O canal GloboNews possui um dos programas mais inovadores do jornalismo brasileiro. Trata-se do Em Pauta, comandado por Sérgio Aguiar sempre acompanhado por um grupo de comentaristas especializados. De segunda a sexta, Sérgio, do Rio de Janeiro, conversa e debate com este de jornalistas que se alternam e que de São Paulo, Brasília e Nova York comentam sobre os principais fatos da política e cultura brasileira e mundial. Um dos quadros do programa é comandado por Jorge Pontual e se chama #PoemaEmPauta. Sensível, amante da poesia, Pontual traduz diversos poemas, conhecidos e desconhecidos, de poetas de diferentes lugares do mundo e recita com elegância, talento e cuidado. Toda semana somos agraciados com essas traduções de poemas inspiradores e podemos, em meio ao caos do dia a dia, ter um momento voltado para a beleza da poesia.
Vagando pela internet, encontrei um blog de Pontual com algumas dessas traduções publicadas. Assim, decidi fazer para o NotaTerapia uma seleção dos melhores poemas traduzidos pelo jornalista. Todos as traduções estão disponíveis no blog de Jorge Pontual ou em blogs autorizados pelo mesmo.
1- Uma arte, de Elizabeth Bishop
A arte da perda é fácil ter;
por tanta coisa cheia de intenção
de ser perdida não dá pra sofrer.
Perca algo todo dia. Perder
chaves aceite, junto com a aflição.
A arte da perda é fácil ter.
Treine perder muito sem se deter:
lugares, e nomes, a comichão
de viajar. Nada fará sofrer.
Perdi jóias da mamãe. E dizer
que perdi casas que amei de paixão.
A arte da perda é fácil ter.
Perdi duas cidades. E o prazer
de um continente na palma da mão.
Sinto falta mas não dá pra sofrer.
– Até perder você (a voz, o ser
que eu amo) não devia mentir. Não,
a arte da perda se pode ter
embora pareça (diga!) sofrer.
2- [Morri como mineral], de Jalal ud-Din Rumi
Morri como mineral,
e tornei-me planta.
Morri como planta,
e surgi como animal.
Morri como animal,
e sou humano…
Por que ter medo?
O que perdi ao morrer?
Mas de novo vou morrer como humano,
para voar com os anjos, abençoado.
E mesmo como anjo, terei de morrer.
Todos perecem, menos Deus…
Quando eu tiver sacrificado
a minha alma de anjo,
me tornarei
o que a mente sequer concebe!
Ah! Que eu não exista!
Pois a não-existência proclama,
como um órgão,
que para Ele voltaremos.
3- Embriague-se, de Charles Baudelaire
É preciso estar sempre embriagado. Isso é tudo: é a única questão. Para não sentir o horrível fardo do Tempo que lhe quebra os ombros e o curva para o chão, é preciso embriagar-se sem perdão.
Mas de que? De vinho, de poesia ou de virtude, como quiser. Mas embriague-se.
E se às vezes, nos degraus de um palácio, na grama verde de um fosso, na solidão triste do seu quarto, você acorda, a embriaguez já diminuída ou desaparecida, pergunte ao vento, à onda, à estrela, ao pássaro, ao relógio, a tudo o que foge, a tudo o que geme, a tudo o que rola, a tudo o que canta, a tudo o que fala, pergunte que horas são e o vento, a onda, a estrela, o pássaro, o relógio lhe responderão: “É hora de embriagar-se! Para não ser o escravo mártir do Tempo, embriague-se; embriague-se sem parar! De vinho, de poesia ou de virtude, como quiser”.
4- Ninguém está só, de Stephen Sondheim
Mãe deixou você. Agora está só. Agora é só você. Mas, não está só. Ninguém está só. Mesmo. Ninguém está só. Tem quem deixe você, Num mundo sem som. Quem engane você. Decida o que é bom. Você decide só. Mas ninguém está só. Mamãe foi embora, Será que morreu? Nada é claro agora. Você se perdeu? Você decide, mas Você não está só Acredite Ninguém está só. Mesmo. Ninguém está só. As pessoas erram. Pais, Mães, As pessoas erram, Presas ao que são, Pois se sentem sós. Respeite que errem. Todo mundo erra, Luta por seus erros, Contra horríveis erros. Há bruxas tão boas, gigantes também. Decida o que é certo, decida o que é bem. Mas lembre: Alguém está com você E alguém não está Quando a gente só vê O lado em que está: eles não estão sós, Ninguém está só. Tudo é escuro agora, Não deixe cair, Vai dar certo agora. Nós podemos ir. Alguém está com você Ninguém está só.
5- O Gato, de J. R. R. Tolkien
6- Que a América Seja a América, de Langston Hughes
Que a América seja a América de novo,
seja o sonho que costumava ser,
seja a grande terra forte do amor
onde nenhum homem pode ser esmagado pelos de cima,
uma terra onde a
oportunidade seja real, a vida seja livre,
a igualdade esteja no ar que a gente respira.
Nunca houve igualdade pra mim,
nem liberdade nesta terra de homens livres.
Eu sou o branco pobre, enganado e excluído,
eu sou o negro com as cicatrizes da escravidão,
sou o índio expulso da terra,
sou o jovem cheio de força e esperança
preso à antiga corrente sem fim
do lucro, do poder, da sanha
de possuir tudo por pura ganância.
Eu sou o agricultor preso ao solo,
sou o trabalhador vendido à máquina,
sou o negro que serve a todos,
sou o povo, humilde, faminto, pequeno.
Que a América seja a América de novo,
a terra que ainda não é
mas tem que ser – a terra onde todo homem é livre.
A América nunca foi a América pra mim,
mas eu faço este juramento:
a América será!
Nós, o povo, temos que redimir
a terra, as minas, as plantas, os rios,
as montanhas e a planície sem fim
e fazer a América nascer de novo!
7- Não entre na noite pra se render, de Dylan Thomas
Não entre na noite pra se render,
Velhice é pra arder até o fim,
Lute, lute para a luz não morrer.
O sábio aceita bem o escurecer
Mas tem palavras de luz e por fim
Não entra na noite pra se render.
O justo, que ao partir irá sofrer
Porque não lhe coube um melhor jardim,
Luta, luta para a luz não morrer.
O rude que põe o sol pra correr,
E vê tarde demais o que é ruim,
Não entra na noite pra se render.
O sério, ao pé da morte, já sem ver,
Acesos os olhos, alegre enfim,
Luta, luta para a luz não morrer.
E você meu pai, triste de se ver,
Amaldiçoe, abençoe-me assim.
Não entre na noite pra se render,
Lute, lute para a luz não morrer.
8- Soneto de Michelangelo
Com os belos olhos teus vejo a luz clara
que com os meus, cegos, já não posso olhar;
com teus pés posso um peso carregar,
o que pra mim, manco, é coisa rara.
Com tuas asas pra sempre eu voara;
com teu engenho ao céu posso chegar;
fazes-me empalidecer ou corar,
gelado ao sol, na neve, um Saara.
O teu querer é só o querer meu,
meu sentimento nasce no teu peito,
no teu alento a minha voz busquei.
Como lua solitária sou eu,
que no céu não se pode ver direito
a não ser que reflita o astro-rei.
9- Poema escrito em inglês por Fernando Pessoa
Chove ? Nenhuma chuva cai…
Então onde é que eu sinto um dia
Em que ruído da chuva atrai
A minha inútil agonia ?
Onde é que chove, que eu o ouço ?
Onde é que é triste, ó claro céu ?
Eu quero sorrir-te, e não posso,
Ó céu azul, chamar-te meu…
E o escuro ruído da chuva
É constante em meu pensamento.
Meu ser é a invisível curva
Traçada pelo som do vento…
E eis que ante o sol e o azul do dia,
Como se a hora me estorvasse, Eu sofro…
E a luz e a sua alegria
Cai aos meus pés como um disfarce.
Ah, na minha alma sempre chove.
Há sempre escuro dentro de mim.
Se escuto, alguém dentro de mim ouve
A chuva, como a voz de um fim…
Quando é que eu serei da tua cor,
Do teu plácido e azul encanto,
Ó claro dia exterior,
Ó céu mais útil que o meu pranto?
10- Bem longe daqui, de Charles Baudelaire
É aqui a choça sagrada
onde essa moça arrumada,
tranquila e bem preparada,
o cotovelo no colchão,
ouve cantar o ribeirão;
é de Dorotéia a morada.
— Da brisa e da água, a canção,
longe, por soluços marcada,
nina a menina mimada.
De cima a baixo, com atenção,
a pele tenra é esfregada,
com óleo de manjericão.
— E as flores se espalham no chão.
11 – Mande os bufões, de Stephen Sondheim
Não é demais?
Somos um par?
Eu finalmente no chão,
Você no ar.
Mande os bufões.
Não é tão doce?
Bom pra você?
Um a deitar e rolar,
Um sem se mover.
Cadê os bufões?
Mande os bufões.
Bem quando eu
Parei de buscar,
Sabendo enfim
Que você era quem ia amar,
Entro no palco de novo
Com talento, meu bem,
Sei tudo de cor,
Mas não tem ninguém.
Gosta de farsa?
Culpe-me então.
Pensei que queria o que sabe que eu quero.
Nada, perdão.
Mas cadê os bufões?
Mande logo os bufões.
Não liga, aqui estão.
Não é demais?
Coisa sofrida,
Perder o pé a essa altura
Da minha vida?
Onde estão os bufões?
Tem que haver bufões.
Para o ano, querida.