Mulheres de Cinzas – As Areias do Imperador 1 – é o primeiro livro da trilogia lançada por Mia Couto em que o autor moçambicano faz um relato histórico da época em que seu país era governado por Ngungunyane, último dos líderes do Estado de Gaza, segundo maior império do continente comandado por um africano. Retratado no final do século XIX, o livro é narrado por Imani, uma menina local criada pela cultura da colônia portuguesa e pelo sargento Germano, degredado de seu país para o local. Uma história de deuses, lendas, guerras e armas. Uma história de um país dividido com pessoas tentando encantar o mundo ou, pelo menos, sobreviver. Leia mais AQUI!
Ao início de cada capítulo narrado por Imani há um a pequena epígrafe, de Mia Couto ou de outro autor, que serve de base ou inspiração para entendermos a obra de maneira mais ampla. O NotaTerapia separou as melhores epígrafes da obra:
A estrada é uma espada. A sua lâmina rasga o corpo da terra. Não tarda que a nossa nação seja um emaranhado de cicatrizes, um mapa feito de tantos golpes que nos orgulharemos mais das feridas que do intacto corpo que ainda conseguirmos salvar.
Eis a armadilha da glória: quanto maior for a vitória, mais o herói será perseguido e cercado pelo passado. Esse passado devorará o presente. Não importa quantas condecorações recebeu ou venha a receber: a única medalha que, no final, lhe irá sobrar é a triste e fatal solidão.
Sorte a dos que, deixando de ser humanos, se tornam feras. Infelizes os que matam a mando de outros e mais infelizes ainda os que matam sem ser a mando de ninguém. Desgraçados, enfim, os que depois de matar, se olham ao espelho e ainda acreditam serem pessoas.
As nossas estradas já tiveram a timidez dos rios e a suavidade das mulheres. E pediam licença antes de nascer. Agora, as estradas tomam posse da paisagem e estendem as suas grandes pernas sobre o Tempo, como fazem os donos do mundo.
A diferença entre a Guerra e a Paz é a seguinte: na Guerra, os pobres são os primeiros a serem mortos; na Paz, os pobres são os primeiros a morrer.
Para nós, mulheres, há ainda uma outra diferença: na Guerra, passamos a ser violadas por quem não conhecemos.
Quem congemina vinganças acredita antecipar-se ao futuro. É um logro: o vingador vive apenas num tempo que já foi. O vingador não age apenas em nome de quem já morreu. Ele próprio já morreu. Foi morto pelo passado.
A guerra é uma parteira: das entranhas do mundo faz emergir um outro mundo. Não o faz por cólera nem por qualquer sentimento. É a sua profissão: mergulha as mãos no Tempo, com a altivez de um peixe que pensa que ele é que faz despontar o mar.
“Há pessoas que transformam sol numa simples mancha amarela, mas há também aquelas que fazem de uma simples mancha amarela o próprio sol.” Pablo Picasso
Todo general sabe que, mais do que se defender do inimigo, se tem que proteger do seu próprio exército.
Os mais perigosos inimigos não são aqueles que te odiaram desde sempre. Quem mais deves temer são os que, durante um tempo, estiveram próximos e por ti se sentiram fascinados.
“Conheço o jogo dos europeus. Mandam, primeiro, os comerciantes e missionários; depois, os embaixadores; depois, os canhões. Bem podiam começar pelos canhões.” Imperador Teodoro II da Etiópia
Eis como enterramos os nossos defuntos: vamos-lhes ao celeiro e recolhemos os grãos com que lhes enchemos as mãos frias. Depois, dizemos-lhes: retirem-se com as vossas sementes!
O soldado ganha a farda; o homem perde a alma.
O que dói na morte é a falsidade. A morte apenas existe por uma brevíssima troca de ausências. Em outro ser, o morto irá renascer. A nossa dor é a de não sabermos ser imortais.
Edição: Companhia das Letras, 2015
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