A Família de Pascual Duarte, de Camilo José Cela, conta a história de um pobre camponês da região de La Coruña que, a partir do horizonte curto de suas perspectivas de vida e, apesar da boa índole e da retidão de caráter, se vê tendo de lidar com seus rompantes de violência e atos intempestivos. A obra, lançada no mesmo ano de O Estrangeiro, de Camus, 1942, deixa-nos sensações de espantos similares ao livro do autor argelino, principalmente naquilo que poderíamos chamar de uma perda de bordas e limites nos gestos descontrolados de suas figuras. O livro é, na verdade, o relato de Pascual Duarte, em carta, poucos dias antes de sua morte, na tentativa de revelar (a si mesmo? A quem?) os possíveis motivos que teriam levado ele a cometer seus atos mais vis e criminosos, alguns deles que atualizam, inclusive, o destino das tragédias gregas como Édipo, Antígona ou Prometeu.
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O NotaTerapia separou as melhores frases da obra:
Porque a ninguém se odeia mais profundamente do que àqueles com quem nos parecemos, de tal maneira que se chega a odiar a própria semelhança.
Não um modelo para imitar mas para ouvir; um modelo perante o qual apenas se pode dizer: – Vês o que faz? Pois faz o contrário do que devia.
Mistérios da maneira de ser dos mortais que acabam por desejar aquilo que aborrecerá.
Mulher que não chora é como a fonte que não corre, não serve para nada, ou como a ave do céu que não canta e a quem, se Deus quisesse, cairiam as asas porque às alimárias nenhuma falta lhes fazem.
Vou continuar a minha narrativa; é triste bem o sei, mas muito mais triste, porém, me parecem estas filosofias para as quais meu coração não é feito: o meu coração, esta máquina que fabrica sangue que qualquer punhalada faz derramar.
uma pena que nunca se saiba onde nos levam as alegrias dos homens, porque, se soubéssemos, não há dúvida de que um ou outro desgosto haveríamos de evitar.
Ninguém se acostuma à desgraça, creiam-me, porque sempre supomos que a desgraça que estamos suportando é a última que nos sucederá, embora, depois, com o decorrer dos tempos, acabemos por nos convencer – e com que tristeza! – que o pior ainda não passou.
Uma leoa atacada não teria tido o mesmo furor que minha mulher.
Vês os lobos que andam pelos montes, o gavião que voa até as nuvens, a víbora que se esconde entre as pedras? Pois pior que todos eles juntos é o homem!
Mata-se sem pensar, disso tenho eu a prova; e às vezes, sem querer.
Temos de fugir; de fugir para longe, para onde ninguém nos conheça, onde se possa começar a odiar com novos ódios.
Tudo vai com o hábito.
Mas o mundo é como é e o que navegar contra a corrente não é senão um vão intento.
O sangue parece ser o adubo da tua vida…
Tarde ou cedo, tudo chega nesta vida, menos o perdão dos ofendidos que às vezes parece que se compraz em se afastar.