Cláudia Dias da Silva, aos 50 anos, transformou em realidade um desejo que carregava há décadas: ocupar uma sala de aula não mais com produtos de limpeza nas mãos, mas com caderno, caneta e a condição de aluna regular. Após dedicar 15 anos de sua vida à limpeza dos corredores, banheiros e salas da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), ela agora transita pelos mesmos ambientes como estudante do curso de Licenciatura em Ciências Humanas, no qual ingressou no ano passado.
A frase que resume sua trajetória tornou-se símbolo de superação: no lugar onde eu limpava, hoje eu me sento para estudar. Essas palavras carregam o peso de uma história marcada por interrupções precoces nos estudos. Aos 11 anos, com a morte repentina do pai, Cláudia precisou abandonar a escola para ajudar a sustentar a casa, cuidar dos irmãos menores e trabalhar como empregada doméstica.
A educação formal ficou em segundo plano durante quase quatro décadas, embora o gosto pelos livros e o desejo de aprender nunca tenham desaparecido. Primeira pessoa da família a conquistar uma vaga no ensino superior, Cláudia representa uma quebra de ciclo que vai além do âmbito pessoal. Mulher negra, oriunda de família humilde e com longa trajetória no trabalho doméstico e na terceirização de serviços de limpeza, ela enfrentou barreiras sociais, raciais e econômicas que tornam raros casos como o seu.
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“Sinto que posso caminhar com as minhas próprias pernas. Fui com coragem, cara e vontade. Todo dia é diferente e bom. O que eu aprendo, levo pra dentro de casa”.
A aprovação no vestibular ocorreu já depois de encerrado seu contrato com a UFJF, o que reforça o caráter simbólico do retorno: o campus que por tanto tempo foi apenas local de trabalho passou a ser também espaço de formação e pertencimento. A mudança de papel dentro da universidade trouxe reflexões profundas sobre identidade, mérito e possibilidade. Cláudia reconhece que, para pessoas com seu perfil socioeconômico e racial, os sonhos muitas vezes parecem inalcançáveis, distantes demais da realidade cotidiana de sobrevivência.
Ainda assim, decidiu arriscar. Estudar à noite, conciliar compromissos familiares e domésticos com as demandas acadêmicas exigiu reorganização completa da rotina, mas também trouxe novo sentido à vida. Sua história ganhou repercussão não só pelo ineditismo, mas pela força emotiva que carrega. Professores, colegas e funcionários da UFJF que a conheciam como trabalhadora da limpeza agora a veem sentada nas carteiras, participando de debates, entregando trabalhos e construindo um caminho acadêmico próprio.
O contraste entre o passado de serviço braçal e o presente de estudante universitária evidencia que trajetórias de ascensão social são possíveis mesmo em idades avançadas e em condições adversas. Cláudia segue frequentando as dependências que outrora limpava com orgulho renovado.
Cada aula, cada leitura, cada interação no campus reforça a certeza de que o esforço valeu a pena e de que é possível, sim, reescrever a própria história. Sua conquista serve de inspiração para outras pessoas que, como ela, um dia acreditaram que determinados espaços não lhes pertenciam. Hoje, o lugar que limpava é também o lugar onde estuda, sonha e se projeta para um futuro diferente.