“Bicho Monstro”: filme se inspira em lenda de imigrantes alemães para contar duas histórias 

Estamos de volta com os Ciclos Regionais no cinema brasileiro, mas com uma diferença que só traz vantagem. Na era muda do cinema, no Brasil houve polos pontuais de produção de filmes, mas com canais de distribuição precários estes filmes não circularam para além das cidades onde foram produzidos, com raras exceções.

Hoje, há polos de produção cinematográfica nem tão isolados: com distribuição maior de players do mercado cinematográfico – como a Vitrine Filmes, distribuidora deste filme que analisamos hoje – e o advento do streaming, estes filmes podem circular. Pense nos polos de fazer cinema no Brasil: os pernambucanos e os cearenses sempre tão criativos, os mineiros com a Filmes de Plástico, os gaúchos com a Casa de Cinema de Porto Alegre. “Bicho Monstro” saiu desta última, que em mais de 30 anos de existência nos legou pérolas como “Ventre Livre” e “Saneamento Básico – O Filme”.

O filme começa com uma plateia assistindo a uma peça de teatro que, no auge do suspense, é interrompida pela queda de energia. Quem estava na plateia era a menina Ana (Kamilly Wagner), que fica fascinada com o animal que faz furos em frutas e é capaz de arrancar os olhos das criaturas.

Após aparecer o nome do filme na tela no minuto dezoito, somos transportados para o passado, quando um viajante alemão (Pascal Berten) estava numa expedição para encontrar animais exóticos que estudaria a fundo a seguir. Ele paga para se hospedar na casinha de um morador local, também alemão, que lhe conta sobre um animal que faz furos em frutas e é capaz de arrancar os olhos das criaturas.

Crédito: Daniel de Bem

De volta ao tempo presente, o pai de Ana é acusado de furar o olho de uma vaca do patrão, premiada em concurso em detrimento de seu animal. Motivada pela peça, a menina planeja montar uma armadilha para a criatura monstruosa. Atrapar o bicho monstro é também o que tenta fazer o viajante alemão no tempo passado, deixando tudo que lhe acontece registrado em seu diário.

A estratégia de contar duas histórias interligadas num mesmo filme é sempre instigante. O que une as histórias em “Bicho Monstro” é a localização compartilhada de Ana e do viajante, que deixa registrado em seu diário que “uma floresta enigmática” ocupava aquele espaço que mais tarde veria erguer-se cidades.

A lenda tem história, e tem nome próprio também: Thiltapes, animal lendário criado pelos imigrantes alemães para assustar crianças levadas e pregar peças em pessoas ingênuas, que, recém-chegadas à região, eram convidadas a participar de uma caça ao animal que não existe.

Germano de Oliveira ocupa funções na direção, roteiro e edição, sendo esta última sua função usual nos sets de filmagem – “Bicho Monstro” é sua estreia na direção, e já ficou entre os preferidos do público na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo do ano passado, além de ter levado os prêmios de Melhor Fotografia e Direção de Arte no Festival de Gramado. Sobre a inspiração no Thiltapes, Germano declara:

“São muitas as formas possíveis do animal imaginário, assim como o tom com que a história pode se apresentar: desde uma brincadeira engraçada até um conto de terror. O filme busca apresentar essa profusão de formas da mesma história e o contágio dessa narrativa através do tempo. A partir dela, tanto uma menina no presente, como um botanista no passado inventam seus próprios monstros a partir de seus conflitos pessoais”

São relativamente raros os filmes rodados sob o ponto de vista de uma criança. Ele pode ser adotado em “Bicho Monstro”, mas com uma surpresa: a cena final. Se vista com olhos de uma criança, é pura imaginação, mas é apenas com os olhos de um adulto que vem o assombro. É por conhecer o realismo mágico, este tão fértil na nossa América Latina, que nos surpreendemos.

Crédito: Daniel de Bem

Embora o começo cheio de suspense aponte para outra direção, “Bicho Monstro” é um filme sem grandes surpresas ou sobressaltos. Econômico no tempo, não tem enrolação ao desenvolver as tramas paralelas e, o mais importante, é mais uma das produções que se baseiam em nosso riquíssimo folclore.

“Bicho Monstro” estreia nos cinemas em 25 de setembro. Confira o trailer:

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