Autora: Natália Alonso
Gênero: Vampiro
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“Todos nós vamos devorar e sermos devorados. É só uma questão de qual será a ordem, quando e por quem.”
Natália Alonso
Há violência em todos os cantos. Em todos os tempos. Em todos os espaços. O ser humano que, como diz Augusto dos Anjos, “Mora, entre, feras, sente inevitável / Necessidade de também ser fera”, atravessou os séculos cometendo todos os tipos de atrocidades contra a vida de seus pares e se tornou, se não infernal, pelo menos uma criatura que, no fim das contas, não merece nenhuma forma de paraíso, nem na terra, nem em qualquer outro lugar. E não aprendemos porque, talvez, não somos capazes de olhar nossas violências diante de nossos olhos e apenas ouvimos suas histórias contadas pelos antepassados. No entanto, uma figura atravessou os séculos e é a grande testemunha deste mundo: Lucy Iordache. E só ela pode viver a intensidade de toda dor e a vida de quem, mesmo após tanto tempo, é capaz de querer viver.
Lucy Iordache – Sob Controle, de Natália Alonso, conta a história de Lucy, uma vampira que atravessou os séculos, desde o fim da Idade Média, no século XV, chegando até os dias de hoje. A história é dividida em três partes: a primeira conta dos horrores do Holocausto no interior de um campo de concentração nazista em Jasenovac, para onde a protagonista foi levada ao lado de sua esposa Mirian Wazowski; a segunda, no inferno, nos momentos em que Lucy se encontra com Mefistófeles nos intervalos entre suas mortes e retornos à vida; e a terceira, em nosso tempo atual, em New Orleans, em que assume o primeiro nome de sua antiga esposa – com algumas mudanças, a fim de se misturar na multidão – e vive como uma bem sucedida e reconhecida enóloga.
Acontece que Lucy um dia fareja um corpo em um beco escuro e acaba por testemunhar uma morte. Assim, ao lado do detetive Manson, ela se vê diante da história de um assassino serial que mata mulheres, drena seus sangues e manipula seus corpos de maneira que intriga tanto a polícia quanto a experiente vampira. Quando ela se dá conta, ela está no meio desta história e pode ser, inclusive, a chave para resolver todo o mistério.
O que mais chama atenção na escrita de Natália Alonso é a dinâmica complexa de alteração de tempos, fluxos e ritmos por dentro da narrativa, de modo que o ano de 1943, diante do inverno europeu em um campo de concentração consiga estar justaposto a uma narrativa contemporânea de investigação sem que, em nenhum momento, nem uma linguagem nem outra se sobreponham e tomem a frente como sendo a história principal. Além disso, é possível perceber, por entre as brechas, um certo jogo de ironia, de humor que se revela e desvela nas aparições infernais de Mefistófeles, quase como um confidente e parceiro de Lucy. Esses três planos, sem qualquer hierarquia, se intervalam, mostrando fluidezes e ritmos que atraem o leitor através de suas frases e caminhos.
Em Lucy Iordache – Sob Controle estamos diante de um thriller de grandes tonalidades, mas também imersos em um universo que foi construído em minúcias e que aponta para diversas referências que, uma vez captadas pelo leitor, enriquecem a obra de forma surpreendente: a intensa pesquisa de Natália não está apenas na coleta de dados históricos e composição de espaços reais, mas também na coleção de leituras que se pode ver dentro da obra. Desde a já referida referência a Bram Stoker, ou ao mito fáustico, atualizado na figura do Mefistófeles – que na obra parece mais com o de Marlowe do que com o de Goethe – passando por referências como Oscar Wilde, e um possível vilão que apenas se anuncia, chegando até um surpreendente Thomas Harris.
Outra referência inescapável está nas epígrafes dos capítulos que, na quase totalidade, são assinados pelo filósofo Friedrich Nietzsche, o que, a meu ver, trouxe uma dado de informação a mais, como a cereja de um bolo, ao mostrar que o que estava em jogo não era uma vida niilista, de lamentações pela vida eterna, mas uma possível materialização do eterno retorno nietzschiano na figura de Lucy que, sem querer abrir mão de nada na vida, negando o niilismo da vida cristã, prefere andar de mãos dadas ao demônio e alimentar Cérberus do que se juntar ao reino dos céus. E, seguindo a trilha de Nietzsche, ao dizer que “quem luta com monstros deve velar por que, ao fazê-lo, não se transforme também em monstro. E se tu olhares, durante muito tempo, para um abismo, o abismo também olha para dentro de ti.”, podemos refletir sobre, no fim das contas, quem é verdadeiro monstro da história tanto com h minúsculo quanto com h maiúsculo.
No mais, a tragédia de ser condenado a beber sangue alheio, estar submetida a um campo de concentração por uma ideia racialista e preconceituosa ou estar diante de um assassino serial sedento por ver o mundo diante do caos, são partes da mesma moeda. E, como dito, apenas Lucy, como uma Orlando, de Virgínia Woolf poderia ser testemunha de tudo isso. A sua história revela também a história do mundo, uma história que não se cala e submerge da boca de todos que querem falar e questionar o mundo como ele é.
Lucy Iordache – Sob Controle, de Natália Alonso, é resultado destes mundos. Por isso, é uma narrativa mista, complexa, caleidoscópica, que faz rir ao mesmo tempo que nos mostra as maiores tragédias, que nos coloca diante de um mistério, ao mesmo tempo em que nos dá um pouco de filosofia. E nos faz pensar porque o pensamento é rebelde e porque toda história urgente e precisa, diante do mundo contar sua versão. Ela precisa existir e sobreviver e, se possível, viver. Assim como Lucy.
*Esta resenha é um publipost