Ao falar de The Electric State, é difícil não ter a sombra do orçamento do filme pairando sobre a obra. Supostamente, R$ 320 milhões de dólares foram gastos na obra, a colocando na lista das produções mais caras já feitas. Esses projetos faraônicos costumavam simbolizar algo, nem sempre bom, mas algo. Cleópatra, de 1963, por exemplo, mudou a forma que os estúdios lidavam com os grandes orçamentos, e Avatar, em 2009, trouxe grandes avanços tecnológicos para a indústria.
The Electric State não faz parte desse rol. Ao contrário, ele fica ao lado de filmes como Velozes e Furiosos 10 e Indiana Jones e a Relíquia do Destino, onde ao descobrir o valor gasto, só resta uma pergunta, “Como assim?”.
Não posso dizer que o investimento é completamente descabido. O longa é baseado no livro ilustrado, de mesmo nome, do artista sueco Simon Stålenhag, cujo grande chamariz são as ilustrações, cujo trabalho de paisagem são convites à imaginação, onde tecnologia dos anos 90 se misturam com o futurístico. A jornada dos personagens do livro são marcadas por carcaças de robôs gigantes que se misturam com o cenário, assim como estruturas dilapidadas igualmente grandiosas, tudo voltado para evocar certas sensações, sem descrevê-las. É uma grandiosidade que trabalha para destacar a solidão das pessoas desse mundo.
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Os Irmãos Russo, contudo, parecem desconhecer o significado de imaginação, e transformam a profundamente melancólica obra do sueco em um mix de Exterminador do Futuro com Jogador N°1. A trama é a mesma, uma jovem, Michelle (Millie Bobby Brown) atravessa os Estados Unidos, que acabou de passar por uma guerra entre humanos e robôs, ao lado do robô Cosmo em busca do seu irmão, que ela acreditava estar morto.
Temos a jornada e os personagens, mas nada do que fez The Electric State em sua forma original ser um sucesso está presente. Não há trabalho de atmosfera, uma construção de mundo fora de uma genérica compilação de telejornais daquele universo. Há pouco espaço para refletir sobre os impactos da tecnologia na sociedade, ou qualquer sentimento que não seja de um humanismo rasteiro.
O que não deixa de ser curioso, visto que os Irmãos Russo são bem vocais em sua defesa da inteligência artificial no cinema, ferramenta que vem sendo usada para tirar emprego de pessoas, roubar material alheio e destruir o meio ambiente. É claro que qualquer tentativa dos dois em comentar sobre a humanidade seria falha, visto que eles próprios trabalham para suprimi-la dentro da arte.
E talvez eles se enxerguem um pouco na tecnologia. Assim como as ferramentas de IA, os Russo são incapazes de criar algo com um traço de originalidade, o que os torna perfeitos para a Netflix, cada vez mais interessadas em filmes que funcionem como plano de fundo e não como arte.
Chama atenção também a falta de escala em The Electric State. É uma história de escala nacional e de impactos profundos no mundo, mas os confrontos e as consequências nunca são sentidos em uma escala macro. Também não é uma história que aposta no intimismo da situação, pois ele está em constante diálogo com a história maior daquele universo. É um meio do caminho que não entrega espetáculo, por mais que tente, nem um possível drama.
Mas talvez o erro tenha sido meu em esperar algo diferente, pois The Electric State não foi feito para ser assistido de verdade. A Netflix está interessada somente nas telas ligadas no filme, e os olhos que os assistem são secundários. Não surpreende que Ted Sarandos, chefe da empresa, seja contra as salas de cinema. São poucas as obras da plataforma que resistem ao elemento mais básico da experiência audiovisual: prestar um pouco de atenção que seja.