma pergunta interessante! Embora eu aprecie a sensação tátil de escrever à mão com uma caneta, especialmente quando estou capturando ideias rapidamente ou elaborando poemas, minha preferência é escrever em um computador. A digitação me permite organizar meus pensamentos com mais facilidade, fazer edições conforme necessário e manter um registro digital seguro do meu trabalho. Além disso, escrever no computador oferece mais flexibilidade em termos de formatação e compartilhamento de textos com outros colaboradores.

Existe algo no livro que você gostaria que os leitores captassem urgentemente?

Definitivamente! Uma das mensagens centrais que gostaria que os leitores captassem urgentemente é a importância da autenticidade e da vulnerabilidade na expressão artística. Em “Ratos e Rosas”, mergulho profundamente nas emoções humanas mais cruas e genuínas, sem filtros ou disfarces. Espero que os leitores possam se identificar com essa honestidade emocional e se sintam inspirados a abraçar sua própria autenticidade, aceitando todas as partes de si mesmos, mesmo as mais dolorosas e contraditórias.

Você poderia dizer se o livro conta uma história só em fragmentos ou se são fragmentos de várias histórias?

“Ratos e Rosas” é uma coleção de poemas que apresenta fragmentos de várias histórias, emoções e experiências. Cada poema é uma pequena janela para a minha alma, revelando diferentes aspectos da minha vida, pensamentos e sentimentos. Enquanto alguns poemas podem parecer fragmentados ou desconexos por si só, juntos eles formam um retrato mais amplo e complexo da condição humana. Essa abordagem fragmentada reflete a natureza multifacetada da existência e convida os leitores a explorar e interpretar os poemas de maneiras diversas e pessoais.

É possível perceber a dualidade que já se apresenta no título na maioria dos poemas, você trabalhou para que todos funcionassem em oposição mesmo que juntos dissessem o mesmo. Poderia nos contar qual foi a parte mais desafiadora em unir essas palavras opostas sem perder a coesão?


Unir palavras opostas de forma coesa foi, de fato, um desafio empolgante durante o processo de escrita de “Ratos e Rosas”. A dualidade presente no título reflete a complexidade da vida e das experiências humanas, e eu queria que cada poema do livro capturasse essa dualidade de maneira única. O desafio foi encontrar o equilíbrio certo entre os opostos, garantindo que cada poema transmitisse uma mensagem clara e coesa, mesmo apresentando contrastes. Foi necessário explorar diferentes temas, emoções e perspectivas para criar uma narrativa poética rica e envolvente que refletisse a dualidade da vida.

Ainda falando sobre a dualidade dos versos, os poemas “Poema à mãe” e “Poema ao pai” representa claramente uma das rosas entre os ratos, e você ainda se refere à espinhos em um dos versos. “Um hino de amor que ecoa em minha veia.” Aqui você pode nos dizer se essa percepção é individual onde você se valeu para homenagear os seus próprios pais ou coletiva, no sentido sagrado que a sociedade coloca a mãe e no sentido amplo do que deveria ser um pai?


A dualidade representada nos poemas “Poema à mãe” e “Poema ao pai” reflete tanto a minha experiência pessoal quanto uma percepção coletiva da relação entre pais e filhos. Enquanto “Poema à mãe” celebra a figura materna como fonte de amor e conforto, “Poema ao pai” presta homenagem ao pai como exemplo de força e sabedoria. No entanto, ao mencionar os espinhos, reconheço que nem todas as relações parentais são perfeitas, e que muitos indivíduos carregam cicatrizes emocionais devido a experiências familiares dolorosas. Portanto, a dualidade expressa nos versos reflete não apenas a minha história pessoal, mas também as complexidades das relações familiares em geral.

“Os que me leem,/Sabem de muitas coisas” você considera esses versos como autobiográficos?

Sim, os versos “Os que me leem, / Sabem de muitas coisas” podem ser considerados autobiográficos em certo sentido. Eles refletem a minha experiência como escritora e poeta, reconhecendo a conexão íntima entre o autor e o leitor. Ao afirmar que aqueles que me leem “sabem de muitas coisas”, estou reconhecendo a capacidade da escrita de transmitir conhecimento, emoção e compreensão, além de compartilhar minha própria jornada pessoal e perspectivas sobre a vida.

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