Quem assiste Gabriel e a Montanha chega ao final do filme com uma série de perguntas: Do que se trata a obra? É sobre o relato íntimo de um rapaz ou sobre uma viagem a África? É sobre um aventureiro que desbrava mundos ou sobre um sujeito que gosta de gente e passa sua vida a conhecer pessoas? É sobre alguém que pensa o mundo ou vive o mundo? Ou será, por outro lado, o filme sobre um amigo que conta a história de seu melhor amigo diante de sua morte precoce? Ou será das pessoas que passaram pela vida deste rapaz?
Gabriel e a Montanha é tudo isso e já no título expõe essa ambivalência desde a desproporção entre o pequeno sujeito e a imensa montanha, quase em um jogo de Davi e Golias: eu e o mundo, eu e as outras pessoas, eu e meu amigo, eu e o Flamengo, eu e minha namorada. Todos imensos em mim, mas todos do tamanho que posso alcançar. Acho que, em justa medida, cabe dizer que o filme trata deste abismo entre a gente e o resto das coisas: essa vontade imensa de descobrir uma verdade íntima das coisas que nunca se revela para nós ou sobre, mais do que isto, a tentativa de, contando a história de Gabriel, tentar tocar a história de cada um de nós.
Para contextualizar, o filme conta a história de Gabriel Buchmann, que morreu em 2009 ao se perder em uma montanha do Maláui, quando viajava pela África. A história dele, contada aos fragmentos pelos emails enviados para a família, pelos relatos de quem passou por ele na África e pela memória de seu amigo Felipe, o diretor do filme, e das pessoas próximas a ele, nos mostra uma espécie de montagem de memórias e relatos a partir do que se pode colher da viagem de Gabriel. Ora, isto já foi feito diversas vezes, a diferença neste caso – e aí está a mestria do filme – é que a memória é encarnada pelos lugares e objetos que foram de Gabriel, todos repletos da imagem e da memória do rapaz. A memória é, assim, matéria.
Entretanto, a escolha de fazer o filme com as mesmas pessoas que passaram pela vida de Gabriel na África e recompor seu caminho, seus passos, usando suas roupas, suas sandálias de pneus de carro, aproxima o filme não da personagem ou do Gabriel real, uma instância que Filipe Barbosa consegue tocar com maestria, mas aproxima esta figura do todo mundo em cada um de nós e do cada um de nós que existe em todo mundo. E mesmo a interpretação de João Pedro Zappa, minimalista, observadora, devoradora, atenta ao gesto, que rasga da simplicidade naquilo que é mais complexo – ser protagonista e, ainda assim, se misturar na massa – compõe um filme cuja unidade se dá naquilo que na vida tem de múltiplo. No fim das contas, o que fica disto é a imagem de uma viagem que é a que cada um de nós faz, uma caminhada, uma descoberta, um passeio, uma coragem, um erro, um perdão, um amor.
Gabriel e a Montanha é o retrato que diz que toda viagem é pra dentro e pra fora ao mesmo tempo. A gente descobre nosso amigo, nossos caminhos, nossas escolhas. A gente escolhe e vive. E, na vida, um monte de coisa não deixa a gente escolher. E a gente vive ainda assim. E vive, naquilo que pode. Gabriel é uma aventura e, no fim das contas, a montanha não mete medo: ela é a gente também.
Confira o trailer do filme: