Você conhece os melhores poemas de Marina Tsvetáieva? Marina Tsvetáieva, nasceu na Rússia, em 1892 e morreu em 1941. Ela foi poeta, escritora e tradutora, uma das mais importantes do séc. XX. Fez parte da grande geração de Boris Pasternak, Óssip Mandelstam e Anna Akhmátova e estabeleceu contato por correspondências com o poeta Rainer Maria Rilke, além de Paternak, seu conterrâneo.
O NotaTerapia separou os 10 melhores poemas de Marina Tsvetáieva. Confira:
Os três próximos poemas foram traduzidos por Verônica de Araújo Costa
Para minha pobre fragilidade
Olhas sem dissolver palavras.
És – pedra, mas eu canto,
És – estátua, voo levanto.
Eu sei, o mais terno maio
Diante do Eterno – nada.
Sou pássaro – não reclame,
Se em mim pousou lei mais leve.
16 de maio de 1920
Os deuses – não são tão generosos
Às margens – aqueles rios são outros.
No vasto portão do ocaso,
De Vênus, voam pássaros!
E eu, deitada em areias já frias,
Afasto-me do dia, onde não há tempo…
Como serpente a olhar a pele encanecida –
Sou uma jovem além da minha época.
17 de outubro de 1921
A CARTA
Não espere mensagens
Espere – a carta.
Trapos com nesga de
Cola. Eis a – palavrinha.
Felicidade. Isso é tudo.
Não espere a felicidade
Espere – o fim.
Salva de artilharia,
No peito – três tiros
De chumbo. Rubor nos olhos.
Nada mais. Isso é tudo.
Tristeza – remota!
Flor – floriu!
Quadrado do pátio
Bocas de fuzil.
(Quadrado de cartas:
Tintas e magia!)
Para o sono da morte
Basta estar vivo!
Quadrado de cartas.
11 de agosto de 1923
BEIJO NA TESTA
Beijo na testa – deleta aflição
imprime afeição
Beijo na testa
Beijo nos olhos – deleta pesadelo
imprime desvelo
Beijo nos olhos
Beijo na boca – deleta sede e fome
imprime seu nome
Beijo na boca
Beijo na testa – deleta memória
e fim da historia
Beijo na testa
(5 de Junho, 1917)
ENCONTRO
Vou chegar tarde ao encontro marcado,
cabelos já grisalhos. Sim, suponho
ter-me agarrado à primavera, enquanto
via você subir de sonho em sonho.
Vou carregar esse amargo – por largo
tempo e muitos lugares, de penedos
a praças (como Ofélia – sem lámurias)
por corpos e almas – e sem medos!
A mim, digo que viva; à terra, gire
com sangue no bosque e sangue corrente,
mesmo que o rosto de Ofélia me espie
por entre as relvas de cada corrente,
e, amorosa sedenta, encha a boca
de lodo – oh, haste de luz no metal!
Não chega este amor à altura do seu
amor … Então, enterre-me no céu!
(18 de junho de 1923)
VOCÊ ME AMAVA
Você me amava: as honestas mentiras
pareciam na verdade ter raiz.
Maior que o tempo, que imenso, imensís-
simo (eu cria) um tal amor que aspiras-
se ser tão grande quanto o meu ardor!
Então, sem mais, a mão abana, o amor
se vai, respiro mal, mal digo a mim:
— Eis a verdade do início e do fim.
DO CICLO O ALUNO
Pelos montes – túmidos e úmidos,
Sob o sol – potente e poento,
Com a bota – tímida e humilde –
Atrás do manto – roxo e roto.
Pelas areias – ávidas e ácidas,
Sob o sol – candente e sedento,
Com a bota – tímida e humilde –
Atrás do manto – rasto e rasto.
Pelas ondas – rábidas e rápidas,
Sob o sol – idoso e iroso,
Com a bota – tímida e humilde –
Atrás do manto – que mente e mente…
(Trad. Augusto de Campos e Boris Schnaiderman)
(1923)
FIOS TELEGRÁFICOS
Aos postes cantores
em áreas de fios
– suportes do céu –
envio o pé de
que sou parte,
nestes baixos,
vibrante de poste a poste
– alameda de suspiros –
meu telegrama:
– ã ã ã ã – mo…
Ouço – peço – (Formulários
não su-portam tal palavra:
– fios são diretos!).
O próprio Atlas
apoiou nesses postes
a raia dos deuses eqüestres…
ao longo dos fios, envio
a televoz: a a a a – deus…
Esta ouvindo! Últimas notas
da minha garganta:
Per – dão – Por – deus…
Cordame de navio
em mar de lavouras
– pacíficos e atlânticos –
– sempre mais alto –
as mensagens se fundem
na trama de Ariadne:
– Vo o o ! – te…
e os lamentos: Não – vou – dei – xar…
Fios, guardas de aço
das vozes do inferno,
sempre mais distantes,
e ainda pedindo – “Tenham pena!…Piedade!”
Pena ou piedade? (Tal ruído
se distingue no coral dantesco?
O grito, quando a morte chega
– por valas e aterros –
o último): gemido da paixão imortal
de Eurídice – “Que pena,
que…
q…?
(17 de março de 1923)
Leia também: 8 nomes da poesia russa soviética: A geração que esbanjou seus poetas
ENSAIO DE CIÚME
Como vai indo com a outra?
Tão fácil, não? — basta um impulso
no remo — com a orla, a minha
imagem se borra, se afasta,
vira ilha flutuante (no céu,
— na água, não!).
Alma e alma,
irmãs, sim — mas, amantes, não!
Uma é destino; outra — sem fim!
Que tal viver com tal pessoa
comum — vida sem divindades?
Jogou do trono-olimpo a deusa-
rainha, abdicou — e a coroa
de sua vida, como fica?
Ao despertar, como pagar
o preço de imortal banal-
idade — como? Menos rica?
“Chega de susto e suspeita!
Quero um lar!”. Mas… e a vida
só — com uma mulher qualquer —
Você — eleito de uma eleita?
Ah… E a comida? Apetitosa?
Você se queixa quando enjoa?
Depois do topo do Sinai,
Ir conviver com uma à-toa
da parte baixa da cidade,
uma coitada? Gostou da anca?
O açoite-vergonha de Zeus
ainda não vincou-lhe a estampa?
Entre viver e ser, dá para
contar? E como encara
o caro amigo a cicatriz
da consciência-meretriz?
Viver como boneca de gesso
—de feira!? Você me acha cara?
depois de um busto de Carrara,
um susto de papier-mâché?
(O deus que escavei de um bloco
só me deixou os ocos). Enleva
viver com uma igual a mil,
quem já teve a Lilit primeva?
Não lhe matou a fome a boa
bisca, que atendeu aos pedidos?
Como viver com a simplória
que só possui cinco sentidos?
Enfim, por fim…: você é feliz,
no sem-fundo dessa mulher?
Pior, melhor, igual a mim,
nos braços de um outro qualquer?
(1924)
A MAIAKOVSKI*
Jogo na palma da mão
sementes de fogo
para que Ele
se mostre numa luz infinita
vermelho como o fogo**
– André Biély
Tal como o Chefão Soviético
no Sínodo Pleno:
– Ôi, Serginho!
– Ôi, Mirinho!
– Cansou? – Can-sei.
– Não dava mais? – Nem menos.
– Razões gerais? – Pessoais.
– Tiro na mosca? – Um só…
– Ardeu – Sem dó…
– Feliz? Infeliz?
– Passei, como se diz.
– Não é legal, Serginho!
– Não é legal, Mirinho!
– Você me xingou de tudo,
seu! Voz de baixo
profundo: as pranchas
do palco racharam…
– Melhor deixar pra lá…
– Hom`essa! Tomar um barco
de amor por bote salva-vida!
Foi peça de rabo-de-saia?
– Melhor que a sua gandaia
de vodca. Fuça inchada,
você não mudou nada.
– Não dá certo, Serginho!
– Nem de perto, Mirinho!
– Trabalho limpo, navalha
não faz, criatura.
– Veja: tinha assinatura!
– E ainda goteja…
– Ponha folha de tanchagem.
– e iodo de bandagem?
– Cura dura, Serginho?
– Dura cura, Mirinho!
– E o que se passa na súcia
da Velha Mãe Rússia – Como?
Onde? – Na U-Erre-Esse-Esse,
o que acontece? – Const-rói-se.
Os pais vão parindo,
o sabotadores sabotando,
o editores governando,
o escritores escrevinhando.
Uma nova ponte foi-se:
Obra do martelo-degêlo.
– Sempre a mesma coisa, Serginho!
– Sempre o mesmo, Mirinho!
– E como voam os cantores de pena?
– Muito vivos os poetas-juntos!
Em lugar de ataques,
loas e coroas para os vates
defuntos (encobrindo os saques!).
A minha velha ROSTA,***
em nova plástica de louva ações.
Não há plurais Pasternaks:
ele está só em suas canções.
– Então que tal uma chuvinha
nessa estiagem toda?
Vamos nessa, Mirinho?
– Vamos nessa, Serginho!
– Alguém de lá manda abraço…
– Mas como anda o nosso santo
Alexandre Alexandrovitch Blok?****
– Olhe lá longe: virou anjo!
– E Fiódor Kusmitch – Pelo canal,
atrás das bochechas rosadas.
– E Nicolai Gumíliev?
– No leste, “depor-todo”…
ou “tudo’… Culpado! – (Saco
ensopado, pilhas na carroça).
– A mesma coisa, Serginho?
– A mesma coisa, Mirinho!
– Já que isso é assim,
querido amigo Mirinho,
porque não metendo mãos
à obra, embora sem
mãos!
– Mas com fins, Serginho,
velho irmão: e vai ser
uma bomba
nesse império também!
E em tempos de Nova AurEra.
nascida de nossos ossos,
Vamos encher a caveira, Serginho!
– Vamos encher a caveira, Mirinho!
(1930)
Fonte: http://www.culturapara.art.br/opoema/marinatsvetaeva/tsvetaeva.htm
https://www.oficinapalimpsestus.com.br/marina-tsvetaieva/
http://www.elfikurten.com.br/2016/02/marina-tsvietaieva.html
Verônica de Araújo Costa. Marina Tsvetáieva e a musicalidade do poema. Dissertação (Mestrado) – UFRJ/ Faculdade de Letras/ Programa de Pós-graduação em Ciência da Literatura – Rio de Janeiro: UFRJ/LETRAS, 2013. 195f. Disponível em: http://www.posciencialit.letras.ufrj.br/index.php/pt/mestrado-n/dissertacoes/dissertacoes-2013