“Projeto Ornitorrinco”: espetáculo da Inepta Cia apresenta fábula distópica de sociedade tecnológica e violenta

Com texto e concepção de Cássio Duque, direção de Eduardo Vaccari e assistência de direção e supervisão dramatúrgica de Cecília Ripoll, “Projeto Ornitorrinco” apresenta uma fábula distópica em que um fenômeno insólito abala a sociedade: o ronco de estômagos famintos passa a causar terremotos e destruição.

Em meio ao caos, uma megacorporação oferece a solução: o “Stomach Orni”, um estômago artificial inspirado no ornitorrinco, que promete acabar com a fome. Com referências a redes sociais, big techs, consumismo, religião e publicidade, o espetáculo critica o presente de forma ácida, trazendo CEOs infantis, engenheiros midiáticos e trabalhadores explorados em revolta.

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Segundo Cássio Duque, a ideia surgiu de uma curiosidade científica: “Em 2021, li que ornitorrincos não têm estômago. Aquilo me marcou e imaginei uma sociedade sem estômago. Escrevi um microconto, que virou podcast e agora chega ao teatro.” O dramaturgo também cita o sociólogo Chico de Oliveira, que usou o ornitorrinco como metáfora da desigualdade social, ampliando o sentido da obra.

Misturando humor ácido, crítica política e terror, o espetáculo satiriza discursos corporativos de “salvação”, expondo a espetacularização da pobreza, a precarização do trabalho e o uso da tecnologia para controle e lucro. O protagonista, Carlos, um entregador sobrevivente de um desabamento, é escolhido para receber o implante do “Stomach Orni”, tornando-se o “Homem-Ornitorrinco” – estrela de um reality show que mascara novas formas de opressão.

Eduardo Vaccari explica que a encenação segue uma estética minimalista, priorizando a relação com o elenco: “Optamos pelo essencial, criando atmosferas com poucos elementos. Tudo surgiu do trabalho com os atores, sem excessos.” A proximidade com o público também é estratégica: “Mostramos os bastidores, revelando o jogo teatral – assim como a narrativa, em que um poder central manipula o tabuleiro.”

Cássio Duque destaca ainda a metáfora dos “estômagos-bomba”, termo usado para estigmatizar pessoas em extrema miséria: “É um reflexo direto da nossa realidade, onde a fome é criminalizada.”

Uma sátira urgente, “Projeto Ornitorrinco” questiona até que ponto a tecnologia “salvadora” não é outra forma de violência.

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