“Terráqueos”, de Sayaka Murata: a Fábrica de gente e o fantástico mundo da autora

“Terráqueos”, de Sayaka Murata. Tradução Rita Kohl. Estação Liberdade, 2021.

“Minha cidade era uma enorme fileira de ninhos e uma fábrica de fazer humanos. Ali, eu era uma ferramenta em dois sentidos.
Primeiro, tinha de me esforçar nos estudos, para me tornar uma boa ferramenta de trabalho.
Segundo, tinha de me esforçar como menina, para poder me tornar um bom órgão reprodutivo da cidade.
Eu desconfiava que fracassaria em ambos.” (pág. 52)

Uma vez assisti a uma entrevista da Sayaka Murata na qual ela dizia que escrevia buscando respostas, como uma criança tentando compreender as regras do mundo, o resto era consequência.

Em “Terráqueos”, assim como em “Querida Konbini”, ambos com tradução da Rita Kohl, essa consequência é jogar no ventilador um mundo no qual é quase impossível fugir do ciclo: Nascer, Produzir, Reproduzir e Morrer.

“A ideia de que precisaria continuar sobrevivendo eternamente me deixou zonza” (pág.69)

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A personagem principal aqui é Natsuki, criança exposta desde cedo a diversos tipos de violência, inclusive sexual, e que termina por não se adequar ao mundo, buscando na fantasia alívio para o sofrimento que essa inadequação causa. Contudo, as coisas mesmo num mundo mágico tomam um rumo inesperado, brutal e insano, como se a autora tivesse soltado a mão para deixar vir toda a intensidade e subversão do fantástico mundo de Sayaka Murata.

“Terráqueos” se insere numa categoria que eu classifico como “deus, como vim parar aqui? eu só tenho 6 anos” de leitura. Somos pegos desprevenidos e eu, particularmente, fico maravilhada com a naturalidade com a qual ele insere temas e cenas que flertam inclusive com o gore. E foi exatamente esse choque todo que me conquistou. Ela busca entender o mundo e seus limites explorando o desconforto, brincando com os padrões e as normas enquanto desenvolve uma escrita fluida, ousada, criativa e provocativa.

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