Isabelle Eberhardt Alias Mahamoud: os diários de viagem da mulher que viveu a vagabundagem

“Esta é a minha vida real, a de uma alma aventureira, liberta das mil pequenas tiranias dos costumes, das ideias prontas e ávida de vida ao sol, nômade e livre”
Isabelle Eberhardt

Conheci a vida de Isabelle Eberhardt através da amiga Paula Carvalho que publicou Direito à Vagabundagem: As viagens de Isabelle Eberhardt (2022), com os diários dela com tradução de Mariana Delfini para a Editora Fósforo. A partir do seu livro, entrei em contato também com os Diários de Viagem de Isabelle Eberhardt Alias Mahamoud (2021) publicados pela Cultura e Barbárie com tradução do Fernando Scheibe e Marina Moros.

A história de Eberhardt é sensacional porque sua maneira de ver o mundo é completamente diferente e até oposta a minha: enquanto eu sou adepto de conhecer nos detalhes as intensidades do meu próprio bairro, uma vez que o resto do mundo me parece incrivelmente com lugares que não são meus bairros, Isabelle acreditava na vagabundagem como norte de sua vida. O mundo era, como dizia ela, o lugar onde “tudo está lá, mas nós não”, talvez na antecipação de um Kafka inesperado. Enquanto eu sempre quis estar para poder sumia, ela sumia para realmente estar.

Leia também: “Direito à vagabundagem: as viagens de Isabelle Eberhardt”: Paula Carvalho retrata mulher que experimentou a liberdade

A errância desta mulher que se veste de homem para ganhar os territórios árabes ainda no século XIX, sendo confundida com homem, mas também sendo relevada enquanto mulher, é talvez uma lança de liberdade contra os territórios, contra a posse e a propriedade da terra. A terra não é algo que se tem, mas algo que se atravessa.

Ao mesmo tempo, e ambivalentemente, a viagem, vagabundagem, incorpora no movimento de passagem de um lugar ao outro uma lógica de consumo típica do mercantilismo e colonialismo europeu que desemboca no capitalismo do século XX: é preciso conquistar tudo, conhecer tudo, ver tudo, viver tudo. Parar é ser vencido, talvez. Como diz a própria, era preciso sempre perder, pois “nas horas de prosperidade” achou “a vida tediosa e feia”.

isabelle eberhardt

Mas o que seria essa vagabundagem ou quem seria um vagabundo, xingamento que cabe tão bem na boca da extrema direita atual?

De certa forma, a vagabundagem é aquilo que aciona e desaciona a nossa lógica do “ocidente” e que expande e contrai um mundo que se desfaz no mapa e se constrói na trilha. Da viagem para o trajeto, da turista pro afeto.

Assim, para ela, a vagabundagem é “um direito que poucos intelectuais se preocupam em reivindicar é o direito à errância, a vagabundagem”, afinal, o nomadismo seria um lugar política de quem se torna por escolha própria um pária, afinal “o pária, na nossa sociedade moderna, é o nômade e o vagabundo”, aquele “sem domicílio nem residência conhecidos”.

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