Fernanda Young (1970-2019) foi atriz, roteirista, apresentadora e escritora carioca. Recentemente, todos foram surpreendidos com sua morte precoce. Trabalhou como apresentadora e atriz nos canais GNT e Rede Globo e atuou como roteirista de várias séries e filmes. Possui mais de 10 livros publicados entre romances, contos e poesias. Além disso, escreveu crônicas em revistas e jornais. Em 2005, publicou a coletânea de poemas Dores do amor romântico pela Ediouro. Com uma personalidade ousada e polêmica, não poupava críticas a qualquer assunto. Utilizava uma linguagem afiada e ácida para retratar a vida, as desilusões e as adversidades e escrevia sobre variados temas como feminismo, sentimentos, sexo e política.
Confira os melhores poemas:
Votos de submissão
Caso você queira posso passar seu terno,
aquele que você não usa por estar amarrotado.
Costuro as suas meias para o longo inverno…
Use capa de chuva, não quero ter você molhado.
Se de noite fizer aquele tão esperado frio
poderei cobrir-lhe com o meu corpo inteiro.
E verás como minha a minha pele de algodão macio,
agora quente, será fresca quando janeiro.
Nos meses de outono eu varro a sua varanda,
para deitarmos debaixo de todos os planetas.
O meu cheiro te acolherá com toques de lavanda
– Em mim há outras mulheres e algumas ninfetas –
Depois plantarei para ti margaridas da primavera
e aí no meu corpo somente você e leves vestidos,
para serem tirados pelo total desejo de quimera.
– Os meus desejos irei ver nos teus olhos refletidos. –
Mas quando for a hora de me calar e ir embora
sei que, sofrendo, deixarei você longe de mim.
Não me envergonharia de pedir ao seu amor esmola,
mas não quero que o meu verão resseque o seu jardim.
(Nem vou deixar – mesmo querendo – nenhuma fotografia.
Só o frio, os planetas, as ninfetas e toda a minha poesia).
Sei das besteiras que faço
Das besteiras que falo
De onde vêm os hematomas
Dos medos e dos fracassos
Sei o que penso na insônia
Quando dou uma esmola
Quando digo minha glória
E penso nos vestidos
Sei das noites bebidas
Nos copos sujos e sujos
Conheço cada pedaço da rua
Conheço um pouco de tudo
E sei que digo mentira
quando digo “Sei de tudo”
Falo demais sobre mim
E quando vejo
Já disse
Algumas verdades.
Chet
E a mulher, feita de batom e realeza,
não segue mais o canto do seu pranto em dor,
não espera mais aquele que um dia disse:
“Tome meus pés e os guie.”
Coloca um disco na vitrola,
– As sedas e os veludos da cegueira –
retoca o batom cor de rubi
e com isso tenta reaver sua nobreza
como se o séquito fosse composto de cosméticos.
Meu corpo de estatueta morta
tentando soltar-se da fina
camada de porcelana.
Bibelô da coleção de avós.
Com um braço quebrado,
colado.
Mas por que quis dançar?
Qual é o tempo que o corpo
permitirá à vida do ritmo?
Mas meu corpo não sabe de nada,
ele acha que tem seis anos…Mais nada.
Poema de Mulherzinha
Agora você está vendo, agora,
algo lindo, ou não, que eu vejo
também.
Estamos no mundo ao mesmo
tempo,
e isso, só isso, já me impede de
esquecê-lo
por um instante sequer.
Você respira, tosse, respira, dorme,
espirra e eu não posso deixar de
sentir.
Ora! foge ao meu controle.
Esteja você numa ponta do
planeta e eu noutra.
A Terra é somente uma estrela,
nós o infinito de todo um cosmos.
Não posso fazer nada, não há solução.
Então choro,
oro,
te esporro de mil xingamentos.
Desculpa, amor, é que eu te amo
te amo,
te amo
e quase não sou mulher o suficiente
para tanto isso.
Seus olhos marejam com tanta facilidade.
Duas pedras cravadas em branco mármore,
pequenas bolotas castanho-escuro. Tão tristes
quanto umedecidas. Chora,
chora logo, antes que, de tanto conter-se,
seus olhos – em vez de lágrimas – rolem
feito bolas de gude.
Almost Blue
Sirva-se de mais um drinque
A felicidade não estará no gelo,
mas quem sabe?
Aliás, quem sabe você não a encontre
no próximo gole?
Lembre-se de sorrir quando acenderem
o seu cigarro
e de não deixar a chama iluminar o descaso
que você tem em viver.
Quando de novo você voltar
eu te contarei sobre o mar
que cobriu o seu corpo
– lá, onde eu não estava –
mas saberei descrever as
estrelas limpinhas que não
brilharam no meu rosto,
estendido na areia em que eu
não deitei. E irei lavar as
nossas roupas brancas
– dessas que a gente só usa
nas viagens de praia –
aquelas mesmas que não
tiramos, bêbados dos drinques
que não brindamos, mas que
eu passei e dobrei e coloquei
dentro da sua mala que parte
para o destino que nunca será o
meu.