O poema de Charles Bukowski, O Pássaro Azul, originalmente publicado na sua antologia de 1992 The Last Night of the Earth Poems, é uma meditação sutilmente profunda sobre uma faceta da condição humana que conhecemos muito bem. A compulsão, os vícios, o resultado de uma solidão que corrói diariamente, é a isso tudo que Bukowski consegue se referir – ou melhor, trazer à tona – com o seu poema.
O pássaro azul se mostra como a pureza que buscamos preservar na gaiola, proteger um dos sentimentos mais nobres diante de um mundo corrompido. Essa beleza pura, talvez o ímpeto que move o escritor a criar, pede para se mostrar, mas não é revelado pelo poeta, o qual se encontra à mercê das ofertas ambíguas do mundo. Na hora em que se deita e está sozinho, é na companhia desse pássaro guardado em si mesmo, que o poeta parece se recompor. Pelo menos um pouco, para suportar a dor e o desespero que existe sempre no dia seguinte.
A bela animação adapta o poema de Bukowski e foi criada por Monika Umba, estudante de Cambrigde School of Art. Com uma perfeição visual muito bem desenvolvida pela artista, a trilha de poucas notas dá o toque melancólico que soa na leitura. Os personagens possuem um corpo meio rígido, parecem feitos de recortes de jornal. Por isso, tem algo de cotidiano neles. O pássaro e o azul, os grandes protagonistas da animação, dão o tom aos eventos e brilham pela imagem, trazendo à vida a magia do poema.
Abaixo você pode conferir o poema de Bukowski e a animação:
O pássaro azul
há um pássaro azul em meu peito que
quer sair
mas sou duro demais com ele,
eu digo, fique aí, não deixarei
que ninguém o veja.
há um pássaro azul em meu peito que
quer sair
mas eu despejo uísque sobre ele e inalo
fumaça de cigarro
e as putas e os atendentes dos bares
e das mercearias
nunca saberão que
ele está
lá dentro.
há um pássaro azul em meu peito que
quer sair
mas sou duro demais com ele,
eu digo,
fique aí, quer acabar
comigo?
quer foder com minha
escrita?
quer arruinar a venda dos meus livros na
Europa?
há um pássaro azul em meu peito que
quer sair
mas sou bastante esperto, deixo que ele saia
somente em algumas noites
quando todos estão dormindo.
eu digo, sei que você está aí,
então não fique
triste.
depois o coloco de volta em seu lugar,
mas ele ainda canta um pouquinho
lá dentro, não deixo que morra
completamente
e nós dormimos juntos
assim
com nosso pacto secreto
e isto é bom o suficiente para
fazer um homem
chorar, mas eu não
choro, e
você?
in Textos autobiográficos, de Charles Bukowski, páginas 478/9. Tradução de Pedro Gonzaga. Porto Alegre, L&PM Editores, 2009.
Aqui o poema em inglês
Fonte
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