A grande questão da poesia de Alejandra Pizarnik, a meu ver, é encontrar uma forma de escrever sem ser. E, depois disso, entender como escrever não-sendo para lugar nenhum e para ninguém. No fim, a gente teria um poema que não tem voz e que não ecoa em lugar nenhum. Uma vez formulada essa questão, ela vai se apresentando nas obras da autora argentina de diversas formas.
Acabei de ler O Inferno Musical, publicado em 1971, último escrito e pensado por Pizarnik antes do seu suicídio, publicado aqui no Brasil em edição da Editora Relicário com tradução de Davis Diniz. Nesta obra, a gente vai acompanhando uma série de poemas que tomam uma forma um pouco diferente das demais obras da autora: vemos uma verso que vai se alonga, que vai quase tombando na prosa, que vai enjambemando cada vez mais. Ao mesmo tempo, aparecem algumas formas fluídas que surgem como lampejos, como se o poema fosse uma fagulha que surge da linguagem e não a escrita em si.
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Já no primeiro poema aparece a questão do não-ser, mas aqui numa tentativa de ocultação do ser, da linguagem como esconderijo:
e o que é que vais dizer
vou dizer somente algo
e o que é que vais fazer
vou ocultar-me na linguagem
e por quê
tenho medo
Perceba que a ocultação deste ser tomado pelo medo, no entanto, não faz o poema cair num solilóquio de um eu-interior que sofre, pelo contrário, a ocultação se dá na forma de um diálogo, de uma conversa que interior que forja um fora. Pizarnik esconde-se enquanto conversa ou se esconde porque conversa ou se esconder para, finalmente, poder conversar.
Do mesmo modo, o tema da solidão – também tratado pela visão fluída da água – é vista como algo do qual não se pode sequer dar contornos. Em A Palavra do Desejo, diz:
“A solidão é não poder dizê-la por não poder circundá-la por não poder dar-lhe um rosto por não poder fazê-la sinônimo de uma paisagem. A solidão seria esta melodia quebrada das minhas frases.”
Neste caso, chama atenção que a não-forma da solidão também se dá por um não-ver, uma paisagem impossível. A solidão existe quando nada do que olhamos nos faz companhia, poderia nos dizer Pizarnik. Entretanto, este vazio para a poeta também é coral, é um vazio musical, daí o inferno musical, afinal um dos principais sentimentos de tristeza, o “blues” estado-unidense, foi dar em um dos ritmos musicais mais imponentes do século XX. Em Do Outro Lado, Pizarnik traz seu coro de solidão:
“A música cai na música como minha voz nas minhas vozes.”
E para fechar estes pequenos comentários sobre O Inferno Musical, quero afastar o último livro de Pizarnik de sua proximidade com a morte, mas entender o livro justamente como a proximidade dela com alguma vida, com algum livro que ainda há, escondido e trajado para guardar a poeta em palavras. Ou, como ela mesma diz “o mau da vida é que não é o que cremos, mas tampouco o contrário”.
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