Os Crimes do Amor, de Marques de Sade: quando o sadismo se debruça sobre os sentimentos

Autor: Marques de Sade
Editora: Coleção L&PM Pocket
Tradução: de Magnólia Costa Santos
Páginas: 216

É muito comum que a literatura projete o imaginário daqueles que escrevem seus livros. Em geral, o que temos é uma projeção na ficção e na elaboração estética da experiência com o intuito de organizar o caos do cotidiano – essa coisa convulsa que nada diz – em linguagem, uma possibilidade qualquer de ordem no mundo. Acontece que, na maioria das vezes, escritores e escritoras colocam em suas obras muito do que não realizam em vida ou então acentuam seus pontos mais frágeis e sombrios, imaginando aquilo que as regras sociais não permitiriam com tanta facilidade. Este é um caminho, porém é caminho contrário que toma Marques de Sade (1740-1814), o escritor devasso, erótico, sem limites para os prazeres do corpo, ateu convicto e exploradores dos corpos e da psiquê humana. Esta figura controversa que passa metade da vida em prisões e sanatórios é aquela que transpõe na carne a sua vida em toda a sua potência. O que pouca gente sabe é que o autor também se debruçou sobre os percalços dessa pequena coisa chamada “as agruras do amor”. Este livro que comento agora revela isso.

Os Crimes do Amor, de Marques de Sade, é uma reunião de quatro novelas que, diferentemente das demais obras do autor, não trata propriamente do erotismo e do sadismo, mas sim das múltiplas faces e das moralidades do amor. Buscando investigar o ultrapassamento do desejo que se torna, aos poucos, o sentimento instável da paixão, Sade tenta revelar as minúcias do surgimento dessa sensação que se constrói aos poucos e se aloja dentro de nós. Além disso, Sade vai nos apresentar aqueles que exploram, dominam e manipulam estes sentimentos, fazendo os demais seres humanos de cobaias do amor e imergindo-os nesta teia que muitas vezes leva a destruição. O livro inclui, ainda, um breve ensaio do autor sobre a formação do romance, chamado Nota sobre romances OU A ARTE DE ESCREVER AO GOSTO DO PÚBLICO, que contém as principais características do gênero que emergia no período com a forma preferida do público burguês, a partir de uma perspectiva bastante peculiar do autor, incluindo um percurso sobre o gênero na história.

As novelas do livro são: A Dupla Prova, que conta a história do duque de Ceilcour que, cansado das luxúrias e dos casos furtivos com as mulheres, resolve testar duas das mulheres viúvas mais disputadas do reino. Assim, ele leva-as para sua casa de campo transformando o final de semana em um pedaço do mundo repleto de histórias, magias, encantos, jantares, em um mundo fantástico que parecia impossível aos olhos de quem visse. Aquela que lhe resistisse seria a sua escolhida para viver um grande amor; A segunda novela, chamada Rodrigo ou a Torre Encantada, retrata a figura de um rei vil e cruel, que explora e escraviza sua população, principalmente as mulheres e, ao perceber que perde parte de seu poder, vai até uma torre para capturar uma grande fortuna que está lá escondida. No entanto, acaba sendo obrigado a enfrentar seus maiores fantasmas no mundo misterioso e maravilhoso do inferno; A terceira novela, de nome Dorgeviile ou o Criminoso por Virtude, é sobre um homem feio e virtuoso que se muda para a América após perder os pais em um caso que envolveu sua irmã. Decidido a jamais se casar, ao menos que a sorte lhe mostre a mais virtuosa das mulheres, ele vive no campo fazendo o bem e ajudando todos que necessitam. Entretanto, um dia em que, enquanto andava a cavalo, encontra uma mulher com uma criança de colo. Ela conta que fora expulsa pelos pais por ter engravidado e não tinha para onde ir. Dorgeville acolhe a mulher e, aos poucos, apaixona-se por ela, revelando uma trama que esconde mais segredos do que se pode imaginar; Por fim, a obra contém A Condessa de Sancerre ou a Rival da Filha, sobre uma vil condessa que apaixona-se pelo prometido da filha e, após a morte do marido – que recomenda por carta aceitar o casamento do jovem casal – resolve fazer e tudo para afastar a filha do rapaz. O resultado é uma trama densa com traços de uma tragédia à lá Romeu e Julieta.

Os Crimes do Amor é o livro de Sade conhecido por ter menos conteúdo erótico, apesar de incorporar dele os prazeres de um mundo convulso, tendo como foco principal as atrocidades e manipulações envolvendo relacionamentos, as diferenças de gênero e as perversidades humanas em torno os temas do amor. O sadismo, desta vez, se desloca dos prazeres do corpo e se concentra nos prazeres e agruras das regras e moralidades de uma sociedade em transformação. A principal característica destes novelas é uma relação direta com a cultura oriental, em especial com o mundo mágico e também repleto de profundo reflexão sobre corpos e erotismo dos contos árabes das Mil e Uma Noites, incorporando, inclusive, muitas de suas principais características.

Trata-se de uma obra que revela uma outra face de Marques de Sade, assim como a possibilidade de olhar a crueldade e vileza do ser humano através de outros prismas, explorando caminhos da linguagem em uma transfusão entre tradição, modernidade nas vestes de uma estética pujante e potente. E se Os Crimes do Amor pinta os homens “tal como eles são”, esta obra apresenta um dos lados mais obscuros de todos nós.

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